O CDS e a Ética da Vida


1. O CDS-PP é claramente favorável à regulação da Procriação Medicamente Assistida (PMA). Identifica-se com muitos casais que a ela têm recorrido, subsidiariamente, para superarem situações de infertilidade. E defende, num quadro ético consistente, a necessidade de ser aprovada legislação que dê segurança jurídica a profissionais e famílias, na aplicação desta técnica clínica subsidiária.

O CDS gostaria de ter podido votar favoravelmente um projecto de lei regulador da Procriação Medicamente Assistida, nomeadamente um projecto apresentado por si, ou o projecto de lei apresentado pelo PSD, se este não contivesse pontualmente disposições a que o CDS não pode ser indiferente.

Aqui, a questão intransponível para o CDS-PP está na investigação sobre os embriões – e apenas aí. Para o CDS, a investigação destrutiva de embriões humanos não é lícita no plano moral, nem jurídico e, portanto, deve ser politicamente rejeitada, com absoluta clareza, aquando da aprovação de legislação que a preveja.



2. O CDS-PP pode rever-se nos princípios gerais do Parecer de 2004 do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida: o princípio ético do primado do ser humano sobre a técnica e a ciência (§ 1); o princípio da subsidiariedade das técnicas de PMA (§ 3); a sua aplicação restrita a casais (§ 6); o recurso exclusivo a gâmetas do próprio casal (§ 7); o direito à vida de todo o embrião e o seu enquadramento num projecto parental (§§ 18 e 19); a limitação da investigação sobre embriões ao benefício do próprio embrião (§ 22, 1ª parte); a absoluta exclusão da criação de embriões para fins de investigação científica (§ 25).

O mesmo já não pode dizer-se das várias derrogações a estes princípios admitidas no Parecer, motivando fortes divergências entre os conselheiros. Tal como nas declarações de voto destes com que o CDS-PP mais se identifica, pensamos que as derrogações comprometem os princípios afirmados. Defendemos estes, não concordamos com aquelas.

As iniciativas dos PS, PCP e BE seguem mais as “derrogações” que os “princípios”, indo para além do controvertido Parecer do CNECV. Por isso, estes projectos de lei só poderiam ser rejeitados pelo CDS: consagram a procriação heteróloga (PS, PCP e BE); admite as chamadas mães de substituição (PS); apoiam a PMA em mulheres sós (PCP e BE); e aprovam amplamente a investigação científica sobre os embriões humanos remanescentes (PS, PCP e, apontando para lei autónoma, BE).

Quanto ao projecto do PSD, o óbice está sobretudo no n.º 4 do art. 11º e, em grau diferente, no n.º 5, ao permitirem respectivamente a investigação científica sobre os chamados embriões excedentários (limitadamente, no n.º 4) e sobre os embriões inviáveis (no n.º 5).

É só um ponto, mas um ponto absolutamente fundamental. Porque toca exactamente em direitos fundamentais e, por sinal, os mais fundamentais porque fundamento de todos os outros: a vida e a dignidade humana.



3. Quando se fala de um embrião humano, estamos a falar de um ser – humano – e já de uma vida – humana também. É uma incontornável questão de ciência; e de modernidade essencial. Como é sobejamente sabido; e consta dos pareceres relevantes do CNECV e de vários textos internacionais de referência.

Alguns princípios fundamentais estão inscritos na Convenção de Oviedo, que Portugal ratificou. Veja-se o seu artigo 2.º: “Primado do ser humano – O interesse e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse único da sociedade ou da ciência”. E o artigo 18.º: “Pesquisa em embriões ‘in vitro’ – 1. Quando a pesquisa em embriões ‘in vitro’ é admitida por lei, esta garantirá uma protecção adequada do embrião. 2. A criação de embriões humanos com fins de investigação é proibida.”

Assim, à luz do princípio do primado do ser humano, não é lícito convocar – por exemplo, para tentar legitimar a investigação destrutiva de embriões – um interesse único da sociedade ou da ciência, acima do interesse próprio do embrião. E também deve entender-se que só é conforme às traves fundamentais da Convenção a permissão limitada constante do n.º 2 do art. 11º do projecto do PSD: a investigação ou terapia por necessidades do próprio embrião, não envolvendo risco desproporcionado para a sua vida. Toda a demais investigação sobre embriões, que não é fundada em buscar o seu próprio benefício e que representa produzir a sua destruição – isto é, a sua morte – está fora do quadro da Convenção, pois aí não é de todo garantida “uma protecção adequada do embrião”, mas permite-se exactamente o inverso.

O direito à dignidade humana pertence ainda à ordem constitucional portuguesa, incluindo como limite às técnicas e experimentação científicas. E o direito à vida é afirmado de forma particularmente vigorosa na Constituição: “A vida humana é inviolável.”

O CDS revê-se, por inteiro, neste registo personalista impecável da nossa Constituição e não pode agir ao seu arrepio. Antes lhe cabe afirmar a sua clara e plena potência constitucional.


4. Compreendemos que existam posições diferentes da nossa. Mas compreendemos também a nossa própria posição e os respectivos fundamentos. Não concordamos com as outras posições e afirmamos, com simplicidade, a nossa.

Importa ter humildade, espírito de rigor e exigência pessoal na ponderação e discussão de questões como estas, questões postas no limite da vida e da morte, questões no cerne da própria humanidade, que são de enorme complexidade e, às vezes, de extrema dificuldade. Mas, além de em alguns planos da ponderação desta matéria a posição de referência ética ou jurídica ser bastante clara, a posição de princípio personalista do CDS é sempre, em qualquer caso de dúvida, na produção legislativa e na decisão política, a que poderia exprimir-se no seguinte brocardo: “In dubio pro vita.” Com total serenidade e clareza, essa é a posição própria do CDS; e, se for distinta da de outros, é uma das posições que nos faz distintos de outros.

Numa questão tão fundamental, que divide a União Europeia e é objecto de expressa proibição pelas leis alemã e italiana, numa matéria sensível de modernidade cujo debate está aberto e em contínuo – seria de estranhar que o ponto de vista personalista não tivesse qualquer expressão qualificada na Assembleia da República. Surpreenderia que, diversamente do que se passa em toda a Europa e no mundo, a investigação científica sobre embriões excedentários fosse acolhida em Portugal sem votos contra no Parlamento, de forma inteiramente despercebida.

O CDS representa essa posição personalista – e representou-a bem, por isso, nas votações na Assembleia da República no passado dia 10 de Novembro. O CDS-PP não é um partido auxiliar; tem a sua própria identidade, que não se apagou e não se apaga.



José Ribeiro e Castro
Presidente do CDS/Partido Popular

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 21.Novembro.2005

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