O fim da linha
Este recente acordo autárquico no distrito do Porto entre o PSD e o PP é um golpe fatal na liderança de Manuel Monteiro. A partir daqui, nada do que disser em termos de identificação da linha política do seu partido fará o menor sentido nem será levado minimamente a sério.
O último mandato de Monteiro tinha, aliás, desastre anunciado. E, tanto se tendo falado de líderes partidários que teriam o seu futuro político dependente dos resultados das autárquicas de Dezembro, não deixa de ser sintomático que seja Monteiro a perder antes mesmo de lá se chegar.
O problema da direcção do Partido Popular é claramente o de que não conseguiu ampliar o círculo dirigente do partido. O PP teria inevitavelmente que o fazer, se queria consolidar a subida para quase dez por cento do eleitorado com que apareceu no início do novo ciclo político que sucedeu ao fim simultâneo do cavaquismo e dos mandatos monárquicos de Mário Soares.
A última crise do grupo parlamentar, rodeada de episódios patéticos e de traições miseráveis, representou o contrário disso e conduziu até as emoções internas a um grau completamente abaixo de zero. O núcleo dirigente do PP preferia fechar-se em vez de crescer.
O afastamento de dirigentes como Lobo Xavier, Paulo Portas, Nobre Guedes e outros, somado ao ostracismo dos últimos dos mais antigos como Nogueira de Brito, significou uma enorme mutilação das capacidades políticas do partido, contra aquilo que deveria ser o curso natural das coisas.
O "monteirismo" preferiu ficar só a correr o risco de partilhar a galeria. E, com isso, não deu - apesar das aparências imediatas - nenhum sinal de força. Antes exactamente o maior sinal de fraqueza que politicamente pode dar-se. Se a lei do funil não pudesse ser mantida com mão de ferro, o colapso estava anunciado. E, mesmo que a lei do funil fosse prevalecendo, de cada vez que fosse imposta seria o partido a sofrer para que o líder continuasse o seu percurso e discurso solitários.
O filme seguiu para as cenas dos capítulos seguintes. No congresso em que "regressou" pondo termo à crise que desencadeara, ficou claro aos olhos de todos que o terreno estava minado e nada seria como antes - daí para cá, Manuel Monteiro já não era mais o "herói" que surpreendia; mas, para muitos, um "fardo" difícil de carregar. As discussões sobre a estratégia das autárquicas nunca primaram pela clareza e terminaram com uma deliberação completamente surrealista do Conselho Nacional.
Os avanços e recuos, piruetas e cambalhotas, "chiquelinas" e "muletazos" do discurso sobre a "nova AD" continuaram constantes, incluindo na boca do próprio Manuel Monteiro. E, confirmando a absoluta incapacidade de ampliar o círculo dirigente do partido e de se sair do pequenino "grupo do Altis" para o plano próprio de uma direcção política, madura e com fôlego, cedo voltaram as fricções com o grupo parlamentar, nos desentendimentos frequentes com Maria José Nogueira Pinto.
A direcção do PP não tem a menor autoridade política - é a síntese directa que pode fazer-se desde a crise do Verão passado.
Independentemente do seu significado local, o acordo autárquico do Porto é a estocada mortal nesse lento deslizar. O apoio que a iniciativa da distrital do Porto dos populares mereceu expressamente de todos os ex-dirigentes que saíram em crise ou de dirigentes que em crise estão é uma clara evidência disso mesmo.
A direcção de Monteiro quererá talvez reagir. Mas como enfrentar as bases? Como opôr-se a esta mini-AD quando o próprio Monteiro apareceu, em contrapé, a defender uma AD geral para as legislativas de 1999? Numa palavra, a direcção do PP colocou-se e foi colocada na mais desconfortável posição de todas: não pode apoiar; não pode opôr-se.
Acabou.
A seguir ao acordo do Porto, poderão multiplicar-se livremente como cogumelos dezenas de outros acordos concelhios do mesmo tipo, como estava a ser reclamado aqui e ali. E, onde não sejam validados, serão destacados militantes locais a sentirem-se livres e impelidos para romper e para fazer o mesmo por si próprios, em claras coligações de facto. A bagunça generalizada. A direcção perdeu o pé - isto é, a direcção afogou-se.
José Ribeiro e Castro
Jurista
PÚBLICO, 26.Abril.1997
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