"Por que" e "Porque"

Vexado, enxovalhado e humilhado, dorido e abatido, volto à questão dos “porque” e dos “por que”.

Não tanto pela violenta zurzidela que levei, a este respeito, da leitora Ana Maria Ramos, do Porto, na edição do PÚBLICO de dia 12-05-96, mas porque a leitora, com a sua peremptória reprimenda gramatical e o reenvio que me fez para a Escola Primária, me acordou o fantasma de D. Violante; e esta, além da admoestação pública com má catadura, pregou-me ainda quatro reguadas em cada uma das mãos, frisando, severa, que numa era pelo “por” e noutra pelo “que”, mas ambas eram “porque”. Assim tenho andado a penar nestes últimos dias, com enorme dificuldade em conciliar o sono, assombrado pelo fantasma Violante, proscrito e votado eu a diários exercícios intermináveis a giz na ardósia preta, a grafar “porque” e “por que”, envergonhado diante de uma turma inteira na galhofa, no castigo para conseguir ainda salvar a nota do 3.º período que está a terminar. Um pesadelo...

Não foi só a segurança da leitora Ana Maria Ramos que abalou as minhas convicções gramaticais. Foi também o facto de saber que o leitor Carlos Ataíde, do Algueirão - que, generoso, o PÚBLICO publicou, no mesmo domingo, a alinhar em parte pelo meu “partido” -, acaba por concordar com aquela leitora na substância das coisas e das regras. Na verdade, se, como diz este leitor, o prof. Agostinho de Campos, no seu “Glossário” (Bertrand, 1983), sustenta que se grafa separadamente “por que” apenas naqueles casos em que, expressamente (e não implicitamente), o “que” está por “o qual”, etc., então estará certíssima aquela leitora, que sustenta exactamente no mesmo sentido.

E, diversamente do que eu penso e do que se indigna igualmente o leitor Carlos Ataíde, estaria certíssimo também, afinal, o cartaz do PSD “Porque é que o PS não quer consultar...?” - esta frase, de facto, não pode ser substituída por “Pelo qual é que o PS...?” ou “Por qual é que o PS...?”; e então, por isso mesmo é que, acrescenta a leitora Ana Maria Ramos, entraria aí justamente o “porque”, enquanto advérbio interrogativo de causa.

Devo dizer que não estou ainda convencido. Embora me confesse algo vencido e sobretudo muito abalado nas minhas convicções gramaticais. Não só pela solidez e segurança dos argumentos produzidos, mas sobretudo porque, diversamente do que pensava e por isso me indignava, ainda ali há uma regra clara para decidir e não um simples arbítrio do “ora assim, ora assado”, como por vezes eu via.

Mas, consinta-me o fantasma rabugento da D. Violante e, uma vez salva a nota do 3.º período, irei aproveitar as férias grandes para consultar os catrapázios e os doutores, a confirmar como é que será exactamente.

(...) Enfim, uma última palavra em defesa da honra da Dr.ª Edite Estrela, que a leitora Ana Maria Ramos aproveitou também para beliscar, no meio da zurzidela que disparou sobre mim.


Fui eu que a trouxe à contenda, mas fi-lo sem qualquer conhecimento de causa - não faço a mínima ideia do que ensinará a Dr.ª Edite Estrela a este respeito; e estão inteiramente inocentes os seus programas na RTP.
José Ribeiro e Castro
Jurista

PÚBLICO, 27.Maio.1996

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