Combater a traição ao Português, língua da Europa


Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,


No último debate quinzenal, o Primeiro-Ministro teve a infelicidade de questionar o patriotismo do CDS a propósito da crise financeira e das responsabilidades do governo. E, se a acusação não tem pés nem cabeça, como se comprovou, melhor fora que o Primeiro-Ministro cuidasse da falta de patriotismo do seu governo quando ataca e deixa destruir direitos fundamentais da língua portuguesa – e também da nossa economia – no quadro da União Europeia.

Está em curso, no regime europeu de patentes, uma manobra que abala fortemente a credibilidade e o peso do Português como língua internacional, ao arrepio dos discursos e esforços dos últimos anos. E esta pura traição ao Português como língua da Europa – a terceira língua europeia global – tem não só o endosso, mas a furtiva cumplicidade, senão o agenciamento, do governo Sócrates. E lesa também interesses próprios da economia nacional, conduzindo, no sector da propriedade industrial, a mais desemprego, à quebra de actividade de empresas e profissionais e à perda de milhões de euros de exportação de serviços por ano.

O pior de tudo é que, em todo este processo de redução do Português a uma língua de segunda ou terceira classe, o governo tem agido contra o Direito e – pior! – fugindo, por sistema, ao debate na Assembleia da República.

É possível que o governo tenha medo ou vergonha. No CDS, compreendemos bem que o governo tenha medo da forte censura pelo que está a fazer e vergonha de toda a gente se aperceber de como deserta do dever de defender a nossa língua e a nossa economia. Mas medo e vergonha que sejam, não há o direito de o governo bloquear a transparência, recusar a troca aberta de pontos de vista e impedir a Assembleia da República de poder defender o interesse nacional.

A matéria prende-se em substância, embora seja formalmente distinta, com outra que há poucos meses aflorou: a adesão ao Acordo de Londres no âmbito da Convenção de Munique, que regula a patente europeia. Já aí, o governo faltara à palavra e fugira ao Parlamento. Em Maio de 2010, o governo comprometera-se a só avançar com a questão através de uma proposta de Resolução da Assembleia da República. Nada disso! Em fim de Outubro, aprovou um Decreto, enviado directamente para assinatura do Presidente da República. E foi uma proposta de Resolução do CDS (309/XI/2ª) a travar esse abuso. Alertado, o Presidente da República mandou o Decreto para trás e o governo deu indicação de que voltaria ao tema só na Assembleia da República.

Quem acompanha este assunto, como é o caso do CDS, sabia que ele se desenvolvia também simultaneamente noutra frente, nas instâncias da União Europeia: a chamada patente unitária. E esperávamos que, com lealdade e franqueza, atenta a enorme sensibilidade política do assunto, o governo nos trouxesse espontaneamente o tema e aqui buscasse orientação, enquadramento e apoio, na linha do que tinha escrito em Maio: para melhor “defender o interesse nacional”. Nada disso! O governo escolheu a acção clandestina. E, sabemo-lo agora, para agir contra o interesse de Portugal e dos portugueses, abandonados nos corredores de Bruxelas.

Do que se trata é de, contra o multilinguismo europeu, excluir a língua portuguesa do regime de patentes e impor um estatuto discriminatório, de privilégio, para apenas três línguas: o Inglês, o Francês e o Alemão. Sob o embalo enganador dos custos e da simplificação foi paradoxalmente afastada a opção por um regime de “English only” e está a ser imposta, com a participação activa do nosso governo, um regime que lesa gravemente os nossos direitos e os nossos interesses. O CDS reagiu com nova proposta de Resolução (374/XI/2ª). Mas nem isto serviu para chamar o governo ao seu dever de transparência.

Nos termos da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no Âmbito do Processo de Construção da União Europeia, “o Governo deve manter informada, em tempo útil, a Assembleia da República sobre os assuntos e posições a debater nas instituições europeias, bem como sobre as propostas em discussão e as negociações em curso, enviando, logo que sejam apresentados ou submetidos ao Conselho, toda a documentação relevante, designadamente (…) propostas de actos vinculativos e não vinculativos a adoptar pelas instituições da União Europeia” (artigo 5º, nº 1, alínea b) da Lei n.º 43/2006, de 25 de Agosto).

O governo violou sucessivas vezes este seu dever, geral e específico, de informação à Assembleia da República. E nem o facto de, com o Tratado de Lisboa, diz-se, estarmos numa nova fase de envolvimento dos parlamentos nacionais na construção europeia, levou o governo Sócrates a sair da habitual clandestinidade bruxelense.

A manobra é, aliás, descarada. De forma claramente prematura (apenas cinco meses depois de a proposta de Regulamento que lhe deu causa próxima ter sido introduzida e sem o Parlamento Europeu ter apreciado o assunto, como o Tratado exige), alguns Estados-membros indicaram, a 10 de Dezembro, querer avançar para uma “cooperação reforçada”. Logo a 14 de Dezembro, a Comissão apresenta a proposta. O Parlamento Europeu designa relator a 15 de Dezembro. A Comissão de Assuntos Jurídicos despacha o assunto a 20 e 27 de Janeiro. E a manobra acaba de passar, na última semana, no plenário do Parlamento Europeu, onde só CDS e PCP votaram contra ela.

Sobre tudo isto, o governo diz nada. E furta a matéria ao parlamento e aos portugueses.

Pior ainda: o último acto, está previsto para o Conselho de Competitividade no próximo dia 10 de Março. Mas, de surpresa, a 14 de Fevereiro, na manhã do debate no Parlamento Europeu, o Conselho, aproveitando uma reunião da sua formação de Educação, Juventude, Cultura e Desporto, inventou uma votação nesta matéria das patentes para cercar politicamente o Parlamento e isolar Espanha e Itália, que resistem e se batem. A ministra Alçada e o ministro Gago foram, assim, já, nessa reunião de segredo, os agentes concretos da entrega do português no altar das três línguas. E o governo publicamente ou nesta Assembleia, disse nada. Uma vergonha!

Como realçam pareceres de Freitas do Amaral e Gomes Canotilho, a cedência portuguesa nesta matéria pode representar mesmo uma directa violação da Constituição, sobretudo do artigo 9º, alínea f), que inscreve, entre as “tarefas fundamentais do Estado”, a de “defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa”. E, segundo Canotilho, também de outros preceitos: o de ser uma das “incumbências prioritárias do Estado”, “desenvolver as relações económicas com todos os povos, salvaguardando sempre a independência nacional e os interesses dos portugueses e da economia do país” - artigo 81º, alínea g); o de estar nas “tarefas fundamentais do Estado”, o dever de “promover (…) a (…) modernização das estruturas económicas e sociais” - artigo 9º, alínea d); o próprio artigo 2º, que define que “a República Portuguesa é um Estado de direito democrático”.

Mas o governo Sócrates não cuida disto. Nem quer saber.

O Tratado de Lisboa inscreveu, nesta matéria, uma preciosa garantia, nova: o regime linguístico das patentes deve ser aprovado por unanimidade – artigo 118º TFUE. Mas o governo português, ao alinhar pela cooperação reforçada, deita fora a garantia nacional e rasga o nosso ás de trunfo. Sem nos dizer nada.

É, aliás, duvidoso e fortemente contestável que haja base jurídica apropriada para a cooperação reforçada. Desde logo, porque não é facilmente sustentável que ela fosse o “último recurso”, como exige o artigo 20º, nº 2 TUE. E, por outro lado, é arguível que esta cooperação reforçada violará não só um, mas todos e cada um dos requisitos exigidos pelo artigo 326º TFUE: porque desrespeita os Tratados e também direito derivado da União; porque prejudica o mercado interno; porque prejudica a coesão económica e territorial; porque introduz um novo factor de discriminação ao comércio entre os Estados-membros; e porque provoca distorções de concorrência entre os Estados-membros.

Mas, nem assim, nem com possibilidade de argumentos jurídicos tão fortes, o governo Sócrates se bate. Antes verga-se… e cala-se. E quis calar-nos!

Uma vergonha! Estamos diante de uma falta muito grave perante este Parlamento. Portugal merece ser melhor defendido. A língua portuguesa não pode ser assim desbaratada. Os nossos direitos não podem ser atropelados. A nossa economia não pode ser tão mal servida. A democracia não pode ser evitada e defraudada.



José Ribeiro e Castro
Deputado

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 24.Fevereiro.2011
Declaração Política






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