Direita - qual e o quê?
O mês de Março trará os dois congressos dos partidos de oposição à direita. Em circunstâncias diferentes, quer PP quer PSD procurarão redefinir o seu rumo no quadro do "ciclo rosa" que as eleições de Outubro abriram e as de Janeiro confirmaram.
Só que... isto está muito mudado e as coisas já não são o que eram. Quando, há semanas, Guterres anunciava em Davos que o Governo ia privatizar o Banco de Fomento a 100 por cento e acelerar o processo de privatizações nas telecomunicações e na electricidade, o tom estava definitivamente dado. E o conhecimento posterior, mais detalhado, do programa completo de privatizações do Governo serviu apenas para o confirmar.
As voltas que o mundo dá! Um Governo socialista líder nas privatizações!...
Ainda na década passada, quando os socialistas conquistaram o poder em França, o facto foi marcado por uma onda de nacionalizações ao modo clássico. Dez ou quinze anos depois, a queda do muro e a desideologização da economia deram a volta aos lugares-comuns do pensamento político. Aí temos um primeiro-ministro de maioria socialista não a nacionalizar a "trouxe-mouxe", mas a privatizar, concluindo, até mais amplamente, um programa que a maioria cavaquista deixara incloncluso. E aí temos também o Partido Comunista, aparentemente conformado e silencioso, sem bramar que "a contra-revolução está em marcha" ou que estaremos a assistir à "reconstrução dos monopólios e dos latifúndios"
As voltas que o mundo dá! As coisas, de facto, estão muito mudadas ...
Mas esta simples mudança, até porque não consiste num simples oportunismo de ocasião, mas numa mudança real e substantiva, é um sinal das dificuldades que os partidos de oposição à direita terão que enfrentar na redefinição do seu posicionamento, na identificação dos traços mais característicos do seu programa e na formulação de uma alternativa que possa fazer sentido.
Porque as coisas já não são iguais, as respostas clássicas não colhem também grande actualidade e as propostas alternativas haverão que ter uma raiz e uma formulação diferentes das que se buscavam nos manuais.
O exercício não se afigura fácil, até porque os partidos que se perfilam à direita da maré rosa parecem não ter resolvido ainda problemas de identidade mínima e elementar, indispensáveis a poderem rumar a voos mais substanciais e exigentes da sua afirmação. Tomemos o Partido Popular. Recente, feito sobre o antigo CDS, não é muito fácil descortinar, ainda hoje, quais são, em termos de fundo para o país, a natureza e o projecto do PP, para além de um recorrente populismo protestatário.
Os famosos "critérios de convergência", que não deixarão de aflorar no debate orçamental, são um bom exemplo disso mesmo. O PP tem sido contra; mas esses "critérios" obrigam, entre outras coisas, a forte disciplina orçamental, à redução do défice das contas públicas e ao apertado controlo da inflação em níveis baixos. Ora, qualquer política económica conservadora aprecia estas três mesmíssimas linhas: inflação alta é coisa que sempre fez a maior das confusões a muitos espíritos, nomeadamente à direita; e Estado com contas em desgoverno ou com défices desmesurados é realidade que enerva a sensibilidade elementar de qualquer comum cidadão conservador.
O PP poderia, aliás, talvez com algum proveito, ter acompanhado o braço-de-ferro orçamental que os republicanos arrastaram no Congresso norte-americano com o Presidente Bill Clinton, na passagem do ano, e prestar atenção aos persistentes argumentos de "Newt Gingrich & friends". Mas não! Como aqueles "critérios" provêm de Bruxelas e - pior ainda! - do suspeitosíssimo Bundesbank, o mais importante, a seu respeito foi as mais das vezes ... protestar! Sempre e uma vez mais ... protestar! Que, de tudo isso, em processo de integração europeia, resultem contas públicas mais equilibradas, défice contido e inflação baixa torna-se, paradoxalmente, coisa pouco importante para aqueles a que tais propósitos mais deviam justamente soar como queridos, familiares e imperativos. No fim, alguém compreenderá? Sem prejuízo do "protesto", construir-se-á por aí alternativa? Não o creio.
Por seu turno, o PSD parece que ainda anda não só à procura de líder, mas também de lugar. Alberto João Jardim censurou de "autismo" companheiros seus que, num dos últimos Conselhos Nacionais, consideravam que o PSD era um partido "de esquerda". Outros dirigentes - Jardim incluído - opinam que o PSD deve liderar a "direita" e o neo-independente Lucas Pires ainda recentemente considerava que o PSD é "o partido do centro e da direita".
A questão, para o PSD, não é uma questão de somenos e pode mesmo ser porventura condicionadora de tudo o resto. De facto, social-democrata por social-democrata, o lugar do PSD poderia ser, propriamente dito, na Internacional Socialista, ao lado do SPD alemão ou do trabalhista Tony Blair. E, sendo assim, seria ao mesmo tempo - prosaica dificuldade e grosseira contradição - irmão e discípulo de um outro "Tony" (o português António Guterres), aliado da maré rosa ou mesmo militante de Sampaio.
A história é conhecida e comentada, assim como as raízes que encontra no processo característico da revolução portuguesa e no seu esquerdismo ideo1ógico e gramatical. Mas encontrará o PSD, agora na oposição, forma de o esclarecer? Sentirá necessidade de o fazer? Compreenderá que o ambicionado "centro" que antes se conquistava da direita para a esquerda se buscará agora da esquerda para a direita? Arranjará forma de, sem se descaracterizar, ser lugar de alternativa ao "social-democrata" Guterres? E será o binómio tradicional PPD/PSD, tão do agrado de Santana Lopes, resposta ainda suficiente?
Se calhar, é cedo para o pedir ou para o esperar. Mas é claro que o caminho para uma alternativa à direita da maioria rosa só poderá realmente abrir-se por aí: pela capacidade de dar respostas novas, integradas e consistentes, a todo um conjunto de questões - produção, descentralização, Europa, desenvolvimento, pobreza, justiça, ambiente, família, sistema fiscal, Estado e sociedade, etc. Respostas identificadas. Respostas identificadoras. Respostas que compreendam ao mesmo tempo que as coisas já não são o que foram e que a "gramática" no fim do século não é a mesma de há décadas atrás.
Até lá, mais não resta a PSD e PP do que irem marcando-se um ao outro, mais receosos do vizinho rival do que convictos do futuro. Ainda há quinze dias, Pacheco Pereira apontava no "Diário de Notícias": "O PP distingue entre um PSD 'bom' e 'com alma' e um PSD 'mau' e 'oportunista'. Os dirigentes do PP, como Monteiro e Portas, não se esquecem nunca de elogiar uns e de vituperar outros."
Onde é que a gente já ouviu isto? Não foi a Manuel Monteiro? Não terá sido a Monteiro, queixando-se dos dirigentes do PSD que, de Fernando Nogueira a Durão Barroso, também distinguem entre um "novo PP mau" e um "antigo CDS bom"?
O problema, além do mais, é esse. É que, se calhar, para lá do maniqueísmo de discurso, ambos têm razão. Isto é, que há muitas diferenças à direita; e que estão longe de terem sedimentado por completo.
Porque as coisas já não são iguais, as respostas clássicas não colhem também grande actualidade e as propostas alternativas haverão que ter uma raiz e uma formulação diferentes das que se buscavam nos manuais.
O exercício não se afigura fácil, até porque os partidos que se perfilam à direita da maré rosa parecem não ter resolvido ainda problemas de identidade mínima e elementar, indispensáveis a poderem rumar a voos mais substanciais e exigentes da sua afirmação. Tomemos o Partido Popular. Recente, feito sobre o antigo CDS, não é muito fácil descortinar, ainda hoje, quais são, em termos de fundo para o país, a natureza e o projecto do PP, para além de um recorrente populismo protestatário.
Os famosos "critérios de convergência", que não deixarão de aflorar no debate orçamental, são um bom exemplo disso mesmo. O PP tem sido contra; mas esses "critérios" obrigam, entre outras coisas, a forte disciplina orçamental, à redução do défice das contas públicas e ao apertado controlo da inflação em níveis baixos. Ora, qualquer política económica conservadora aprecia estas três mesmíssimas linhas: inflação alta é coisa que sempre fez a maior das confusões a muitos espíritos, nomeadamente à direita; e Estado com contas em desgoverno ou com défices desmesurados é realidade que enerva a sensibilidade elementar de qualquer comum cidadão conservador.
O PP poderia, aliás, talvez com algum proveito, ter acompanhado o braço-de-ferro orçamental que os republicanos arrastaram no Congresso norte-americano com o Presidente Bill Clinton, na passagem do ano, e prestar atenção aos persistentes argumentos de "Newt Gingrich & friends". Mas não! Como aqueles "critérios" provêm de Bruxelas e - pior ainda! - do suspeitosíssimo Bundesbank, o mais importante, a seu respeito foi as mais das vezes ... protestar! Sempre e uma vez mais ... protestar! Que, de tudo isso, em processo de integração europeia, resultem contas públicas mais equilibradas, défice contido e inflação baixa torna-se, paradoxalmente, coisa pouco importante para aqueles a que tais propósitos mais deviam justamente soar como queridos, familiares e imperativos. No fim, alguém compreenderá? Sem prejuízo do "protesto", construir-se-á por aí alternativa? Não o creio.
Por seu turno, o PSD parece que ainda anda não só à procura de líder, mas também de lugar. Alberto João Jardim censurou de "autismo" companheiros seus que, num dos últimos Conselhos Nacionais, consideravam que o PSD era um partido "de esquerda". Outros dirigentes - Jardim incluído - opinam que o PSD deve liderar a "direita" e o neo-independente Lucas Pires ainda recentemente considerava que o PSD é "o partido do centro e da direita".
A questão, para o PSD, não é uma questão de somenos e pode mesmo ser porventura condicionadora de tudo o resto. De facto, social-democrata por social-democrata, o lugar do PSD poderia ser, propriamente dito, na Internacional Socialista, ao lado do SPD alemão ou do trabalhista Tony Blair. E, sendo assim, seria ao mesmo tempo - prosaica dificuldade e grosseira contradição - irmão e discípulo de um outro "Tony" (o português António Guterres), aliado da maré rosa ou mesmo militante de Sampaio.
A história é conhecida e comentada, assim como as raízes que encontra no processo característico da revolução portuguesa e no seu esquerdismo ideo1ógico e gramatical. Mas encontrará o PSD, agora na oposição, forma de o esclarecer? Sentirá necessidade de o fazer? Compreenderá que o ambicionado "centro" que antes se conquistava da direita para a esquerda se buscará agora da esquerda para a direita? Arranjará forma de, sem se descaracterizar, ser lugar de alternativa ao "social-democrata" Guterres? E será o binómio tradicional PPD/PSD, tão do agrado de Santana Lopes, resposta ainda suficiente?
Se calhar, é cedo para o pedir ou para o esperar. Mas é claro que o caminho para uma alternativa à direita da maioria rosa só poderá realmente abrir-se por aí: pela capacidade de dar respostas novas, integradas e consistentes, a todo um conjunto de questões - produção, descentralização, Europa, desenvolvimento, pobreza, justiça, ambiente, família, sistema fiscal, Estado e sociedade, etc. Respostas identificadas. Respostas identificadoras. Respostas que compreendam ao mesmo tempo que as coisas já não são o que foram e que a "gramática" no fim do século não é a mesma de há décadas atrás.
Até lá, mais não resta a PSD e PP do que irem marcando-se um ao outro, mais receosos do vizinho rival do que convictos do futuro. Ainda há quinze dias, Pacheco Pereira apontava no "Diário de Notícias": "O PP distingue entre um PSD 'bom' e 'com alma' e um PSD 'mau' e 'oportunista'. Os dirigentes do PP, como Monteiro e Portas, não se esquecem nunca de elogiar uns e de vituperar outros."
Onde é que a gente já ouviu isto? Não foi a Manuel Monteiro? Não terá sido a Monteiro, queixando-se dos dirigentes do PSD que, de Fernando Nogueira a Durão Barroso, também distinguem entre um "novo PP mau" e um "antigo CDS bom"?
O problema, além do mais, é esse. É que, se calhar, para lá do maniqueísmo de discurso, ambos têm razão. Isto é, que há muitas diferenças à direita; e que estão longe de terem sedimentado por completo.
José Ribeiro e Castro
Jurista
PÚBLICO, 24.Fevereiro. 1996
Jurista
PÚBLICO, 24.Fevereiro. 1996
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