UM NOVO ESPÍRITO CONSTITUINTE VIRADO AO FUTURO


Na evocação de 2 de Abril de 1976
30 anos da Constituição

O que hoje recordamos e celebramos é o voto do CDS contra o texto da Constituição em 1976. É um marco do nosso partido. E a declaração de voto lida pelo Vítor Sá Machado constitui um dos documentos referenciais da nossa história: um documento notável, que merece ser lido e cultivado na sua integralidade.

Recordo-me bem desse tempo. Não participei nesse voto – não fui deputado constituinte. Mas participei, dias antes, na reunião do Secretariado da Comissão Política do CDS que o decidiu.

Fizemo-lo como marco de um partido alternativo, o único partido que, ao longo do PREC, manteve uma afirmação clara não socialista. Fizemo-lo como um voto de liberdade, um acto respeito e uma afirmação de esperança. O voto do CDS em 2 de Abril de 1976 foi exactamente isso: um voto de esperança, um voto de responsabilidade, um voto de caminho.

Não faltou certamente quem, a 3 de Abril de 1976, titulasse ou comentasse: “CDS isolado”. Mas não é verdade. A História tem-nos dado razão e, ao longo destes 30 anos, têm sido mais os que, reconhecendo-o ou não, se têm juntado a nós do que nós a eles.

O voto do CDS e a nossa declaração de voto são o gesto e o texto fundadores de todas as revisões constitucionais – já foram sete. E ainda falta uma.

Como então dissemos, pela voz de Sá Machado, “o nosso voto é um voto de liberdade. Porque não quereríamos ver o Estado necessariamente hipotecado à criação maximalista de relações de produção socialista; à apropriação dogmática pela colectividade de meios de produção, dos solos e recursos naturais; à concepção antidemocrática de exercício do poder democrático apenas pelas classes trabalhadoras; ao convite contraditório em democracia, de vinculação das Forças Armadas e Governo a um projecto político restrito; a um ensino particular reduzido às precárias características de supletividade do ensino público; à impossibilidade de se legislar sobre o âmbito de um justamente inalienável direito à greve; à absurda mitificação do Plano como instrumento privilegiado de progresso económico; à aparente recusa de promover o acesso dos trabalhadores à propriedade; às graves limitações acerca do direito de propriedade de pequenos e médios agricultores; à definição limitativa e não criadora do sector privado da economia a um papel remanescente e sobrante no quadro geral da actividade económica; à não aceitação positiva da família como fundamento natural da sociedade; às restrições, inexplicáveis e desconfiadas, à legítima autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira no quadro da unidade nacional; e, enfim, ao não reconhecimento, na força histórica do seu puro significado, da ideia de Estado de Direito no articulado constitucional.” O que queríamos – continuou Sá machado – é que “a Constituição não fosse, sobretudo, um instrumento de forças temporalmente maioritárias, mas que se traduzisse, isso sim, numa base flexível, de sólidas e bem delimitadas fronteiras democráticas, para o exercício pleno, criador, eficaz e progressivo da vontade popular.”

Muito do que reprovámos já foi, entretanto, revisto. Com o nosso contributo. Mas o país teria ganho imenso se a voz do CDS tivesse sido ouvida e seguida mais cedo.

Por exemplo, o CDS bateu-se na Constituinte – foi uma das últimas votações antes de 2 de Abril de 1976 – para que a I Legislatura da Assembleia da República tivesse, de imediato, poderes de revisão constitucional. Animava-nos a ideia de que os primeiros deputados eleitos a 25 de Abril de 1976, livres de quaisquer Pactos MFA/Partidos e da ambiência fortemente condicionadora do chamado PREC, poderiam logo introduzir ajustamentos libertadores indispensáveis no nosso sistema político e económico. Assim, foi preciso esperar por 1982 para a extinção do Conselho da Revolução e a plena normalização democrática do regime. E foi preciso esperar por 1989 para as privatizações serem possíveis e começar a apagar-se esse enorme erro – que tanto arruinou a nossa economia e atrasou a nossa sociedade – que foram as nacionalizações e as ocupações de terras.

Hoje, à distância, conhecendo todos estes factos, quando vemos que se perderam 7 anos num caso, 15 anos outro, quando revisitamos a longa razão do CDS e olhamos ao futuro para a revisão que ainda falta, a questão que nos devemos pôr é apenas esta: pode Portugal dar-se ao luxo de, em cada geração, perder este tempo todo? Pode Portugal dar-se ao luxo de, em cada 20 anos, perder 15? Não pode!

Já não podia. E, hoje, com a crescente globalização, com a internacionalização da economia, com a integração europeia, com as exigências crescentes de competitividade, é claro que pode cada vez menos.

Se uma Constituição, para o ser, não pode ser trave de bloqueio, mas deve ser sempre instrumento aberto ao serviço da agilidade democrática dos povos, num quadro de liberdade, de pluralismo e de Estado de direito, o século XXI impõe-o de forma absolutamente inexorável.

Ai de nós se alguns anacronismos persistentes continuarem a perturbar, a condicionar ou a entravar a livre escolha e definição das reformas democráticas que a cada tempo se impuserem!

Não temos que estar todos de acordo; mas a maioria precisa de poder decidir e de poder cumprir plenamente a sua responsabilidade democrática. É isso uma verdadeira Constituição, uma plena Constituição.

Este ciclo, que hoje iniciamos e que nas suas três sessões marca, numa perspectiva dinâmica, os três tempos de referência – o tempo de partida (1976), o tempo de caminho (as revisões até hoje) e o tempo de futuro (2009 e depois) –, pretende rasgar exactamente essa estrada de esperança. Pretende iniciar, inaugurar e apontar um longo debate construtivo, um debate sério, aberto e objectivo, entre partidos e personalidades do arco democrático que nos permita chegar ao início da legislatura de 2009 com um vasto consenso sobre uma última grande revisão constitucional reformista e renovadora.

Não queremos uma IV República, porque não há qualquer questão de regime. Não trabalhamos para a ruptura. Não queremos rasgar a Constituição e fazer uma nova. Como declarámos logo em 1976 e reafirmámos em 1998, somos um partido do arco constitucional e não tencionamos deixar de o ser. Queremos uma Constituição renovada, uma Constituição finalmente madura dos debates dos últimos trinta anos, uma Constituição ajustada aos desafios de Portugal neste início do século XXI: uma Constituição mais livre, uma Constituição mais aberta, uma Constituição moderna e para a modernidade.

Pensamos que é possível. Vemos que é possível. Vamos verificando os sinais de pode ser, finalmente, possível. E queremos trabalhar politicamente para isso. Queremos convergir num vértice comum porque uma Constituição é mesmo isso: um traço de união entre todos.

E queremos trabalhar em diálogo com os partidos parlamentares e a sociedade portuguesa para, daqui até 2009, gerarmos esse novo espírito constituinte refrescado e, enfim, uma plena paz constitucional.

No fundo, queremos ainda cumprir o último legado da declaração de voto do CDS em 1976. Mas queremos sobretudo servir o futuro de Portugal. 



Intervenção na abertura do ciclo de conferências-debate "Os 30 anos da Constituição da República Portuguesa", promovido pelo CDS e pelo IDL


José Ribeiro e Castro
Presidente do CDS-PP

Lisboa, Sociedade de Geografia, 6.Abril.2006

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