Causa Nobel


A linha dura do partido de el-Bashir teria explodido se lhe tivéssemos dito isto: “O Sudão deveria ser tratado como a África do Sul do apartheid e ser isolado política e economicamente.” A apreciação não é nossa. É de quem sabe melhor: Desmond Tutu.

O drama de Darfur tem merecido a dedicação de dois Prémios Nobel da Paz: Desmond Tutu e Jody Williams. Jody chefiou, já em 2007, a missão de alto nível da ONU a Darfur. E foi na sequência de os termos ouvido aos dois num debate especial da Comissão de Desenvolvimento do Parlamento Europeu, em 5 de Junho, que a nossa própria missão foi organizada.

Aquele juízo vigoroso surge num artigo em que ambos reflectem sobre o debate tido connosco: “Ouvimos deputados europeus expressarem a sua frustração por dezenas de declarações na UE e pelo Conselho Europeu não terem sido seguidas de acção significativa.” Irmanavam-se na frustração: “Estamos igualmente chocados por, apesar de muita preocupação retórica em muitas capitais mundiais, pouco ter sido feito para acabar com o conflito, já no seu quinto ano.”

Nesta semana, no Parlamento Europeu, ao prestar contas, teremos, na Comissão de Desenvolvimento e no plenário, que mostrar se estamos à altura da responsabilidade, lembrando, com os Nobel, que “grupos rebeldes cada vez mais fragmentados não são santos quando toca a direitos humanos, mas que a principal responsabilidade por crimes de guerra e crimes contra a humanidade no Darfur pertence de longe ao Governo”.

Podemos inspirar-nos no retrato mais cru que, em Abril, Lotte Leicht, a directora para UE da Human Rights Watch, escreveu à presidência alemã: “Na mesma altura em que a UE estava ‘a exigir’ ao Governo sudanês para ‘se abster de usar qualquer forma de violência contra civis’, uma rapariguita de 13 anos estava a ser violada em grupo por soldados armados numa aldeia perto de Deribat. Na mesma altura em que a UE dizia ‘continuar gravemente preocupada’ com a ‘situação de segurança’ no Darfur, uma mulher de 25 anos abortava, ao ser espancada e violada por 10 homens em uniforme que mataram a tiro o seu marido diante dos seus olhos.”

Vimos o sentimento generalizado de insegurança. Escutámos relatos assim, de medo e brutalidade. Ouvimos a frustração da AMIS. Embargou-se-nos o pensamento, com perplexidade e impotência. Testemunhámos, como John Holmes, o Secretário-Geral Adjunto para os Assuntos Humanitários e o Coordenador da Ajuda de Emergência, disse ao Conselho de Segurança, que a situação no Darfur é “uma bomba-relógio só à espera de rebentar”.

Devemos estar prontos para reconhecer com Tutu e Jody: “É a hora de a comunidade internacional tentar uma abordagem de chicote-e-cenoura para resolver a crise. Alguns de nós acreditamos que tem havido demasiada cenoura e quase nenhum chicote”.

Devemos lembrar-nos que o regime sudanês só tem cedido diante da concreta iminência de sanções e que as “sanções dirigidas” a responsáveis individuais do poder estão bem identificadas. Só falta decidir e aplicar, como nos lembra a Human Rights Watch. Nem mais uma desculpa, nem mais uma evasiva, nem mais um truque dilatório pode ser consentido: no cessar-fogo, no acesso humanitário, na presença de forças das Nações Unidas com mandato efectivo, no desarmamento das milícias janjaweed e no fim da farsa da sua “integração” como forças regulares.

Que a presidência portuguesa ouça o aviso de Lotte Leicht: “Se o não fizer, a UE, em vez de ‘exigir’, ‘apelar’ e ‘instar’, pode encontrar-se muito em breve a ter de pedir desculpa.”

Lisboa, 8 de Julho de 2007


José Ribeiro e Castro
ex-Presidente do CDS, eurodeputado

PÚBLICO, 9.Julho.2007


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