O primeiro-ministro dos últimos dias



O Partido Socialista pôs alguns tenores a criticar “falta de isenção” do Presidente da República e a tentar condicionar a sua acção. Deviam ter mais cautela. Se o Presidente não mandar José Sócrates para casa mais cedo, mostra pelo PS e pelo Governo uma consideração que este mostrou não merecer.

O Presidente não tem só o poder de demitir o primeiro-ministro “para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas” (artigo 195º, nº 2 da Constituição). O Presidente tem, acima de tudo, o dever positivo de garantir o “regular funcionamento das instituições democráticas”, dever que integra a própria definição constitucional do seu cargo (artigo 120º).

Ora, Sócrates acabou da pior forma, escancarando absoluto desrespeito institucional. E gera enormes inquietações quanto à capacidade para assegurar, com dignidade, patriotismo e espírito de serviço, as tarefas de um governo de gestão.

Por isso, ao ouvir hoje os partidos políticos e, depois, o Conselho de Estado, o Presidente da República deve auscultá-los não só sobre a dissolução da Assembleia e as eleições, mas também quanto à demissão compulsiva do primeiro-ministro e à possível formação de um governo de gestão interino.




Na véspera do PEC IV, o governo já mostrara desrespeitar a Assembleia. Exibiu igual desdém pelos partidos, ao recebê-los sobre a Cimeira de 11 de Março, escondendo-lhe o essencial da posição portuguesa. Foi idêntico o desprezo pelos parceiros sociais. E violou o dever constitucional de “informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do país” (artigo 201º).

Anteontem, Sócrates confirmou a falta de respeito ao ausentar-se do debate parlamentar, mandando-nos notícias pela televisão com a noite entrada. Nada fora por acaso. O desprezo institucional é linha política, estilo e convicção.

O caso é ainda mais sério no plano nacional. Lembremos as afirmações de Jean Claude Juncker, no início da semana: “é claro que há compromissos assumidos por Portugal [a 11 de Março] e não podemos afastar-nos de compromissos assumidos [no PEC IV], que foram “endossados pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu”. E isto tem um grave significado: Sócrates, na cegueira e sofreguidão do seu póquer político terminal, não hesitou em comprometer externamente Portugal sem para isso estar minimamente habilitado.

Juncker não é um qualquer porta-voz. Não é carregador de malas do Presidente da Comissão, nem alguém ao modo “porreiro, pá”. É primeiro-ministro, um líder europeu, o líder do Eurogrupo. Quando sublinhou aquilo e que as posições do governo foram assumidas como boas não só pelo Conselho, mas também pela Comissão e pelo BCE, Juncker pôs a nu toda a gravidade do procedimento institucional de Sócrates.

A seguir a isto, se o episódio não for suficientemente higienizado, um futuro primeiro-ministro não pode surpreender-se se, numa reunião do Conselho, comprometendo-se num quadro europeu com medidas portuguesas, lhe for pedido uma acta notarial para aferir da capacidade para vincular o Estado português. Sócrates, que – já sabíamos – desrespeita a sua palavra, desrespeitou a palavra de Portugal. Pode – e deve – ser sancionado por isso.




Face à velocidade da crise e à linha afirmada por todos os partidos, a margem de acção do Presidente reduziu-se muito. Cavaco esteve bem ao chamar a atenção para essa “velocidade”. E bem também ao retardar a aceitação da demissão do primeiro-ministro para depois do Conselho Europeu. Mostrou, entre outras coisas, ser o estadista que Sócrates fez questão de querer mostrar não ser.

Mas Cavaco Silva tem mais coisas essenciais a assegurar, coisas do interesse de todos.

Primeiro, como pedia António Barreto, o Presidente deve garantir, com o Banco de Portugal e outras instituições, a informação objectiva e detalhada aos portugueses sobre o estado real das nossas finanças. Tão cedo quanto possível e bem antes das eleições.

Segundo, deve poder assegurar que o governo de gestão actue com o patriotismo, a isenção, a dedicação e a competência que são exigidas pela dureza financeira do momento. Quando Portugal tem de colocar até Junho quase 9 mil milhões de euros de dívida e cumprir uma gestão orçamental rigorosíssima, bem como favorecer o financiamento da economia, o pior que pode acontecer-nos é ficarmos entregues a um governo em campanha eleitoral, como o discurso de Sócrates e doutros ministros e dirigentes do PS são o sinal inequívoco.

Em 2009, Sócrates e o governo enganaram redondamente o país quanto à real dimensão do défice e prolongaram o regabofe financeiro do Estado. Em 2009, o aparelho socrático não hesitou em usar o Taguspark para pagar 750 mil euros a Luís Figo e associá-lo a um pequeno-almoço de campanha eleitoral. Outros factos, agravados por estas faltas de respeito pela Constituição e pelas instituições, permitem recear o pior. E Portugal não pode suportá-lo. Isto não é uma brincadeira.

Compreendo que é difícil e duro demitir o primeiro-ministro, definindo um outro quadro seguro para o governo de gestão. Mas, se Sócrates não for demitido depois do que fez, o rasto do desrespeito institucional extremo não será apagado. E a desonra externa da palavra de Portugal ficará gravada na memória do Conselho, da Comissão e do BCE.

Se Sócrates continuar, apesar dos antecedentes de 2009 e dos perigos nacionais de 2011, é bom que o Presidente da República se certifique que essa é a vontade positiva dos partidos e a opinião do Conselho de Estado. É que é seu – e de mais ninguém – o dever de garantir o regular funcionamento das instituições democráticas.



José Ribeiro e Castro
Deputado

JORNAL "I", 25.Março.2011

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