O desastre conservador

Não é a primeira vez que uma coisa assim lhes acontece. Em 1945, o mítico Winston Churchill, que acabara de ganhar a II Grande Guerra com urna liderança brilhante, sofreu um outro massacre eleitoral, com um "landslide" quase tão esmagador como o que agora vitimou a liderança de Major. 

Os conservadores têm razão para se queixarem, agora, de uma "injustiça" semelhante. Do ponto de vista económico, a Grã-Bretanha recuperara saúde e dinamismo, a recessão foi claramente vencida, as transformações sociais operadas nas últimas décadas estão amplamente consolidadas, o futuro do país ressoa a optimismo. O travo é, por isso, mais amargo e muitos não encontrarão razão objectiva para o sucedido. 

A explicação mais consistente para a esmagadora vitória trabalhista nas eleições britânicas ainda parece ser a da simples alternância democrática. Ao fim de 18 anos de poder, os conservadores tinham que sair e era ilusório que alguma vez pudessem ascender ao quinto mandato consecutivo. Muitos analisarão à exaustão este ou aquele tema dos discursos políticos e alguns vergastarão uma alegada "falta de liderança" de Major ou um seu "cinzentismo". Mas, independentemente deste tipo de "explicações", aquela parece ser a única susceptível de colher unanimidade: era tempo de rotação. Fosse corno fosse, iriam perder - porque a hora da mudança chegara. 

Só que a derrota conservadora foi tão profunda que encerra várias lições e outras interrogações para o futuro. Os britânicos não se limitaram a accionar a alavanca da mudança. Provocaram um verdadeiro cataclismo político. 

A queda conservadora foi para os 31 por cento, contra 45 por cento dos trabalhistas e 17 por cento dos liberais-democratas - é bastante mau, mas, por aí, já se viu pior noutros partidos de dimensão nacional no espaço europeu. O pior de tudo é que as características do sistema eleitoral britânico conduziram essa queda ao tamanho de um apocalipse: os conservadores perdem mais de 150 lugares e ficam mais de 250 atrás dos rivais trabalhistas. Pior: a sua representação nas cidades foi reduzida a pouco mais de uma dúzia de deputados, tornando-o um partido dos subúrbios e dos "shires" rurais. Pior ainda: os "tories" foram completamente apagados da Escócia e do País de Gales, ficando circunscritos ao rincão da Inglaterra, pondo em causa a sua natureza de partido propriamente nacional. 

Para esta extensão da derrota, os chamados "eurocépticos" contribuíram com a parte de leão. No fundo, foram eles que, ao longo dos últimos anos, foram cavando divisões crescentes nas hostes conservadoras, minando a sua liderança, criando embaraços e hesitações sucessivas e enfraquecendo de vez a capacidade do partido para enfrentar os novos desafios da integração nestes anos decisivos. E, afinal de contas, feita a prova dos nove, as urnas provaram à saciedade que a ideia de que havia por ali um forte sentimento antieuropeu e uma acentuadíssima desconfiança contra a moeda única era uma ideia completamente errada. O "New Labour" ganhou com um discurso europeu positivo e terá ao seu lado os liberais-democratas, também ganhadores e ainda mais europeístas. 

A lição mais significativa é a do êxito de Tony Blair. A verdade é que os britânicos não tinham muitas razões para afastarem os conservadores e sobretudo para os castigarem desta forma. O que as eleições significam não é, assim, tanto um ajuste de contas com o passado, mas um mergulho no futuro. A Grã-Bretanha vai bem e os eleitores acreditam que pode ir melhor - este era, aliás, o "slogan" de Tony Blair. Ao escolherem os trabalhistas, os britânicos tão-pouco escolheram algo que já conhecessem. Blair apresentou-se com uma plataforma completamente nova e atípica em termos de esquerda. Foi nesse novo programa que os eleitores acreditaram e querem confiar. 

O centro foi, no passado, uma criação da direita para fazer face aos avanços da esquerda em tempos de revolução social. Hoje, passadas as profundas transformações dos anos 80 de pendor neoliberal, o centro reaparece, recauchutado, como uma recriação da esquerda para reconquistar à direita a liderança política perdida. 

O que estamos a ver na Europa deste final de século é - segundo Bad Godesberg - uma nova revisão global à esquerda. Tal como com Guterres em Portugal, esse foi o segredo maior de Tony Blair. Não se trata apenas de um partido de esquerda governar ao centro depois de eleito - o que não teria a menor novidade. Trata-se de, ainda na oposição, haver revisto todo o seu programa e apresentar-se às urnas com uma plataforma centrista completamente distinta da tradicional. A esquerda, de facto, já não é o que era. O centro mantém-se - os seus donos é que são outros. Resta à direita saber entendê-lo. 

José Ribeiro e Castro
Jurista

PÚBLICO, 3.Maio.1997

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