Jogos Olímpicos de Darfur


A China está em África. No Sudão é flagrante. Por crescentes necessidades de energia, estabelece relações privilegiadas com produtores de petróleo, mas a atenção que presta a África é geral. Tem uma política africana. Convém que a Europa não se atrase, menos ainda que se esqueça.

Em 2005, foram para a China 54 por cento das exportações sudanesas. Dez anos antes eram 6 por cento. Igual explosão no investimento directo. O petróleo é o núcleo central: o grosso das exportações, prospecção e extracção de petróleo, pipelines, refinarias, terminais portuários. Mas o cenário alargou-se, incluindo centrais hidroeléctricas, química e petroquímica, obras públicas em cascata: novo palácio presidencial, barragem de Merowe, linhas de combóio, uma conduta de água potável do Nilo para Port Sudan, rede de distribuição de água em Al Fashir, milhares de quilómetros de redes de distribuição eléctrica e postos de transformação, um Centro de Congressos, restauração do hospital em Cartum. Não falta o fornecimento de mão-de-obra e o pré-financiamento por bancos chineses. Não se esqueceu o perdão de 80 milhões de dólares da dívida. Acrescentou-se o envio de dezenas de professores e médicos chineses, a construção de escolas e dispensários, uma participação limitada no financiamento da ajuda humanitária e da missão da AMIS, bem como 450 peacekeepers na UNMIS, para o conflito do Sul do Sudão. Tudo coroado com ser a China o maior fornecedor de armas ao Sudão e crescer o intercâmbio militar.

Tínhamos presentes estas notas na reunião com o novo embaixador da China em Cartum. Li Chengwen, chegado há dez dias, não se esqueceu de o resumir: “A China é o primeiro parceiro comercial do Sudão”.

Por isso não tem sido fácil agregar a China às posições dominantes da comunidade internacional e da opinião pública mundial sobre Darfur. O Sudão precisa da China, é certo. Mas a China também precisa do Sudão. Não há outra razão política. É esta: os interesses, as necessidades, da China.

Há quem reclame um boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, porque às violações de direitos humanos na China se juntou a cobertura internacional pela China de Estados com situações clamorosas, como a crise do Darfur.

Não há mal em que o debate se faça – até pode ser positivo. Mas não creio em boicotes dos Jogos, fosse por factos internos da China, fosse pelas suas responsabilidades internacionais. Não acredito que alguma vez o boicote acontecesse. Não acredito que um boicote pudesse ter qualquer efeito positivo, fosse dentro da China, fosse no Darfur. Acredito que, se acontecesse, o efeito seria muito negativo, tanto num quadro, como noutro. E acredito antes que a aproximação e a realização dos Jogos, com grandes debates em curso sobre o quadro interno da China e as suas indeclináveis responsabilidades internacionais como grande país e grande actor internacional, podem ter efeitos muitos positivos: dentro da China e para o Darfur.

Intervim nesse sentido, em 2001, quando o Parlamento Europeu quis pressionar o Comité Olímpico Internacional para não atribuir a Pequim os Jogos de 2008 e quando, a seguir, surgiram logo apelos a um boicote. Penso exactamente da mesma maneira, diante da questão do Darfur. A evolução da China tem reforçado a minha convicção quanto aos temas internos. Acredito que Darfur poderá beneficiar de dinâmica similar. O facto de a China estar debaixo dos olhos do mundo e num contexto de abertura indissociável – o clima dos Jogos – só pode ser propício a esforços e mensagens na direcção certa.

Os Jogos Olímpicos modernos concentram enorme atenção internacional. Ninguém quer fazer má figura. Há que saber potenciar a oportunidade.

Li Chengwen reafirmou-nos a posição oficial da China sobre Darfur. E nós a europeia. Mas houve alguns sinais novos, com o reconhecimento de vários aspectos e um apelo a sabedoria e criatividade, e pontos de preocupação comum: a fragmentação dos grupos e o reconhecimento de a segurança no Darfur ser, no momento, a questão número 1. A designação em Maio de Liu Guijin, como enviado especial da China para os assuntos de África, com mandato específico para o Darfur, é sinal também de uma nova compreensão da importância e da sensibilidade do drama do Darfur. Importância e sensibilidade – para a China. Como interessa que a China sinta.

A comunidade internacional só terá êxito na questão do Darfur se agir com coesão e coerência entre os actores principais a nível mundial e regional. E a China tornou-se actor absolutamente incontornável. Que se sinta pressionada pela opinião mundial a pressionar o Governo do Sudão só pode ser positivo. Não chegaremos talvez às sanções, mas a uma influência determinante. Darfur agradece.

Cartum, 5 de Julho de 2007


José Ribeiro e Castro
ex-Presidente do CDS, eurodeputado

PÚBLICO, 6.Julho.2007



Comentários

Mensagens populares