Os raios e os trovões assinalados...
“Os raios e os trovões assinalados
Que, da sábia varanda soberana,
Por brados nunca de antes ensaiados,
Perderam por inteiro a Tramontana,
Em urros e manobras esforçados,
Mais do que permitia o senso humano,
E, gente distraída, imaginaram:
No Paço, 'a província' esmagaram.”
Pedindo de empréstimo a adequada inspiração de “Os Lusíadas”, podia ser esta a legenda épica das intervenções mais inflamadas que se têm ouvido contra a regionalização.
Importaria que não se perdesse por completo o sentido das realidades e do que está estritamente em questão. Ao ler algumas arremetidas, com a sonoridade pomposa de odes patrióticas, aos decibéis de mãos cheias, dá ideia de que se entrou no reino completo da fantasia, em nova Epopeia Nacional. Como se, repentinamente, se estivesse trajando d'El-Rei D. João II ou envergando de novo a cabeleira do Marquês de Pombal, esgrimindo, gesticulando e vociferando em gloriosa gesta, para protecção dos interesses do paço, seus laços cortesãos e sua privativa e hipercentralizada visão do país.
É o caso de Manuel Monteiro, quando, há dias, ameaçou abandonar o Parlamento contra o facto de o país ir “ser dividido e esquartejado”. Pimba! Ou de Durão Barroso, atacando Guterres, no recente Congresso do PSD, porque se prepararia para “retalhar o país”. Truca! Ou, por todos, o caso de Miguel Sousa Tavares, que, nestas páginas, não cessando de surpreender-me, não faz a coisa por menos: “está em curso um verdadeiro golpe de Estado constitucional”; prepara-se “o desmembramento da Nação”; vai-se “dividir o que a história uniu durante 800 anos”; trata-se de “urna decisão que vai desfigurar para sempre um país que existe como tal desde o século XIII.” Ora toma!
Calma! É preciso ter calma. Não estamos a tratar da Tchetchénia, nem do Nagorno Karabakh, nem da Abecásia! Trata-se do nosso país. Trata-se de Portugal, cuja unidade não está em risco, nem é minimamente posta em causa. Trata-se de uma decisiva, mas simples e normal, reforma da Administração Pública, restabelecendo, ao fim de 20 anos de intervalo, a autarquia intermédia entre o poder central e o poder local e, do mesmo passo, democratizando-a em pleno.
Esse patamar intermédio tem, em maior ou menor grau, longa tradição entre nós, desde os tempos dos primeiros reis, passando pela República e pelo próprio Estado Novo. À data do 25 de Abril, enquanto autarquia supramunicipal, “existiam” Conselhos Distritais e Juntas Distritais, que eram a “face autárquica” do distrito. Até 1959, foram os Conselhos Provinciais e Juntas de Província. E a história anterior, na República e no séc. XIX, prossegue entre ora a Comarca, ora a Província, ora o Distrito, compromisso final daquelas duas. As raízes, essas, vêm de muito atrás: pelo menos dos tempos do senhor D. Diniz, em que, no sec. XIII, já se acham os concelhos agrupados em Antre Douro e Minho, Antre Douro e Mondego, Beira, Estremadura e Antre Tejo e Odiana, além do Reino do Algarve.
A imediata herança do Estado Novo era obviamente muito pobre em termos de vitalidade institucional e, no distrito, reinava a figura do governador civil, “braço” do poder central. A outra “face autárquica” do distrito e dos seus órgãos próprios, existentes no recorte formal do patamar distrital (como antes no da província), era ténue e baça. Não era mais do que o efeito comum quer dos traços autoritários do regime, quer da fragilidade própria do concreto sistema de sufrágio orgânico que limitava as instituições distritais (corno antes as provinciais).
A questão para a Assembleia Constituinte de 1975-76 era simples: ou, à semelhança do que foi feito para o poder local, dando de novo vida ao municipalismo, se tratava tão-só de revitalizar , pelos métodos comuns da democracia, as instituições distritais pré existentes; ou se tratava de fazer isso, é certo, mas proporcionando, ao mesmo tempo, a reformulação integrada da dimensão e dos limites territoriais dessa autarquia intermédia. É esta a história das regiões administrativas.
Os constituintes terão dado um sinal de que elas se aproximassem das antigas províncias, entidade cultural tão forte no coração e na identidade do nosso país que nem o Estado Novo , autoritário e centralizado , a conseguiu apagar por completo - mesmo quando, em 1959, as províncias foram extintas, lá ficou o art. 125º da Constituição de 1933, a reservar que isso era feito “sem prejuízo da designação regional 'província'“. Mas os constituintes, dando ou não esse sinal, não a comprometeram em definitivo, antes reservando a definição plena para o legislador comum e para a prévia auscultação directa das populações através das Assembleias Municipais. E, de facto, sabe-se que houve outras teses tecnocráticas , mais inclinadas a fazer coincidir essas regiões com a linha das chamadas “Regiões-Plano”, ou corno o PCP chegou a, tacticamente, apresentar projectos que repunham o distrito ao abrigo da regionalização.
Revisto isto, vale a pena reler algumas das enormidades que se têm ouvido. Desde logo, por que é que criar finalmente as regiões administrativas seria “retalhar”, “esquartejar”, “desfigurar” ou “desmembrar” o “solo pátrio”? Sente-se a pátria “desmembrada” por 300 e poucos municípios? Sentem-se os portugueses “desfigurados” em quatro mil e tantas freguesias? O país estará mais “esquartejado” nas menos de dez regiões integradas a criar do que nos ainda actuais 18 distritos continentais que serão extintos?
Porquê tanta demagogia à la gogo? Porque não é o “ retalho” que incomoda. O que incomoda é a descentralização, o que incomoda é alguma transferência de poderes, o que incomoda é que o centro, elegante, não decida mais sozinho.
Miguel Sousa Tavares estranhou ainda: “Porquê tanta pressa?” Não há pressa nenhuma! A verdade é bem ao contrário: já se perderam 20 anos - 20 anos à espera, em que o desequilíbrio do território e as injustiças na repartição do desenvolvimento não cessaram de agravar-se. Entre 1976 e 1979, a instabilidade política foi um empecilho.
Nos tempos da AD, avançou-se e esteve quase: em 1980, no Governo Sá Carneiro, foi lançado o “Livro Branco sobre a Regionalização”; no 2º Governo Balsemão, sob o impulso de Freitas do Amaral, tomou-se uma detalhada e metódica Resolução do Conselho de Ministros, animou-se por todo o país um amplíssimo debate público sobre a regionalização, largamente participado, deste resultando a elaboração de um quadro completo da legislação-quadro para implementação das regiões; só que o Governo caiu, a AD acabou... e o processo parou ern 1983.
No Bloco Central, foi de novo a instabilidade. A esperança só renasceria com a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva em 1987, que a esse efeito se comprometera expressamente. E, na verdade, em 1991, sem necessidade de qualquer referendo, a maioria PSD aprovou a Lei-Quadro da Regionalização - curiosamente pouco tempo antes de ir de novo às urnas, onde Cavaco Silva obteria a sua última maioria absoluta.
Depois... esqueceu-se. E, em 1994, de novo sem precisar de qualquer referendo, precipitou-se a declarar que “afinal, já não fazia” - no que, aqui sim, talvez merecesse o apodo apropriado de “golpe de Estado constitucional”. Não há qualquer pressa, portanto. Antes atraso, uma demora espantosa e aziaga. E a esperança de que Guterres, ao contrário do Governo anterior, não deixe trair esta parcela essencial e estratégica do seu mandato. Tal corno Sampaio.
Há ainda a questão do “trunfo” - o “raro trunfo do Estado unitário” que, segundo Miguel Sousa Tavares e outros, “vamos deitá-lo pela janela fora”. Desde logo, conviria perguntar: trunfo de quê? Ternos sido dos países mais desenvolvidos da Europa? Mas, sobretudo, o argumento é de novo falso. O Estado não deixará de ser unitário. Para não ir mais longe, a regionalização no Continente não é sequer política, corno nas regiões autónomas, mas tão-só administrativa. O que deixaremos de ser é o Estado unitário centralista, que é dos nossos maiores atavismos, evoluindo para um Estado unitário saudavelmente descentralizado e deixando para trás o “país a três ou quatro velocidades” em que nos temos agravado e atrasado.
Miguel Sousa Tavares escreveu também que “ninguém pediu a regionalização”. Como é possível dizer-se isto? Ainda há cerca de quinze dias, o Congresso Nacional dos Municípios - onde, à pressa, se procura cavar divisões “bairristas” e arregimentar aliados contra natura - aprovou, por esmagadora maioria, urna vez mais, uma moção no sentido da criação próxima das regiões administrativas. E o coro, ao nível local, não deixa dúvidas: tem sido constante, nestas duas décadas, nomeadamente nas assembleias municipais, que têm justamente aqui um relevante papel no plano constitucional. Se isso se ouviu pouco, é apenas sinal e sintoma claro do problema que se trata de corrigir - as “opiniões do centro” não escutam, ou desprezam mesmo, a “periferia”. O país pede; não o faz é “à bomba” - o que é, convenhamos, vantagem enorme.
No vasto debate que o PÚBLICO vem animando a este respeito, houve um artigo que me tocou particularmente: o da arq.ª Maria José Abrunhosa, chamado “O interior, a regionalização e as auto-estradas”, onde reflecte de forma tocantemente autêntica sobre a sua experiência na cidade da Guarda. Estou de acordo com quase tudo, menos quando conclui: as regiões não serão precisas, bastam as estradas.
As regiões e o desenvolvimento viário são ferramentas estratégicas essenciais, concertadas e harmónicas, para o desenvolvimento regional mais dinâmico e melhor distribuído. O segundo pouco alcança sem as primeiras; e as primeiras nada conseguem sem o segundo. É necessário que a descentralização, quer municipal, quer regional, rasgue um quadro de desenvolvimento multipolar, mais equilibrado e ordenado. E é indispensável que as vias modernas permitam a intensa circulação de pessoas e bens.
A advertência é, porém, fundamental, sobretudo quando algumas oposições a Cavaco Silva abundaram no discurso “antibetão”, que é outra forma perigosíssima de provincianismo. Basta ir aqui ao lado à vizinha Espanha para verificar como, apesar dos progressos enormes que a rede de estradas ficou a dever a Ferreira do Amaral, o nosso atraso é ainda enorme e como importa prosseguir e acelerar a conclusão do Plano Rodoviário Nacional. Qualquer paragem, ou novo atraso, nas obras públicas e nos equipamentos sociais estratégicos serão severamente julgados pelos eleitores, por muito que as regiões cheguem -já que o desenvolvimento nunca se constrói só com “varinhas de condão”, ainda que se chamem regiões e descentralização.
Resta a trouvaille marcelista do referendo, pressão hábil, mas óbvio sinal de outras dificuldades internas do PSD. Fica para outra vez , que o debate regional promete ser animado.
É o caso de Manuel Monteiro, quando, há dias, ameaçou abandonar o Parlamento contra o facto de o país ir “ser dividido e esquartejado”. Pimba! Ou de Durão Barroso, atacando Guterres, no recente Congresso do PSD, porque se prepararia para “retalhar o país”. Truca! Ou, por todos, o caso de Miguel Sousa Tavares, que, nestas páginas, não cessando de surpreender-me, não faz a coisa por menos: “está em curso um verdadeiro golpe de Estado constitucional”; prepara-se “o desmembramento da Nação”; vai-se “dividir o que a história uniu durante 800 anos”; trata-se de “urna decisão que vai desfigurar para sempre um país que existe como tal desde o século XIII.” Ora toma!
Calma! É preciso ter calma. Não estamos a tratar da Tchetchénia, nem do Nagorno Karabakh, nem da Abecásia! Trata-se do nosso país. Trata-se de Portugal, cuja unidade não está em risco, nem é minimamente posta em causa. Trata-se de uma decisiva, mas simples e normal, reforma da Administração Pública, restabelecendo, ao fim de 20 anos de intervalo, a autarquia intermédia entre o poder central e o poder local e, do mesmo passo, democratizando-a em pleno.
Esse patamar intermédio tem, em maior ou menor grau, longa tradição entre nós, desde os tempos dos primeiros reis, passando pela República e pelo próprio Estado Novo. À data do 25 de Abril, enquanto autarquia supramunicipal, “existiam” Conselhos Distritais e Juntas Distritais, que eram a “face autárquica” do distrito. Até 1959, foram os Conselhos Provinciais e Juntas de Província. E a história anterior, na República e no séc. XIX, prossegue entre ora a Comarca, ora a Província, ora o Distrito, compromisso final daquelas duas. As raízes, essas, vêm de muito atrás: pelo menos dos tempos do senhor D. Diniz, em que, no sec. XIII, já se acham os concelhos agrupados em Antre Douro e Minho, Antre Douro e Mondego, Beira, Estremadura e Antre Tejo e Odiana, além do Reino do Algarve.
A imediata herança do Estado Novo era obviamente muito pobre em termos de vitalidade institucional e, no distrito, reinava a figura do governador civil, “braço” do poder central. A outra “face autárquica” do distrito e dos seus órgãos próprios, existentes no recorte formal do patamar distrital (como antes no da província), era ténue e baça. Não era mais do que o efeito comum quer dos traços autoritários do regime, quer da fragilidade própria do concreto sistema de sufrágio orgânico que limitava as instituições distritais (corno antes as provinciais).
A questão para a Assembleia Constituinte de 1975-76 era simples: ou, à semelhança do que foi feito para o poder local, dando de novo vida ao municipalismo, se tratava tão-só de revitalizar , pelos métodos comuns da democracia, as instituições distritais pré existentes; ou se tratava de fazer isso, é certo, mas proporcionando, ao mesmo tempo, a reformulação integrada da dimensão e dos limites territoriais dessa autarquia intermédia. É esta a história das regiões administrativas.
Os constituintes terão dado um sinal de que elas se aproximassem das antigas províncias, entidade cultural tão forte no coração e na identidade do nosso país que nem o Estado Novo , autoritário e centralizado , a conseguiu apagar por completo - mesmo quando, em 1959, as províncias foram extintas, lá ficou o art. 125º da Constituição de 1933, a reservar que isso era feito “sem prejuízo da designação regional 'província'“. Mas os constituintes, dando ou não esse sinal, não a comprometeram em definitivo, antes reservando a definição plena para o legislador comum e para a prévia auscultação directa das populações através das Assembleias Municipais. E, de facto, sabe-se que houve outras teses tecnocráticas , mais inclinadas a fazer coincidir essas regiões com a linha das chamadas “Regiões-Plano”, ou corno o PCP chegou a, tacticamente, apresentar projectos que repunham o distrito ao abrigo da regionalização.
Revisto isto, vale a pena reler algumas das enormidades que se têm ouvido. Desde logo, por que é que criar finalmente as regiões administrativas seria “retalhar”, “esquartejar”, “desfigurar” ou “desmembrar” o “solo pátrio”? Sente-se a pátria “desmembrada” por 300 e poucos municípios? Sentem-se os portugueses “desfigurados” em quatro mil e tantas freguesias? O país estará mais “esquartejado” nas menos de dez regiões integradas a criar do que nos ainda actuais 18 distritos continentais que serão extintos?
Porquê tanta demagogia à la gogo? Porque não é o “ retalho” que incomoda. O que incomoda é a descentralização, o que incomoda é alguma transferência de poderes, o que incomoda é que o centro, elegante, não decida mais sozinho.
Miguel Sousa Tavares estranhou ainda: “Porquê tanta pressa?” Não há pressa nenhuma! A verdade é bem ao contrário: já se perderam 20 anos - 20 anos à espera, em que o desequilíbrio do território e as injustiças na repartição do desenvolvimento não cessaram de agravar-se. Entre 1976 e 1979, a instabilidade política foi um empecilho.
Nos tempos da AD, avançou-se e esteve quase: em 1980, no Governo Sá Carneiro, foi lançado o “Livro Branco sobre a Regionalização”; no 2º Governo Balsemão, sob o impulso de Freitas do Amaral, tomou-se uma detalhada e metódica Resolução do Conselho de Ministros, animou-se por todo o país um amplíssimo debate público sobre a regionalização, largamente participado, deste resultando a elaboração de um quadro completo da legislação-quadro para implementação das regiões; só que o Governo caiu, a AD acabou... e o processo parou ern 1983.
No Bloco Central, foi de novo a instabilidade. A esperança só renasceria com a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva em 1987, que a esse efeito se comprometera expressamente. E, na verdade, em 1991, sem necessidade de qualquer referendo, a maioria PSD aprovou a Lei-Quadro da Regionalização - curiosamente pouco tempo antes de ir de novo às urnas, onde Cavaco Silva obteria a sua última maioria absoluta.
Depois... esqueceu-se. E, em 1994, de novo sem precisar de qualquer referendo, precipitou-se a declarar que “afinal, já não fazia” - no que, aqui sim, talvez merecesse o apodo apropriado de “golpe de Estado constitucional”. Não há qualquer pressa, portanto. Antes atraso, uma demora espantosa e aziaga. E a esperança de que Guterres, ao contrário do Governo anterior, não deixe trair esta parcela essencial e estratégica do seu mandato. Tal corno Sampaio.
Há ainda a questão do “trunfo” - o “raro trunfo do Estado unitário” que, segundo Miguel Sousa Tavares e outros, “vamos deitá-lo pela janela fora”. Desde logo, conviria perguntar: trunfo de quê? Ternos sido dos países mais desenvolvidos da Europa? Mas, sobretudo, o argumento é de novo falso. O Estado não deixará de ser unitário. Para não ir mais longe, a regionalização no Continente não é sequer política, corno nas regiões autónomas, mas tão-só administrativa. O que deixaremos de ser é o Estado unitário centralista, que é dos nossos maiores atavismos, evoluindo para um Estado unitário saudavelmente descentralizado e deixando para trás o “país a três ou quatro velocidades” em que nos temos agravado e atrasado.
Miguel Sousa Tavares escreveu também que “ninguém pediu a regionalização”. Como é possível dizer-se isto? Ainda há cerca de quinze dias, o Congresso Nacional dos Municípios - onde, à pressa, se procura cavar divisões “bairristas” e arregimentar aliados contra natura - aprovou, por esmagadora maioria, urna vez mais, uma moção no sentido da criação próxima das regiões administrativas. E o coro, ao nível local, não deixa dúvidas: tem sido constante, nestas duas décadas, nomeadamente nas assembleias municipais, que têm justamente aqui um relevante papel no plano constitucional. Se isso se ouviu pouco, é apenas sinal e sintoma claro do problema que se trata de corrigir - as “opiniões do centro” não escutam, ou desprezam mesmo, a “periferia”. O país pede; não o faz é “à bomba” - o que é, convenhamos, vantagem enorme.
No vasto debate que o PÚBLICO vem animando a este respeito, houve um artigo que me tocou particularmente: o da arq.ª Maria José Abrunhosa, chamado “O interior, a regionalização e as auto-estradas”, onde reflecte de forma tocantemente autêntica sobre a sua experiência na cidade da Guarda. Estou de acordo com quase tudo, menos quando conclui: as regiões não serão precisas, bastam as estradas.
As regiões e o desenvolvimento viário são ferramentas estratégicas essenciais, concertadas e harmónicas, para o desenvolvimento regional mais dinâmico e melhor distribuído. O segundo pouco alcança sem as primeiras; e as primeiras nada conseguem sem o segundo. É necessário que a descentralização, quer municipal, quer regional, rasgue um quadro de desenvolvimento multipolar, mais equilibrado e ordenado. E é indispensável que as vias modernas permitam a intensa circulação de pessoas e bens.
A advertência é, porém, fundamental, sobretudo quando algumas oposições a Cavaco Silva abundaram no discurso “antibetão”, que é outra forma perigosíssima de provincianismo. Basta ir aqui ao lado à vizinha Espanha para verificar como, apesar dos progressos enormes que a rede de estradas ficou a dever a Ferreira do Amaral, o nosso atraso é ainda enorme e como importa prosseguir e acelerar a conclusão do Plano Rodoviário Nacional. Qualquer paragem, ou novo atraso, nas obras públicas e nos equipamentos sociais estratégicos serão severamente julgados pelos eleitores, por muito que as regiões cheguem -já que o desenvolvimento nunca se constrói só com “varinhas de condão”, ainda que se chamem regiões e descentralização.
Resta a trouvaille marcelista do referendo, pressão hábil, mas óbvio sinal de outras dificuldades internas do PSD. Fica para outra vez , que o debate regional promete ser animado.
José Ribeiro e Castro
Jurista
PÚBLICO, 13.Abril.1996
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