Conceito estratégico da NATO – estabilidade é segurança
Ao longo dos últimos meses, cresceu um debate vasto sobre nova revisão do conceito estratégico da NATO, processo que se conclui na Cimeira de Lisboa que hoje se inicia, e de que é um dos pontos mais relevantes na agenda.
Na Comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros, abordámos o assunto várias vezes, quer nas audições regimentais do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, quer em ocasiões especiais como a reunião com dois peritos do Comité de Sábios da NATO, que quiseram auscultar deputados portugueses, ou a audição preliminar do novo Embaixador de Portugal junto da NATO, recentemente empossado.
A minha posição é muito simples: quanto menos se mexer no conceito estratégico da NATO, tanto melhor.
Se o saldo da reunião de Lisboa fosse a reafirmação em substância do actual conceito estratégico da NATO, limitando-se ao alcance político (importante, diga-se) de fazer dos novos membros entrados depois de 1999 também seus redactores e co-autores, isso seria excelente – um verdadeiro êxito para o presente e para o futuro. Quanto mais estabilidade, mais segurança. O risco, o perigo e a insegurança aumentarão na exacta medida da instabilidade e da frequente variação dos conceitos fundamentais.
Os ingleses têm uma expressão óptima, que exprime muita sabedoria: “If it works, don’t fix it” – se funciona, não consertes. Por isso, tenho o maior cepticismo e reserva diante da avalanche de discursos sobre as “novas ameaças”, tendente a alterar conceitos fundamentais, missões de referência e traves principais da NATO. É preciso ser muito cuidadoso para não estragar o que teve tanto sucesso.
A NATO desempenhou um papel extraordinário na História recente. Nós, portugueses, os europeus, os ocidentais, em rigor o mundo, temos um enorme dever de gratidão. Para aqueles que crescemos nos anos 60 a 80 do século passado, atravessado por tensões brutais e por vagas sucessivas de que estava a chegar a III Guerra Mundial, quantas vezes sob o espectro de um demolidor conflito nuclear generalizado, ainda hoje parece milagroso esse sucesso. Parece impossível que a NATO, pilar do triunfo ocidental da democracia e das liberdades, atravessasse, incólume, essas décadas de tensão e conseguisse o milagre de vencer sem disparar um só tiro, até à queda do Muro de Berlim e ao fim do Pacto de Varsóvia, o bloco ameaçador do lado de lá.
Em homenagem aos que conceberam, construíram e mantiveram a Aliança Atlântica desde a década de 50, apetece dizer: “Bingo!” Não há maior sucesso possível para uma aliança militar defensiva do que triunfar em pleno sem ter que disparar um único tiro. É isso a tropa a garantir a Paz.
Ao invés, há vários acontecimentos posteriores – o mais saliente é a missão do Afeganistão – que são portadores de mais interrogações do que auspícios e, por isso, deveriam inspirar um prudente regresso aos pilares fundadores da NATO, em vez de divagações e aventuras sobre novos tempos, novas ameaças, novos rumos.
É facto que o contexto gerador da NATO não existe mais. Mas isso não quer dizer que riscos militares semelhantes ou próximos não possam vir a recolocar-se no futuro e, portanto, que tenha deixado de se justificar a ideia conservadora de uma aliança militar defensiva no estrito espaço euro-atlântico (Atlântico Norte) ou que o peso estabilizador deste tronco fortíssimo tenha diminuído. E é facto também que há novos riscos e novas ameaças que carecem de ser tidos em conta, neste espaço geográfico e noutros, incluindo pelos actuais membros da NATO. Mas isso não quer dizer que a NATO tenha que “ir a todas” e deixar-se redefinir para poder responder a tudo que vejamos como perigo, actual ou potencial, aqui ou noutro lugar.
Há outras alianças possíveis, incluindo para membros da NATO. E a reserva dos novos domínios para outras esferas de cooperação e de diálogo internacional, incluindo novas alianças mais vastas, desde que coerentes e não contraditórias com a NATO, seria até um modo de ampliar e consolidar, por círculos articulados, o espaço de segurança e de estabilidade ocidental e mundial. Tomemos o terrorismo – não é uma preocupação exclusiva da NATO, mas comum a outros como a Rússia, a Índia ou Estados islâmicos moderados. Tomemos as alterações climáticas, ou a ruptura de abastecimentos, ou os ataques cibernéticos – são preocupações comuns a todo o mundo e, nomeadamente, aos diferentes poderes regionais. Tomemos a pirataria – idem: todos os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas poderiam assumir o seu combate. Isto é, há mais alianças possíveis para além da NATO.
Para a NATO e a segurança dos seus membros, é absolutamente vital a percepção que do exterior se tem a seu respeito. O êxito pretérito da NATO deveu-se em boa parte a ter sido absolutamente fiel ao conceito de aliança militar exclusivamente defensiva, por muito que a acusassem de outros propósitos políticos e de agressora. O imperturbável desmentido prático das acusações dos seus detractores foi boa parte da chave do sucesso.
Isso vale também para o futuro. Se a NATO se deixar perceber como um projecto político global demasiado activo e omnipresente, não só não ganha nada, como pode perder. E, sejamos claros, não serve declarar unanimemente que “a NATO não pode ser polícia global” – o que está certo – e, depois, definir conceitos novos e agir na prática como se o fosse ou quisesse passar a ser.
Na Comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros, abordámos o assunto várias vezes, quer nas audições regimentais do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, quer em ocasiões especiais como a reunião com dois peritos do Comité de Sábios da NATO, que quiseram auscultar deputados portugueses, ou a audição preliminar do novo Embaixador de Portugal junto da NATO, recentemente empossado.
A minha posição é muito simples: quanto menos se mexer no conceito estratégico da NATO, tanto melhor.
Se o saldo da reunião de Lisboa fosse a reafirmação em substância do actual conceito estratégico da NATO, limitando-se ao alcance político (importante, diga-se) de fazer dos novos membros entrados depois de 1999 também seus redactores e co-autores, isso seria excelente – um verdadeiro êxito para o presente e para o futuro. Quanto mais estabilidade, mais segurança. O risco, o perigo e a insegurança aumentarão na exacta medida da instabilidade e da frequente variação dos conceitos fundamentais.
Os ingleses têm uma expressão óptima, que exprime muita sabedoria: “If it works, don’t fix it” – se funciona, não consertes. Por isso, tenho o maior cepticismo e reserva diante da avalanche de discursos sobre as “novas ameaças”, tendente a alterar conceitos fundamentais, missões de referência e traves principais da NATO. É preciso ser muito cuidadoso para não estragar o que teve tanto sucesso.
A NATO desempenhou um papel extraordinário na História recente. Nós, portugueses, os europeus, os ocidentais, em rigor o mundo, temos um enorme dever de gratidão. Para aqueles que crescemos nos anos 60 a 80 do século passado, atravessado por tensões brutais e por vagas sucessivas de que estava a chegar a III Guerra Mundial, quantas vezes sob o espectro de um demolidor conflito nuclear generalizado, ainda hoje parece milagroso esse sucesso. Parece impossível que a NATO, pilar do triunfo ocidental da democracia e das liberdades, atravessasse, incólume, essas décadas de tensão e conseguisse o milagre de vencer sem disparar um só tiro, até à queda do Muro de Berlim e ao fim do Pacto de Varsóvia, o bloco ameaçador do lado de lá.
Em homenagem aos que conceberam, construíram e mantiveram a Aliança Atlântica desde a década de 50, apetece dizer: “Bingo!” Não há maior sucesso possível para uma aliança militar defensiva do que triunfar em pleno sem ter que disparar um único tiro. É isso a tropa a garantir a Paz.
Ao invés, há vários acontecimentos posteriores – o mais saliente é a missão do Afeganistão – que são portadores de mais interrogações do que auspícios e, por isso, deveriam inspirar um prudente regresso aos pilares fundadores da NATO, em vez de divagações e aventuras sobre novos tempos, novas ameaças, novos rumos.
É facto que o contexto gerador da NATO não existe mais. Mas isso não quer dizer que riscos militares semelhantes ou próximos não possam vir a recolocar-se no futuro e, portanto, que tenha deixado de se justificar a ideia conservadora de uma aliança militar defensiva no estrito espaço euro-atlântico (Atlântico Norte) ou que o peso estabilizador deste tronco fortíssimo tenha diminuído. E é facto também que há novos riscos e novas ameaças que carecem de ser tidos em conta, neste espaço geográfico e noutros, incluindo pelos actuais membros da NATO. Mas isso não quer dizer que a NATO tenha que “ir a todas” e deixar-se redefinir para poder responder a tudo que vejamos como perigo, actual ou potencial, aqui ou noutro lugar.
Há outras alianças possíveis, incluindo para membros da NATO. E a reserva dos novos domínios para outras esferas de cooperação e de diálogo internacional, incluindo novas alianças mais vastas, desde que coerentes e não contraditórias com a NATO, seria até um modo de ampliar e consolidar, por círculos articulados, o espaço de segurança e de estabilidade ocidental e mundial. Tomemos o terrorismo – não é uma preocupação exclusiva da NATO, mas comum a outros como a Rússia, a Índia ou Estados islâmicos moderados. Tomemos as alterações climáticas, ou a ruptura de abastecimentos, ou os ataques cibernéticos – são preocupações comuns a todo o mundo e, nomeadamente, aos diferentes poderes regionais. Tomemos a pirataria – idem: todos os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas poderiam assumir o seu combate. Isto é, há mais alianças possíveis para além da NATO.
Para a NATO e a segurança dos seus membros, é absolutamente vital a percepção que do exterior se tem a seu respeito. O êxito pretérito da NATO deveu-se em boa parte a ter sido absolutamente fiel ao conceito de aliança militar exclusivamente defensiva, por muito que a acusassem de outros propósitos políticos e de agressora. O imperturbável desmentido prático das acusações dos seus detractores foi boa parte da chave do sucesso.
Isso vale também para o futuro. Se a NATO se deixar perceber como um projecto político global demasiado activo e omnipresente, não só não ganha nada, como pode perder. E, sejamos claros, não serve declarar unanimemente que “a NATO não pode ser polícia global” – o que está certo – e, depois, definir conceitos novos e agir na prática como se o fosse ou quisesse passar a ser.
José Ribeiro e Castro
Deputado à Assembleia da República
Deputado à Assembleia da República
Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros
JORNAL "I", 19.Novembro.2010
Comentários
Enviar um comentário