Cuba: o embargo do futuro
Comprometido com a atribuição de vários Prémios Sakharov nos últimos anos, habituei-me a vê-lo como mais um barómetro dos direitos humanos em diversos países. Em 17 de Dezembro, nas cerimónias do Prémio Sakharov 2008, no Parlamento Europeu, poderemos verificar, de maneira bem simples, se em Cuba algo de significativo mudou, ou não. Temo que a resposta objectiva seja negativa.
O laureado deste ano é o chinês Hu Jia, na sequência de um movimento de que fui também um dos promotores. Mas, celebrando-se 20 anos da existência do Prémio Sakharov, foram convidados todos os premiados desde 1988. Se os cubanos Oswaldo Payá, laureado em 2002, e as extraordinárias Damas de Blanco, vencedoras em 2005, puderem estar em Estrasburgo, a abertura efectivamente começou. Se não, é porque a ditadura castrista continua tão fechada como sempre, mudando apenas o nome próprio do chefe: de Fidel para Raul.
Payá lidera o Movimiento Cristiano de Liberación e lançou o Proyeto Varela, um abaixo-assinado subscrito por milhares de cubanos que, nos termos da própria Constituição do regime, pedem um referendo para a reforma política. Proyecto Varela e Dialogo Nacional são eixos que poderiam conduzir à mudança pacífica, mas, por causa desse atrevimento e dessa coragem, muitos amargam hoje as duras condições das prisões cubanas. Oswaldo Payá, ainda não. O Prémio, que lhe demos em 2002 e ainda pôde receber em Estrasburgo, tem funcionado – quero acreditar – como protector mínimo. Mas não lhe garante liberdade de viajar, um direito fundamental. Desde 2003 que as autoridades cubanas o bloqueiam em Havana, impedindo-o de corresponder aos inúmeros convites que, desde Bruxelas, lhe temos dirigido todos os anos, repetidamente. O que pedimos? Poder discutir com ele, um dos porta-vozes qualificados do seu povo, o que se passa no seu país. A ditadura cubana não deixa. Igual com Raul como com Fidel.
Pior ainda o caso das Damas de Blanco, corajoso grupo de mulheres e mães dos 75 presos políticos vítimas da brutal repressão da Primavera negra de 2003. Vencedoras do Prémio em 2005, ainda não puderam sequer recebê-lo. Pior: cinco anos vão passados em que os seus filhos, maridos ou companheiros sofrem na cadeia as consequências brutais de um repente furioso de Fidel Castro. Alguns, por razões de saúde, foram libertados e enviados para o exílio forcado. Cerca de 50 cumprem ainda as pesadíssimas penas a que foram sumariamente condenados. E, antes e depois de 2003, há muitos mais presos políticos além desses.
Infelizmente, não é provável ver aqueles laureados em Estrasburgo em Dezembro. O mesmo se passará com Aung San Su Ki, Prémio Sakharov 1990, que continua em prisão domiciliária em Burma. O que é que isto quer dizer? Que em Cuba, tal como em Myanmar, as coisas não mudaram e a dureza inflexível dos seus regimes prossegue, muitas vezes brutal.
Nos últimos anos, sob pressão do governo Zapatero, a União Europeia mudou dramaticamente a sua política relativamente a Cuba. Primeiro, suspendeu as sanções de 2003. Logo a seguir, revogou-as por inteiro para se abrir a uma relação normalizada. Embora tenha protestado várias vezes contra a gratuitidade deste movimento, não sou totalmente contra ele. Esse movimento da Europa é sobretudo um acto de esperança e essa esperança também a tenho e quero ter. Só que os sinais do lado do regime cubano persistem realmente nenhuns no que toca a democracia e liberdades fundamentais. E a imagem deixada pelos constantes comentários ácidos de Fidel Castro a cada movimento europeu reforça a ideia de o regime continuar refém do severo olhar controleiro do seu fundador.
Gostaria que a evolução se desse de modo pacifico, como quer a oposição, e que, abrindo-se a uma democracia plena, Cuba e os cubanos preservassem todos os seus adquiridos sociais e se tornassem numa referência regional e internacional, como está ao alcance da qualidade humana do seu povo e da pujança da sua cultura. É isso que os europeus querem. Mas até hoje, os sinais do regime castrista não são bons e não encorajam. É difícil acreditar na evolução de um regime que não abre nada de fundamental e mantém como principal ícone de exportação um assassino: Che Guevara.
Claro que há sempre quem aponte o embargo norte-americano como a causa de tudo. Não o defendo, nem ele correspondeu alguma vez a qualquer posição europeia. Mas isso soa a simples propaganda, pois é cada vez mais claro que o embargo que impede realmente o progresso de Cuba é o embargo do presente e o embargo ao futuro, à liberdade e a democracia que a ditadura cubana, ela própria, obstinadamente representa e impõe ao seu povo.
José Ribeiro e Castro
ex-Presidente do CDS, eurodeputado
VISÃO, 27.Novembro.2008
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