Nuclear, pois claro!


Não me surpreende o interesse súbito sobre a energia nuclear em Portugal. Surpreende-me que tenha demorado tantas semanas a surgir, depois da nova escalada do preço do petróleo.

Enquanto presidi ao CDS, procurei introduzir o tema na agenda política e conduzir a uma decisão informada. Num seminário organizado em Junho de 2005, defendi que o nuclear tinha que "deixar de ser um tabu em Portugal" e, em 2006, continuando com o contributo cívico e contraditório de vários especialistas, organizámos seis sessões dedicadas a diferentes ângulos da política energética. Para 2007, tínhamos agendado as duas sessões parcelares que faltavam, a que se seguiria, no fim do ano, uma conferência sobre energia, onde iria propor que o CDS concluísse a discussão e decidisse em favor da opção nuclear.

Há muitos anos que tinha essa intuição. Aquele processo levou-me a construir gradualmente uma posição política e pessoal. Nos encontros oficiais com o primeiro-ministro falei-lhe algumas vezes do assunto e da necessidade de se abrir um amplo debate em Portugal.

Estamos a sofrer demasiado e iremos sofrer muito mais, se continuarmos a negligenciar um debate sério indispensável e a atrasar uma decisão necessária.

Este despertar deve-se a um contexto semelhante ao de 2005: um galope dos preços do petróleo. Agora, já chegou aos 140 USD/barril. Em 2005, estava também a escalar, tendo estacionado num patamar à volta dos 70 USD/barril. É hoje claro para mim que Portugal já deveria ter respondido muito antes. Se o tivesse feito quando o petróleo ainda nem estava a 70 dólares e se já tivéssemos centrais nucleares em operação, suportaríamos, hoje, na crise dos combustíveis, impactos muito inferiores aos que nos estão a abalar e teríamos diante de nós muito menos dificuldades que as que vamos ter de suportar.

O que se está a passar é a alteração profunda de um dos paradigmas estruturantes da política energética das últimas décadas: petróleo abundante e barato. Isso acabou.

Porque acabou (e esse dado é absolutamente estrutural e irreversível), a resposta não pode ser repentista, nem de conjuntura, mas consistente e estrutural, com projecção, actualidade e sustentabilidade no médio e longo prazo.



Há dados indisputáveis. O consumo de energia, quer no mundo, quer em Portugal, não vai baixar. Vai continuar a subir e, por isso, também vai prosseguir a pressão brutal sobre os recursos e os preços. Não é só a China ou a Índia que chegaram ao mercado dos grandes consumidores de energia. São outros novos actores que, ambicionando desenvolvimento, desejavelmente se juntarão também nas próximas décadas à mesa do banquete energético, como a África - a África do Sul, aliás, já sofre uma crise séria que se estende aos vizinhos. E é o próprio mundo desenvolvido, que não quer andar para trás no seu nível e qualidade de vida e onde alguns, como Portugal, aspiram a poder juntar-se aos lugares da frente. Precisamos todos continuadamente de mais energia, abundante e barata, porque se trata de um recurso fundamental a toda a economia e com incidência transversal.

Ao mesmo tempo, estamos diante da grande pressão ambiental contemporânea: controlar e reduzir as emissões de carbono. Ora, o nuclear é uma fonte de energia limpa e segura; por isso, se não estivermos a brincar aos protocolos de Quioto, é urgente voltar ao seu desenvolvimento. É o que se vê, aliás, um pouco por todo o mundo.

Temos, no consumidor, das energias mais caras da Europa, pesando severamente contra a nossa competitividade. E somos ainda dos países da UE com mais elevado grau de dependência do petróleo, o que, não sendo nós produtores, nos torna duplamente vulneráveis: à insuficiência em cenário de crise e a impactos brutais infligidos a uma frágil economia com a subida de preços que veio para ficar. Se, ao nível do défice da balança de transacções correntes, já se está a passar o que sabemos com o petróleo a 140 dólares, imaginemos como será quando passar dos 150 ou chegar aos 200 - porque vai chegar. E nem falo da inflação e do aperto para todos.



A resposta tem de ser múltipla e variada, diversificando e enriquecendo o nosso cabaz energético (o chamado mix) e não desperdiçando uma das fontes de produção nacional com mais elevado potencial em todos os ângulos de consideração: a energia nuclear.

Não se trata de defender o nuclear como uma panaceia, que não é - seria um disparate olhá-lo assim. Mas trata-se de assumir que o nuclear faz parte da solução e deve fazer parte da resposta portuguesa aos desafios gravíssimos que estamos a atravessar.

A eficiência energética também é necessária. Só que não chega. As renováveis também - sobretudo o binómio entre a hídrica e a eólica. Mas é deplorável o atraso que acumulámos na hidroeléctrica e também esta não chega. A solar e a das marés, por que não? Os bons biocombustíveis constituem parte da resposta no sector dos transportes - outra parte estará na transferência de usos de combustíveis fósseis para motricidade eléctrica, onde for possível e adequada. A biomassa com certeza. Mas nada isoladamente chega. Precisamos - e depressa - de gerar mais e melhor resposta do lado da oferta, precisamos de muito mais energia de produção nacional, usando recursos próprios, com boas condições económicas e ambientalmente limpa, em termos de redução das emissões de carbono. O nuclear está aí. 


A
principal dificuldade com o nuclear está nos mitos e preconceitos que se lhe associam. Há muitos que, de modo pavloviano, quando se diz "nuclear", ouvem "Tchernobil" e vêem "Hiroxima". Não podendo ir aqui mais longe, direi só três notas. O Japão, que sofreu Hiroxima e Nagasáqui, tem 55 reactores em funcionamento, dois em construção e mais 11 já planeados. Tchernobil é, em boa parte, um mito ciosamente preservado: apesar de ter sido um escandaloso e indesculpável desastre, atribuível ao completo desleixo da indústria soviética, organismos das Nações Unidas (incluindo a OMS) certificaram, 20 anos depois, que provocou menos de 50 mortes como efeito das radiações libertadas, a maioria das quais entre as brigadas de reparação e socorro. E estatísticas internacionais publicadas comprovam que, em todo o mundo, o nuclear teve dois acidentes com menos de 50 vítimas, enquanto outras fontes, como a hídrica, o petróleo, o gás ou o carvão, contam, por cada sector, com dezenas ou centenas de acidentes e um rol de largos milhares de fatalidades pessoais. Isto, sem contar com os respectivos danos ambientais, que são conhecidos. E o que vamos fazer? Fechar as barragens? Banir o petróleo, o gás e o carvão?



As preocupações com a segurança do nuclear são justas e legítimas. Devem, aliás , ser geralmente aplicadas a todos os sectores considerados. Até porque a intensidade dessas preocupações levou o nuclear a um grau de progresso científico e de apuro tecnológico na construção das centrais e no tratamento dos resíduos que levam a que, hoje em dia, este peça meças a outros modos de produção energética, em múltiplos parâmetros de segurança e de qualidade ambiental.

O que não se pode é cair na obsessão e concentrar no nuclear e só no nuclear todo o tipo de exigências. Se assim fosse desde o advento da era industrial, não teríamos indústria. Não teria havido caminho-de-ferro, nem automóveis, nem aviação e os navios andariam à vela. Talvez andássemos de bicicleta, mas até esta seria um bem raro e de luxo, pois não haveria capacidade industrial para as produzir em massa.

Nesta altura, em que já se constroem as centrais nucleares de terceira geração (e as de quarta geração estão à vista daqui a uma ou duas décadas), existem em operação, em todo o mundo, 439 reactores e estão em construção 36 novos reactores, já encomendados ou planeados outros 83 e propostos mais 218. Nos 41 países considerados, estarão todos loucos? Penso que não. Nós é que estamos seguramente distraídos.


José Ribeiro e Castro
ex-Presidente do CDS, eurodeputado

PÚBLICO, 22.Julho.2008

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