A tal nova AD de que se fala
Não estou em posição de saber se são verdadeiras, ou não, as alegadas resistências e a frontal oposição de Cavaco Silva à tal nova AD de que se fala. A razão, dizem os comentadores, os analistas e as sempre bem informadas fontes, seria a incapacidade de digerir uma aliança com Paulo Portas, himself, em memória da sua actuação como director de "O Independente".
Seja como for, não vem daí problema algum. Sobretudo para Paulo Portas. Antes pelo contrário. À nova liderança do CDS-PP, esse tipo de noticiário só pode fazer bem. A verdade é que é muito cedo, demasiado cedo, para qualquer verdadeira AD. As reflexões não passam de debates à volta de um cenário puramente virtual. Mas um cenário que representa uma poderosa ilusão para boa parte do eleitorado não socialista. E, assim sendo, se, sem ninguém fazer realmente coisa alguma, se gera e se expande, de modo verdadeiramente extraordinário, esta ideia de que o CDS-PP estaria disponível para uma tal nova AD e que as resistências, os engulhos, as oposições, vêm todos inteirinhos de sectores referenciais do PSD, quem ganha é Paulo Portas. Sem dizer nada, sem arriscar um milímetro, sem desperdiçar uma palavra.
Ganha em autonomia e em imagem de autonomia, tão preciosa para consolidar a sua nova liderança no renovado CDS-PP que se projecta. Ganha em espaço, somando à extensa rede interna que se lançou a partir do Congresso de Braga a disponibilidade de mais aqueles que esperariam de Cavaco Silva "mais sentido de Estado", seja lá isso o que for. E ganhará sobretudo tempo. Que lhe é absolutamente precioso.
O que é preciso a este respeito é mesmo não dizer nada. Basta deixar rolar e deixarem exibir-se os espontâneos humores de cada qual, ou as respectivas bílis adjacentes.
A verdade é que a Aliança Democrática que houve não tem nada a ver com a "tal-nova-AD-de-que-se-fala-por-aí". A Aliança Democrática foi um projecto consistente por Portugal. A "tal-nova-AD-de-que-se-fala-por-aí" não passa de um quimérico oportunismo eleitoral.
A Aliança Democrática arrancou de uma sólida construção política, que cimentou, depois, um forte lastro de unidade entre os seus dirigentes principais. Era um programa de reformas, global, para o Portugal saído da revolução. Um programa político que, aliás, continuou a cumprir-se substancialmente, ponto por ponto, em Portugal, ao longo dos anos seguintes, com vários actores e em múltiplas circunstâncias, mesmo depois de a AD ter morrido de morte prematura após Camarate. Por sinal, só faltou ( ou só falta) executar uma linha principal: a regionalização. É capaz de ser maçador lembrá-lo. Mas é verdade. A "tal-nova-AD-de-que-se-fala-por-aí" não passa da vulgar miragem de uma colagem eleitoral de ocasião, que rapidamente degeneraria em torre de Babel, ou que não passará sequer desta fase embrionária. Um castelo de cartas feito de um baralho solto. Um
"puzzle" desconchavado de papéis coloridos. Uma fonte de cizânias intermináveis.
A Aliança Democrática foi uma construção. A "tal-nova-AD-de-que-se-fala-por-aí" não é ainda mais do que apenas um cenário esboçado no estirador de projectistas ou de autores de banda desenhada. A Aliança Democrática atravessou a história. A "tal-nova-AD-deque-se-fala-por-aí" não é ainda mais do que uma possível historieta.
No meu entender, a "tal-nova-AD-de-que-se-fala-por-aí" não é para Paulo Portas um tema imediato de reflexão ou de referência. Para Paulo Portas e o projecto de Braga, a palavra de ordem só pode ser uma, no curto prazo: antes de qualquer AD, o CDS-PP. Certo que é bom saber que, a haver reais hipóteses de uma verdadeira Aliança Democrática ou do que, actualizado, se lhe assemelhe ou aproxime, a nova liderança do CDS-PP encarará essa ideia com abertura e com disponibilidade séria, por Portugal, com sentido de Estado e consciência das responsabilidades nacionais. Mas essa imagem já se criou. E se, antes do Congresso de Braga, Portas foi fustigado com a ideia falsa de que actuaria por encomenda de Marcelo, justo é que colha agora - pelo silêncio - ao menos os frutos bons dessa falsidade e "compromisso". É tempo de esse mesmo filme em encenação febril rolar agora pelo lado do PSD. E só pelo lado do PSD. O CDS-PP e Paulo Portas só terão a ganhar com isso.
Prioritário, verdadeiramente prioritário, para o CDS-PP é reconstruir-se. Em Braga, foram lançadas as traves-mestras. Mas falta cerzir todo o tecido outra vez. E falta reconstruir o edifício.
A ideia que eu tenho, da minha própria peregrinação pessoal - para usar uma expressão de Nuno Abecasis -, é que as pessoas estão todas aí. Estavam à espera. E estão disponíveis. Por todo o país. Todas as dos vários tempos e gerações do CDS, do CDS-PP e do PP. Todas e já os filhos da primeira geração do CDS. Todas e outros novos.
A ideia de tudo reunir é magnífica. Mas foi apenas acenada. Falta sobretudo pô-la em marcha. O que é a prioridade imediata. E falta depois executá-la e cumpri-la. Reunir de facto. E reunir, não por mera colagem, mas em moldes organizados, estruturados, num programa político consistente, coeso e operativo, de quadro doutrinário comum e servindo uma mesma visão do país e do seu futuro.
Só isto já é muito trabalho. É exactamente o trabalho prioritário para o CDS-PP e a sua nova liderança. Certo que, depois, o CDS-PP poderá ter de aliar-se. Já se sabe. Toda a gente sabe. Mas primeiro o CDS-PP tem que saber o que é e o que quer. Antes de viajar ao lado, construir dentro.
Desde a década de 80, o CDS, o CDS-PP ou o PP, sucessivamente, deixaram exibir-se no esplendor de uma fantástica segunda natureza italiana, com todas as suas famílias postas em luta, com panelas e molho de tomate q.b. a voar, e algumas facadas à mistura. E a verdade, verdadinha - triste mas verdadeira - é que, depois das confusões destes últimos anos, ninguém está verdadeiramente em posição de saber ou de dizer o que é que quer. Sobre coisa nenhuma. À parte umas vagas ideias soltas e um pano de fundo "à direita" que sempre houve.
E a verdade também é que o PSD está um pouco do mesmo género. Por outras razões, que relevam da sua natureza catch-all. A sistemática evasão referendária é o seu mais evidente sintoma actual.
O tempo é de definições. De assentar jogo e definir rumo. Quanto ao CDS-PP, o dele próprio em primeiro lugar.
O primeiro "slogan" do CDS, no Verão de 1974, era "Queremos responder". É isso. É preciso responder a todos os que estão por aí. Alianças só poderão acontecer depois. Com bases programáticas sólidas. Quer do lado do CDS-PP, quer também do lado do PSD.
José Ribeiro e Castro
Jurista, dirigente do CDS-PP
PÚBLICO, 29.Março. 1998
Comentários
Enviar um comentário