O coronel pregador


“Aqui, no quartel, no papel, sou um comandante. Mas, lá fora, sou apenas um pregador” – soou assim a frustração de um responsável da força da União Africana no Darfur, ao responder a uma bateria de perguntas sobre o mandato da sua força e a insegurança persistente na região.

A missão do Parlamento Europeu queria ouvir a experiência dos militares da UA. Estávamos no aquartelamento do Sector 3 da AMIS, em El Geneina, capital do Garbh Darfur.

A enorme limitação imposta ao mandato da força africana destacada a partir de 2004 é um dos temas mais insistentemente criticados por organizações humanitárias, principais testemunhas externas do sofrimento da população civil.

Tema que não parece ter solução já garantida, não sendo claro que a “força híbrida” NU/AU, que deverá substituir a AMIS em 2008, venha a ter um mandato forte, claro e efectivo, adequado à extrema volatilidade actual dos factores da crise do Darfur.

Se assim não for, poderá ser outro passo falso. Caro e inconsequente. A comunidade internacional repetirá o erro, se consentir nisso. Os 20 mil militares da “força híbrida” não conseguirão mais do que os actuais 7 mil da AMIS. Antes, ao ler os relatórios e ver e escutar a experiência no terreno, fica-se com a ideia de que os mesmos 7 mil com um mandato militar efectivo fariam muito mais – talvez, finalmente, o sucesso – do que novos 20 mil com outro mandato frágil, desajustado.

Com um mandato que não inclui sequer a protecção dos civis, limitado à observação do (in)cumprimento do cessar-fogo, de que serve uma força militar impedida de ser força? “De que servem soldados que não podem agir como soldados?” – perguntava-se. Provocando risos, o Coronel G.N. Ahmed, nigeriano, ironizou como devia dirigir-se aos faltosos, ameaçando com um relatório. Nem sempre – lamentava – a “pregação” tem força persuasiva.

As populações continuam vulneráveis e inseguras, mesmo nos campos de deslocados. Não confiam na polícia e nas forças sudanesas, continuam alvo de ataques, brutalidade e violações por parte de grupos cada vez mais fragmentados e de bandos que resvalaram para o puro banditismo, e a força internacional (hoje, a AMIS) está limitada a relatórios e “pregação”.

Todos elogiam a disponibilidade dos militares da União Africana. Que se expõe a riscos e tem sofrido vítimas mortais ultimamente. Mas, assim, não iremos lá.

E ficou por esclarecer a questão dos pagamentos. A União Europeia suportou 400 milhões de euros do custo da operação da AMIS, tudo pago à UA e em dia. Mas há dinheiro que não chegou ao destino ou que chega… tarde, criando desmoralização. Tinham recebido o salário de Fevereiro. Era 1 de Julho.

Em tudo, há quem aproveite.

El Geneina, 1 de Julho de 2007


José Ribeiro e Castro
ex-Presidente do CDS, eurodeputado

PÚBLICO, 2.Julho.2007


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