A parceria especial União Europeia/Cabo Verde


Bruxelas aprovou ontem a Comunicação da Comissão Europeia ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre o futuro novo perfil de relações entre a União Europeia e Cabo Verde. É um documento da maior importância, contendo um alcance extraordinário, que só o futuro determinará em toda a extensão. E enche de entusiasmo aqueles que, como eu, dedicaram contínuo esforço político a que viesse a concretizar-se este objectivo, que muitos consideravam temerário, utópico e impossível há muito poucos anos.

Quando, há dois anos, reuni com o comissário Louis Michel e aí nasceu a ideia de realizar um Fórum UE/Cabo Verde, que começou por ser apontado para o primeiro semestre de 2006, a ideia era a de que fosse o Fórum, enquanto instância técnica ad hoc de diálogo bilateral, a definir o conteúdo da “parceria especial” com Cabo Verde, se, entretanto, tivéssemos ganho a concordância das instâncias políticas para o conceito.

Razões várias, desde o calendário eleitoral de Cabo Verde em 2006, foram atrasando a realização deste Fórum. Mas, em contrapartida, por diversos passos, os conceitos de fundo foram avançando no quadro europeu e no diálogo com as autoridades cabo-verdianas. Conheceram mesmo ao longo dos últimos meses progressos que os mais optimistas receariam apostar. A tal ponto que a Comunicação de ontem preenche, por excesso, o que havíamos sonhado para o Fórum. E, quando este vier finalmente a realizar-se – espero que em 2008 – já não será apenas para dar forma e conteúdo ao conceito de “parceria especial”, mas para acompanhar o Plano de Acção já avançado pela Comissão Europeia e buscar porventura dimensões mais ambiciosas e exigentes.

A Comissão projecta-se dinamicamente sobre o futuro. E abre um caminho completamente novo, assumindo sem ambiguidades o conceito estruturante de “parceria especial UE/Cabo Verde”, na linha do que pedíamos desde o Parlamento Europeu.

Contextualiza e fundamenta este processo, destacando as diligências promovidas pelo governo de Cabo Verde e aceitando expressamente a sua “lógica de aproximação com a União Europeia” e a proximidade com as regiões ultraperiféricas europeias no Atlântico Norte, no conjunto das ilhas da Macaronésia (Açores, Madeira e Canárias, além de Cabo Verde). Integra a doutrina definida nas propostas que apresentei, visando a relação especial com Cabo Verde, e adoptadas pelo Parlamento Europeu na resolução de Janeiro de 2006: “insta a Comissão a propor e a desenvolver políticas específicas que visem tornar extensiva, quando possível, a política de vizinhança aos Estados insulares do Atlântico vizinhos de regiões ultraperiféricas adjacentes ao continente europeu, quando possam relevar questões particulares de proximidade geográfica, de afinidade cultural e histórica e de segurança mútua”. E a Comissão Europeia não hesita mesmo em apontar, descrever e relevar o papel de Cabo Verde como “ponte” em múltiplos planos.

A Parceria Especial é definida como “dinâmica inovadora, pragmática, progressiva e de complementaridade”, para uma aproximação multifacetada, flexível e modulável, com integração regional e convergência em matéria de normas e padrões europeus. E rasga-se logo com grande fôlego, em várias perspectivas novas: revalorização da extensão e intensidade da cooperação política; aprofundamento das relações económicas e comerciais; convergência da legislação e das disposições normativas económicas e técnicas, permitindo a abertura recíproca das economias europeia e cabo-verdiana; busca de um grau significativo de cooperação aprofundada, incluindo não só o acesso ao mercado interno, mas a participação crescente de Cabo Verde em políticas e programas da União Europeia; reforço da cooperação administrativa, policial e judiciária; segurança e “luta contra os tráficos ilegais” (droga, armas e seres humanos, sobretudo); criação de redes de informação e de bases de dados comuns; e “aproximação de leis, regulamentos, normas e práticas de Cabo Verde com o acquis comunitário, em todos os domínios cobertos pelo Plano de Acção”.

O Plano de Acção dá-lhe substância prática imediata, assentando em seis pilares: boa governação, segurança/estabilidade, integração regional, convergência técnica e normativa, sociedade do conhecimento e luta contra a pobreza e desenvolvimento. Será financiado pelo FED – Fundo Europeu de Desenvolvimento, incluindo a facilidade de financiamento gerida pelo BEI, mas, no que é uma das maiores novidades, fará também apelo a outros instrumentos internos europeus, como o FEDER, no quadro do Programa de Cooperação Transnacional dirigido às regiões ultraperiféricas.

Estão de parabéns a Comissão Europeia e os respectivos serviços envolvidos, pela forma consistente e acelerada como, sobretudo desde o início deste ano, depois de compreender e assimilar plenamente as virtualidades e os fundamentos do conceito de “parceria especial” lhe soube dar um corpo técnico de enorme solidez e riqueza. Está de parabéns a presidência portuguesa que cedo entendeu e partilhou a importância do tema: soube incluí-lo no seu próprio calendário, concorreu, assim, para a aceleração política do dossier a nível comunitário e credita mais este êxito. E está de parabéns obviamente a diplomacia cabo-verdiana pela forma como actuou ao longo dos últimos anos, com discrição, persistência e eficácia.

Estou certo de que o entusiasmo que partilho com todos os que acompanharam de alguma maneira este processo contagiará também os que apenas agora despertem para este novo desenvolvimento. Portugueses e lusófonos, especialistas desta relação ancestral, que agora fica moldada em amplos termos europeus, temos aqui uma particular responsabilidade – e oportunidade também – com relevo particular para o papel que caberá às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Cabe-nos também saber desenvolver, consolidar, fortalecer e ajudar a potenciar este instrumento.

José Ribeiro e Castro
ex-Presidente do CDS, eurodeputado

PÚBLICO, 25.Outubro.2007

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