O Adelino Amaro da Costa, 30 anos depois


É de juventude e de alegria que vos vou falar.

Uma das coisas que mais me impressiona, ao recordar hoje Adelino Amaro da Costa, é a sua impressionante juventude. E, apesar dessa sua juventude, a série de coisas extraordinárias que fez em poucos anos e a forma extraordinária como marcou as nossas vidas e marcou para todo o sempre o seu partido, o nosso partido, o CDS.

Quando morreu, Adelino Amaro da Costa tinha 37 anos. Era titular dessa pasta grave, de Estado, a Defesa Nacional, mas tinha só 37 anos. Foi o primeiro civil ministro da Defesa, em democracia, e foi o mais novo de todos – depois dele, nunca houve um ministro tão novo e, antes dele, creio que também não. E foi um grande ministro da Defesa Nacional. Um ministro capaz de assumir e de pilotar o enorme atrevimento de afirmar o poder democrático civil, num contexto duro, difícil, em que o poder militar ainda era separado, com uma ascendência algo tutelar, e possuía o seu próprio órgão de soberania, o Conselho da Revolução. Um ministro, por isso, sem ministério. Um ministro que, todavia, ficou como o fundador do poder civil democrático no quadro militar, no pós-25 de Abril, de tal forma que, antes dele, todos os ministros da Defesa Nacional haviam sido militares e, depois dele, mais nenhum o foi. Só houve ministros da Defesa civis a partir de Amaro da Costa – e ele, sendo o mais antigo, foi o mais jovem de todos eles.

Impressiona essa juventude. Impressiona o sentido de Estado e a força de Estado dessa juventude. Tinha só 37 anos quando Camarate o levou. Tinha menos 20 anos do que eu terei no final deste mês de Dezembro. Teria hoje não só a idade, mas certamente, por exemplo, o mesmo vigor e a intensa actividade do Basílio Horta. E vão 30 anos passados… Éramos todos muito novos. O Adelino tinha 31 anos quando fundou o CDS. Freitas do Amaral tinha 32. O Basílio tinha 30. Eu próprio tinha, nessa altura, em 1974, 20 anos.

Éramos, de facto, todos muito novos, atravessando com grande entrega esses anos particularmente intensos da História portuguesa recente. A juventude que preponderava, de que ninguém curiosamente se dava conta – ou não parecia dar-se conta, nem nós, nem os outros – acrescentou sem dúvida ainda mais intensidade à enorme intensidade desses dias desses seis anos corridos, desses seis anos a correr, de 1974 a 1980, e carregou-os ainda mais de paixão e dinamismo, de frescura e verve, de sonho e propósito, de entusiasmo e palpitação. Não teria sido possível sem essa juventude.

Do nosso lado, o Adelino Amaro da Costa esteve em todas. Não consigo recordar, desses seis anos, um momento, um acto, uma decisão, um debate fundamental, uma orientação estratégica, uma reunião crucial, um movimento táctico, em que o Adelino não estivesse presente e não imprimisse o seu traço, a sua marca, a sua criatividade, o seu génio de comunicação. Ele foi a alma, o músculo, o pulmão do CDS.

Para mim, conhecê-lo, conviver com ele, trabalhar com ele, poder ser seu amigo foi um privilégio único, um privilégio extraordinário - para mim, como certamente para todos os que pudemos viver, conhecer, partilhar de alguma maneira essa experiência. Foram seis anos extraordinários, seis anos que ainda duram trinta anos depois e que vão durar muito mais que outros trinta anos ainda.

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Perguntam-me: o que era o Adelino Amaro da Costa? O Adelino está escrito por aí. Está escrito nas paredes, nos corredores, nos recantos, nas recordações, nas histórias, nas anedotas, nos episódios, nas fotografias, nas salas, nas citações, nas confidências, na lenda, na memória, na estrada que começou, na vida que continua e em que ele aparece, espreitando, aqui ou ali, a pontuar ou a iluminar. Há semanas li num jornal que o CDS tinha perdido o espólio de Adelino Amaro da Costa. E, independentemente do esclarecimento disso e de poder recuperar-se o que se tenha extraviado, isso não é substancialmente verdade: nós somos o espólio do Adelino Amaro da Costa.

Somos esse espólio vivo. Somos a continuação do que ele fundou e impulsionou como poucos. Porque, na verdade, ainda hoje e, se calhar, cada vez mais no futuro, o Adelino Amaro da Costa é quem mais e melhor sintetiza, quem mais e melhor identifica, quem mais e melhor representa a razão histórica que nos justifica e explica.

É verdade: a Declaração de Princípios do CDS teve o seu punho, teve o punho do Adelino. Mas, muito mais forte do que isso, a explicação concreta do CDS, a manifestação sensível do CDS, a demonstração prática do CDS teve o seu exemplo. É isso que tem feito a sua lenda, que se acrescenta incessantemente em curiosidade e em culto, ano após ano, tocando de forma cada vez mais tocante os mais novos, os mais jovens, aqueles que nunca o conheceram.

Só uma grande personalidade, só uma personalidade que tenha tocado profundamente os seus contemporâneos, que tenha tocado o espírito, a inteligência e o coração dos seus companheiros, conseguiria esta proeza: o tempo não o apaga. Antes o tempo o torna mais visível, mais nítido, mais forte, mais impressivo. E, quando falamos de História, sabemos que a História só tem verdadeiramente um senhorio, que é simultaneamente toda a sua medida: o Tempo. É esse dono da História – o Tempo – que nos está a contar, cada vez melhor, o que era, quem foi, Adelino Amaro da Costa; e como foi fundamental o seu registo, como é fortíssimo e fecundo o seu legado.

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Neste aniversário da morte de Adelino Amaro da Costa, há finalmente uma novidade importante: foi lançada a primeira biografia sobre o nosso querido dirigente e fundador, narrando a figura incontornável na construção da democracia portuguesa e o pilar fundamental da história e do tronco do CDS.

Para os que o conheceram apenas depois de ter fundado o CDS com Freitas do Amaral, em 1974, de quem o Adelino foi o braço direito – e o esquerdo também – este livro oferece duas perspectivas diferentes, qual delas a mais interessante: a primeira, a de poder recordar (e reviver mentalmente, com a intervenção marcante de Amaro da Costa) vários dos momentos, dos episódios, das etapas políticas entre 1974 e 1980; outra, a de conhecer um pouco da sua infância, da sua retaguarda familiar, da sua juventude, do seu percurso escolar e académico, o serviço militar na Marinha, o início da sua vida profissional e algo das suas facetas mais íntimas e pessoais – e, por aqui, podermos compreender melhor os traços e os alicerces de uma personalidade brilhante, que fizeram dele o mais querido e o mais lembrado de todos os dirigentes do CDS. Não o vou contar. Convido-vos a lerem esse livro. E, passando palavra, a recomendarem a outros que o leiam.

Eu também só conheci Amaro da Costa no CDS a partir de Julho de 1974. Algumas das histórias para trás já as conhecia, entretanto, por as ter ouvido contar no convívio familiar, antes e depois da sua morte. Mas há muitas que li agora pela primeira vez e me fizeram sorrir, como se o Adelino nunca tivesse deixado de estar aqui connosco e ele mesmo estivesse a ver e a ouvir recordá-las ao nosso lado. Sorri de o sentir ao piano, sorri de imaginar as suas paródias.

Para os mais jovens, para aqueles que nunca conheceram Adelino Amaro da Costa, a biografia tem todo um outro alcance e uma enorme importância. Não é um livro de recordações, mas uma referência de conhecimento.

É um contributo fundamental para todos aqueles que só ouviram a lenda de Amaro da Costa e que aqui, neste livro, em vez de apenas por episódios isolados ou por relatos de facetas esparsas, podem apreender a totalidade da sua personalidade e carácter e a impressionante continuidade, força e coerência do seu notável percurso humano, profissional e político.

Quando fui Presidente do CDS, coube-me promover as celebrações dos 25 anos da sua morte, em 2005. E, dessa sessão, nunca mais esqueci a intervenção do João Vacas, antigo dirigente da JP e, na altura jovem dirigente do CDS, que aí fez uma das mais tocantes intervenções que já ouvi sobre o Adelino Amaro da Costa: a evocação do Adelino feita por quem expressamente, por ser muito mais novo, nunca o conheceu e só ouvira falar dele.

É a todos esses que a biografia, agora publicada, verdadeiramente se destina.

A Célia Pedroso e a Maria do Rosário Carneiro, irmã do Adelino, estão de parabéns pela magnífica biografia que puseram de pé, em escassos meses, e que conseguiram publicar a tempo do 30º aniversário da morte de Amaro da Costa. E de parabéns está também a editora “Casa das Letras”, ao fazer preencher uma imperdoável lacuna. Neste 4 de Dezembro de 2010 não estaremos tão sós.

É, aliás, das próprias autoras esta frase de que se trata da “primeira biografia” e o expresso incentivo a que outros, com mais tempo, possam, no futuro, vir a fazer outras biografias, aproveitando as traves lançadas por esta e levando-as mais fundo. Sabe-se já que há outros projectos editoriais na forja. E outros deverão empreender-se no futuro, à volta de uma figura que é um tesouro inesgotável. Para nós e para Portugal.

Bem precisamos desses livros. Conhecer Adelino Amaro da Costa é conhecer melhor o CDS e o seu projecto fundador. Repito: ele foi a alma, o músculo, o pulmão do CDS. Era inteiramente um democrata-cristão dos quatro costados – na pele e no corpo, na acção, no pensamento e na voz.

O seu estilo fulgurante, a sua energia inesgotável, a sua alegria vulcânica, o seu bom humor, a sua dedicação ímpar, o seu patriotismo total, o seu impecável sentido do serviço público, o seu exemplo cívico, o seu talento na comunicação – fizeram dele um dos melhores de Portugal. Era o melhor de todos nós – e foi um dos melhores de Portugal.

Que bom que seja um dos nossos no CDS. Que bom – e que responsabilidade! – tê-lo como a nossa referência.

É. Nestes 30 anos sobre a sua morte, já não estamos tão sós.

Temos já connosco, nesta biografia recente, a companhia mais sólida da sua riquíssima memória, a fértil inspiração da sua narrativa, o testemunho escrito da sua história de vida, brutalmente interrompida em Camarate.

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Termino com duas notas.

Às vezes, perguntam-me o que faria o Adelino Amaro da Costa hoje? Onde estaria? Como teriam sido as coisas? O que faria? O que diria? E as pessoas, hoje, no meio da crise, no meio das crises, perguntam mais essas perguntas. É natural: é nos tempos escuros que procuramos mais as luzes.

É evidente que qualquer exercício de resposta ou tentativa de resposta corre o risco de redundar em pura especulação.

Mas, sem resvalar para aí, há duas coisas que posso afirmar com absoluta certeza de não me enganar.

Primeiro, ele estaria aqui connosco. Não estaria em qualquer outro lugar: estaria aqui. E aqui, ao nosso lado, à nossa frente, atrás de nós, exerceria, todos os dias, aquele que era o seu mais potente capital, o capital de que todos falam sem excepção: a sua alegria – a sua alegria transbordante, a sua alegria envolvente, a sua alegria contagiante. Apesar das dificuldades, e precisamente quanto maiores fossem as dificuldades, aí estaria o Adelino Amaro da Costa e o seu roldão de alegria vulcânica e energia mobilizadora. O Adelino liderava pela alegria.

Ele tinha essa alegria, ele irradiava essa alegria, ele era essa alegria – porquê?

Porque o Adelino era um homem de Esperança – esse era o seu sentido cristão. A alegria que respirava, que transpirava, era o sinal exuberante da Esperança, o retrato natural desta, a sua expressão espontânea, genuína.

Irradiava naturalmente, porque não tinha artifícios nisso. Ele era assim. O seu segredo é que não tinha segredos nisso.

O Adelino Amaro da Costa trouxe alegria para a política, trouxe alegria para o CDS, porque trouxe Esperança para o CDS, porque trazia Esperança para Portugal.

E aqui passo à segunda certeza que mantenho. Há uma resposta democrata-cristã, uma solução personalista para a crise portuguesa, hoje? Há. A resposta é sim. E o Adelino Amaro da Costa estaria aqui a aprofundá-la, a afiná-la, a explicá-la.

Há um caminho próprio, um registo democrata-cristão, um projecto personalista, poderoso, ambicioso, carregado de fôlego, forte de Justiça, de Humanidade, de Democracia e Liberdade, de Trabalho e Prosperidade para este tempo português e o futuro próximo de Portugal? Há. A resposta é sim. E o Adelino Amaro da Costa estaria aqui, ao nosso lado, com a mesma alegria e o inesgotável vigor da Esperança, sem desistência, nem quebra, a estudar e a escrever, a cultivar e a construir connosco esse caminho, essa proposta do personalismo cristão, a dotá-la de capacidade e visibilidade Alternativa, a articulá-la com outros e a levá-la por diante. Até à vitória. Pelos nossos ideais e por Portugal.

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A vida, é sabido, tem alguns mistérios. O primeiro mistério é a vida. O segundo mistério é a morte. O terceiro mistério é a vida de uns ser mais curta que a vida de outros.

A vida do Adelino Amaro da Costa foi mais curta. Mais curta do que queríamos. Mais curta do que precisávamos.

O facto talvez de o tempo da sua vida ter sido assim brutalmente, abruptamente interrompido faz com que a sua vida, o seu registo, rompa o tempo, rasgue barreiras, e se prolongue anos a fio.

É assim como um destino comprido que exige ser cumprido.

Nestes 30 anos, já não estamos tão sós. Passou o luto, passou todo o luto. Ficou a inspiração. Só ficou sobretudo a alegria – e a Esperança. Ficou a memória que é alavanca, ficou a referência fortíssima, esse farol na fidelidade ao ideal político e ao serviço do país. É aí que ele estaria.

É aqui que ele está. Connosco. A dar-nos inspiração – porque é a nossa alma. A dar-nos força – porque é o nosso músculo. A dar-nos fôlego – porque é o nosso pulmão. Até à vitória. Pelos ideais personalistas, por Portugal.




José Ribeiro e Castro
Deputado

HOMENAGEM PELA JP - JUVENTUDE POPULAR, 4.Dezembro.2010

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