Para onde devemos ir após 50 anos do Tratado de Roma
O projecto europeu merece-nos o mais profundo respeito e acalenta-nos sentimentos de esperança. Foi há 50 anos que se deu um passo de gigante na construção de uma nova Europa. Foi há 50 anos que se consolidou esta etapa fundamental rumo a uma Europa democrática, livre e plural, assente na paz, como facto essencial de convivência entre os povos europeus anteriormente desavindos.
Foi há 50 anos que seis Estados de Direito Democráticos enveredaram por uma aventura de integração europeia baseada na ideia da paz e na melhoria do nível de vida para os cidadãos.
Há mais de vinte anos que Portugal partilha esse projecto com outras Nações europeias. Primeiro foi o Tratado de Livre Comércio com as Comunidades, em 1972. Depois, já em pleno regime democrático, foi o pedido oficial de adesão e as difíceis negociações de adesão que se seguiram, tudo culminando no Tratado de Adesão de Portugal às Comunidades Europeias de 12 de Junho de 1985, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1986. Há mais de vinte anos que Portugal é parte integrante do processo de construção europeia.
O CDS é um dos partidos políticos do arco europeu. Desde a fundação do partido, no período pré-adesão, o CDS sempre acalentou e incentivou os processos de negociação com vista à adesão de Portugal às então Comunidades Europeias. Após a adesão em Janeiro de 1986, o CDS acolheu com esperança e expectativa os frutos do processo de integração europeia, que passavam também pela consolidação da democracia e pela certeza de estar lado a lado com outros Estados de Direito Democráticos europeus.
Desde 1986 até aos nossos dias muita coisa mudou no continente europeu. No rescaldo dos acontecimentos entre os anos 1989 e 1991, abriu-se uma outra Europa. Com a queda do muro de Berlim e a implosão do império soviético, abriu-se um novo capítulo da história europeia, o período que estamos a viver com a recente vaga de novas adesões à União Europeia. Quando aderimos, passámos a fazer parte de uma Comunidade de doze Estados-membros. Hoje fazemos parte de uma União Europeia que conta com 27 Estados-membros. Estamos integrados numa União Europeia cujas fronteiras vão desde os Açores – no meio do Atlântico – até ao Mar Negro; desde o Mediterrâneo até ao círculo polar árctico.
Também no nosso partido houve diferentes sensibilidades. Passámos por momentos de sentimentos contraditórios em relação à forma como o nosso País estava a encarar o projecto de integração europeia. Houve temor por o nosso País estar muito preocupado em receber fundos comunitários e não equacionar devidamente a transferência de novas competências para as instâncias comunitárias como, por exemplo, todo o processo relativo à moeda única e à criação de um novo banco central a nível europeu, o actual Banco Central Europeu (BCE). Houve dúvidas e críticas quanto à perda de poderes soberanos num mundo em mudança repentina e aparentemente irreversível.
O CDS-PP é um Partido fundador da democracia portuguesa. O CDS-PP assume-se – pelo seu passado, pelo seu projecto, pela esperança que mantém em contribuir para o melhor do País – como uma referência da sociedade portuguesa. As razões que levaram o CDS a acalentar o processo de integração europeia, nos finais dos anos 70 e princípios dos anos 80, mantêm-se vivas. O CDS-PP acredita numa Europa de paz, de prosperidade e bem-estar para os povos europeus, de abertura ao mundo e de respeito mútuo. O CDS-PP é um partido do arco europeu. Mas as mudanças na Europa exigem mais das forças políticas portuguesas contemporâneas. Não se pode encarar a Europa apenas como uma fonte de distribuição de fundos comunitários e quedar-se no aforismo do que “o que é bom para a Europa é bom para Portugal”. Não. O CDS-PP como um partido do moderno arco europeu tem o dever de propugnar por uma nova aproximação ao fenómeno de integração europeia. É na comemoração dos 50 anos do Tratado de Roma que o CDS-PP tem o estrito dever de assumir um compromisso com os portugueses que passa, essencialmente, por três pontos:
1º - Democratizar o debate europeu.
2º - Cruzar a construção europeia com o aprofundamento das relações com toda a Comunidade lusófona.
3º - Tornar a nossa economia mais justa e competitiva ao nível nacional, europeu e mundial.
1º Democratizar o debate europeu:
Muitas decisões que têm a ver com a nossa vida colectiva nacional são hoje tomadas em instâncias comunitárias. Os cidadãos portugueses não têm a percepção de como decisões que acabam por afectar a sua vida são tomadas. Os processos de tomada de decisão ao nível comunitário tornam-se muito complexos.
Perante este cenário, temos de potenciar a defesa dos pontos de vista nacionais no processo de tomada de decisão ao nível europeu. Devemos aumentar a visibilidade do trabalho desempenhado junto da União Europeia e incentivar uma maior participação democrática dos nossos concidadãos. Para isso, devemos dar um contributo claro para elevar o nível de discussão entre as várias teses em agenda. Sem isso, seremos cada vez mais periféricos, periféricos dentro de nós mesmos, periféricos por incapacidade, por falta de visão e de conhecimento.
Em síntese: temos de nacionalizar o debate europeu, ou seja, trazer o debate europeu para junto dos cidadãos. É imperativo romper com essa atávica periferia mental e política, que nos inferioriza e atrasa. Esse é o nosso grande desafio e a nossa grande esperança.
Quanto ao novo Tratado, o CDS-PP mostra-se favorável a uma reforma institucional que vise melhorar o funcionamento da máquina comunitária e dos seus processos de decisão, mas alertamos para as mudanças repentinas e drásticas, pois podem trazer pesados dissabores. Não se deve descurar a estabilidade que precisamente tem sido conferida pelo Tratado de Roma, que neste ano comemora 50 anos. Tem sido possível, mediante as reformas nele operadas, actualizá-lo e torná-lo um instrumento indispensável para o trabalho quotidiano da União Europeia.
É, aliás, essencial notarmos, com objectividade, que, na história da construção europeia, foi a estabilidade que deu avanços sólidos, enquanto frequentes vezes o “avancismo” provocou tropeços e soluços. O velhinho Tratado de Roma, de que assinalamos amanhã 50 anos, manteve-se inalterado durante 35 anos e quantos avanços permitiu, abrigou e lançou – em rigor, por exemplo, o debate revolucionário da recente Directiva dos Serviços ainda é um efeito do Tratado de Roma original e não das suas últimas alterações. Em contrapartida, nos últimos 15 anos, entrámos em sucessivas reformas dos Tratados – Maastricht, Amsterdão, Nice e, agora, o engasgado Tratado Constitucional – e o discurso “avancista” que rodeou muitos destes movimentos, sem prejuízo de avanços muito importantes como a União Económica e Monetária e o Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, foi frequentemente o grande responsável por tropeços e soluços, incertezas e crise do projecto europeu. É o que aconteceu com o projecto de Constituição europeia.
É à luz dessa experiência objectiva e da sabedoria dos pais-fundadores que a União Europeia superará a crise de caminho que foi gerada com o encalhanço do Tratado Constitucional. O quadro de debate e de decisão política para a saída e para o necessário novo Tratado deverá ser uma nova CIG, uma Conferência Inter-Governamental (que provou, afinal, ser o método mais seguro, moderno e consistente). E, quanto mais os Estados-membros, levando obviamente em conta o produto da Convenção e das duas últimas CIG, sob as presidências italiana e irlandesa, souberem centrar-se e concentrar-se naquelas linhas que mereceram consenso espontâneo de todos e se lembrarem da metodologia dos pequenos passos, da aproximação por tentativa e erro, da metodologia objectiva de responder apenas directamente aos problemas efectivos, tanto mais facilmente chegaremos a resultados positivos. Se assim não for, se procurarmos insistir ao modo de um maoismo europeu, num novo mito do “Grande Salto em Frente”, largando a sabedoria prudente de Schuman e outros, estar-nos-ão certamente reservados novos fracassos, choques contínuos, e continuaremos no pântano de um Tratado Constitucional que não se chega sequer a constituir. Recordemos Schuman a 9 de Maio de 1950 e inspiremo-nos aí: “A Europa não se fará de uma só vez, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem primeiro uma solidariedade de facto.”
Mas não é só ao nível da Europa comunitária que são necessárias mudanças. Também em Portugal há que ter a coragem de proceder a reformas que encaramos como essenciais para melhorar o relacionamento entre a União Europeia e os cidadãos portugueses. O CDS-PP tem apresentado sucessivamente projectos-lei que visam reforçar os poderes da Assembleia da República em matéria europeia. No ano passado, apresentámos um projecto-lei preparado pela Comissão dos Assuntos Europeus do Conselho Económico e Social / Gabinete de Estudos do CDS-PP, a mesma que organizou esta Convenção. Fruto do consenso alcançado entre as diversas forças políticas com assento parlamentar, foi produzida em 2006 uma nova Lei que melhora sensivelmente os mecanismos de acompanhamento e intervenção da Assembleia da República. Mas para nós, isso ainda não é suficiente. Queremos um quadro legislativo mais moderno, que potencie o controlo democrático por parte da Assembleia da República no processo de construção europeia. Voltaremos com novos pacotes legislativos. Não queremos uma Europa voltada de costas para os portugueses. Os portugueses merecem mais e melhor.
2º Cruzar a construção europeia com o aprofundamento das relações com toda a Comunidade lusófona:
É verdade que do ponto de vista geográfico, histórico, cultural e também político estamos no continente europeu. Se, por um lado, bebemos das suas influências; por outro, contribuímos com a nossa história e com o nosso esforço para a construção de uma ideia de Europa. Mas também é verdade que, do ponto de vista histórico, cultural, linguístico e humano – principalmente humano – estamos de alma e coração com os países e comunidades de língua portuguesa. Ligam-nos profundos laços de amizade, respeito e admiração mútua. A integração europeia não pode colocar em causa as nossas relações privilegiadas e sentidas com os países e comunidades lusófonas. Respeitamos e estimulamos que os países amigos que falam português também participem em experiências de integração económica (o MERCOSUL, por exemplo). Mas entre nós há e vai continuar a haver especiais laços que nos fazem manter uma comunidade viva de língua portuguesa. Constitui uma prioridade para o CDS-PP manter viva a chama da Comunidade Lusófona – a CPLP – e contribuir na Europa para o respeito dos Estados e cidadãos que falam a língua portuguesa. Aliás, esse é um dos papéis fundamentais de Portugal no seio da União Europeia que é o de contribuir para melhorar e potenciar a cooperação europeia com os Estados que falam a língua portuguesa.
Às vezes, parece ainda soar entre nós a ideia de uma antinomia entre a linha europeia e a linha lusófona do nosso relacionamento externo. Não devemos ter ilusões a esse respeito: o desenvolvimento da lusofonia não teria as potencialidades de que hoje se reveste se estivéssemos fora da construção europeia. Os países lusófonos relacionam-se directamente com a União Europeia e nós próprios, Portugal, nos marginalizaríamos dessa linha se estivéssemos fora da construção europeia.
O novo desafio, portanto, para a estratégia nacional de Portugal é o de cruzar cada vez melhor a construção europeia com o aprofundamento das relações com toda a Comunidade lusófona. Como? Potenciando na Europa o conhecimento privilegiado dos nossos irmãos da Lusofonia. Sabendo ser embaixadores diligentes da Lusofonia no quadro europeu e das suas instituições. Defendendo e afirmando o estatuto europeu da Língua Portuguesa e valorizando-a como uma língua não só dos portugueses ou dos lusófonos, mas como uma língua da Europa e da diplomacia da Europa, uma língua europeia de comunicação universal. Construindo com imaginação e empenho novas linhas de proximidade externa da Europa, por laços que se exprimem em português, como é o caso da Parceria Especial, da Parceria Reforçada UE/Cabo Verde, que devemos também encarar como uma prioridade portuguesa.
É por aí, cruzando as duas linhas, a da Lusofonia e a europeia, que está o nosso caminho e se escreve o nosso destino nacional.
3º Tornar a nossa economia mais justa e competitiva ao nível nacional, europeu e mundial:
Quando foi assinado o Tratado de Roma, em 25 de Março de 1957, as economias eram essencialmente nacionais. Os mercados eram nacionais. Posteriormente, fruto do programa do mercado comum e do mercado interno as economias nacionais cederam lugar à economia europeia. Passou-se a falar de mercado único. E na última década do século passado – com a assinatura dos Acordos de Marraquexe, a 15 de Abril de 1994, e com a criação da Organização Mundial do Comércio – começou a fazer escola entre todos a expressão globalização. De facto, vivemos hoje num mundo globalizado.
O tempo presente na Europa confronta-nos, assim, com um duplo desafio que, por ser vivido em simultâneo, não é isento de contradições e de tensões entre si: o imperativo da construção e consolidação do mercado interno europeu e a pressão mais geral do mercado global emergente a nível mundial.
As tensões que vivemos na economia e na sociedade são fruto destes dois movimentos e pressões em simultâneo. Não podia ser indiferente passarmos quase em simultâneo das fronteiras nacionais para as fronteiras europeias e um espaço universal sem fronteiras. É como um velejador que sai ali do pequeno “mar da Palha” na foz do Tejo em demanda do Mediterrâneo e se surpreende de repente no infinito Oceano – nós, portugueses, temos obrigação especial de perceber isso.
Havemos de não ter medo, mas saber definir prioridades. A nossa posição é clara: estamos atentos à globalização e à iniciativa e competitividade que temos de possuir nesse quadro universal, mas atribuímos importância primordial à consolidação do mercado europeu e da nossa sólida presença esse âmbito, um desafio enorme de cerca de 500 milhões de consumidores. A defesa e afirmação deste mercado e dos seus interesses próprios no contexto da globalização é, para nós, o desafio primordial e prioritário, no plano económico e social.
Desde a nossa adesão às então Comunidades Europeias, em Janeiro de 1986, que a nossa economia tem passado por sobressaltos sucessivos. O CDS-PP como um partido defensor do direito de propriedade privada e da livre iniciativa económica privada foi um baluarte da liberdade dos portugueses na segunda metade da década de setenta e na primeira da década de oitenta. Por isso, o CDS-PP também defende uma economia livre e competitiva. Mas é bom não esquecer que a economia portuguesa passou nestes últimos anos por mudanças drásticas de abertura aos mercados internacionais. Aí temos de ser críticos quanto à actuação do Estado e do poder político. Para nós, dizer competitividade da economia é o mesmo que dizer competitividade das empresas. É isso que nos permite competir com sucesso num mundo global. O CDS-PP encara a competitividade como uma questão natural, mediante a qual os nossos agentes económico-sociais saberão dar as melhores respostas. Mas o Estado e o poder político não lhes podem criar mais dificuldades do que aquelas com que já se deparam. A carga fiscal é excessiva, prejudica as empresas e lança os trabalhadores no desemprego. O sector agrícola e o mundo rural português não têm merecido o devido respeito e atenção por parte das autoridades nacionais. O mar que está indelevelmente ligado à nossa história e que nós acreditamos ser parte do nosso futuro continua esquecido. Por esse País fora cresce a desconfiança por parte dos pequenos empresários, comerciantes, pescadores e agricultores. Por isso, é necessário dar-lhes armas iguais para que possam competir como os seus congéneres noutras partes da Europa e do mundo.
Por outro lado, os fundos comunitários constituem um instrumento indispensável para melhoria estrutural do nosso tecido económico e social. Por isso, acompanhamos com preocupação todo o processo relativo ao Quadro Referência Estratégico Nacional 2007/2013 (QREN), demasiado atrasado, centralizado e obscuro. Por ora, as informações são escassas. Esperamos que sirva para modernizar e melhorar o tecido económico e social.
Termino.
Agradeço aos Dr. Cruz Vilaça e Dr. Alves Pardal o trabalho intenso para pôr de pé esta Convenção. Agradeço aos moderadores e convidados a sua disponibilidade e a enorme qualidade do seu contributo. Agradeço a todos os colaboradores. Os painéis de hoje tiveram oradores e participantes excelentes, cujas contribuições muito enriquecem o património de reflexão e acção política do nosso partido. Vamos construir uma Europa mais virada para os cidadãos e para a transparência democrática. Vamos construir uma Europa aberta ao mundo e à compreensão dos Estados e Comunidades de língua portuguesa. Vamos construir uma Europa onde as empresas laborem e gerem emprego, não que só fechem e se deslocalizam.
Muito obrigado.
José Ribeiro e Castro
Presidente do CDS/Partido Popular
CONVENÇÃO EUROPEIA DO CDS-PP, 24.Março.2007
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