Portugal em Bruxelas
Vinte anos passados sobre a assinatura do Tratado de adesão de Portugal à então CEE, os portugueses em geral, e os políticos em particular, sabem que a política portuguesa é hoje amplamente condicionada pelas decisões que a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu - onde o governo português está presente - tomam; ao mesmo tempo que o que é decidido em Bruxelas, depende também, ao menos em parte, daquilo que nós, portugueses, decidimos.
Neste contexto, o Conselho Europeu destes dias (16 e 17 de Junho) é da maior importância para nós. Está em causa o destino do Tratado Constitucional, o que é importante, mas está também em causa o futuro do orçamento comunitário, o que é muito mais importante. Sem Tratado Constitucional mas com o Tratado de Nice, que é o que está em vigor, a União Europeia pode viver; sem um novo orçamento, a União Europeia não será aquilo que esperamos.
No que diz respeito às perspectivas financeiras, está em causa, em primeiro lugar, uma questão estratégica. A União Europeia tem hoje 10 novos membros, tem novas regiões pobres e tem regiões que, continuando a sofrer de dificuldades, estatisticamente enriqueceram. Ora, o objectivo da União não pode ser o do enriquecimento estatístico, tem de ser o do crescimento real. Acontece que é impossível pensar que se pode fazer mais com o mesmo – ou com menos. Mas é também impossível pensar que Portugal vai continuar a receber os mesmos fundos. Somos realistas e responsáveis. E nem por isso deixamos de ser muito exigentes.
Os fundos de coesão têm importância fundamental para o desenvolvimento do país. Portugal ainda reclama seriamente esses fundos, sem os quais a recuperação do atraso e disparidades será impossível. De igual modo, as verbas destinadas às regiões ultraperiféricas têm uma importância que não podemos deixar de ter em especial conta nestas negociações. Quanto à agricultura, o governo tem de saber distinguir os interesses próprios dos agricultores portugueses daqueles interesses de uma PAC feita à medida da França.
Tenho consciência de que as negociações são difíceis e, por essa razão, o Governo português terá a nossa solidariedade se negociar com determinação, coragem e sentido estratégico.
Por outro lado, há – ou, se calhar, já nem há – o Tratado Constitucional. Depois do “Não” francês e holandês, nem é tanto o risco de, insistindo-se nos referendos, poder seguir-se uma espiral de votos desfavoráveis. Isso nunca é certo; e, seja como for, seria sempre democracia. É sobretudo, o que é bem mais grave, a imagem de um obstinado desforço, a sensação de vazio prolongada pela insistência no que é já uma impossibilidade final, o cavar da dissensão, que é o terreno rigorosamente oposto ao de um tratado de União. Ora, o essencial é a boa saúde da União Europeia e a solidez do seu futuro, bens demasiado preciosos para serem jogados numa roleta política. Espera-se, pois, que o bom senso e, acima de tudo, a visão larga triunfem, que o Conselho Europeu não ignore os factos evidentes e que o Governo português, de seguida, aja em conformidade.
Se o Conselho Europeu decidir – a 25, que é como se deve decidir – que este Tratado já não tem viabilidade, deve regressar-se à política dos pequenos passos, aos processos tranquilos, serenos, que fazem os cidadãos sentirem-se parte integrante da União: numa palavra, à sabedoria dos “pais fundadores”. Aí, como é evidente, não deve haver referendo agora em Portugal. E, se o Conselho decidir suspender o processo de ratificação até outra oportunidade, Portugal deve fazer exactamente o mesmo ao referendo: suspender a sua realização. Não faz sentido referendar o que não se sabe se existe de facto ou não. E menos sentido faz praticar actos inúteis. Isto é: apenas no caso de o Conselho decidir – mal, a meu ver – manter os processos de ratificação como se nada tivesse ocorrido e todos reafirmarem explicitamente o calendário, é que Portugal deverá manter o seu referendo na data prevista. E só nesse caso. Sendo que fazer o que quer que seja como se nada tivesse ocorrido é um mau e triste sinal que se dá aos cidadãos.
Isto dito, nada impede que se mantenha a decisão de rever a Constituição portuguesa no sentido de viabilizar referendos a estes Tratados. Faça-se a revisão da Constituição de modo a permitir que se referendem os tratados de integração europeia: este ou outro, agora ou mais tarde. O princípio é, em sim mesmo, louvável e, por isso mesmo, defendido pelo CDS/PP.
Lembremos Robert Schuman, na célebre declaração de 9 de Maio de 1950: “A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto; far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto.” Schuman parece falar para escolhas cruciais como as que os 25 têm em cima da mesa neste Conselho Europeu: deixem o Tratado Constitucional; estabeleçam boas Perspectivas Financeiras.
Estes dois dias são decisivos para o futuro da Europa e, portanto, para o nosso futuro. Em Bruxelas também decidimos Portugal.
José Ribeiro e Castro
Presidente do CDS-PP, eurodeputado
Presidente do CDS-PP, eurodeputado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 17.Junho.2005
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