A hora da AD


O novelo é longo. Pode começar-se em várias pontas. Comecemos pelo Governo Barroso e o célebre desabafo, em 2002, que gerou escândalo: “O país está de tanga!” Aí está! A realidade tem muita força. Continuemos com o comentário de Jorge Sampaio, Presidente, dessolidarizando-se: “Há mais vida para além do défice.” Aí temos como não há vida para além do défice – ou melhor, só haverá “mais vida”, isto é, liberdade, democracia, soberania, escolha, crescimento, atacando a sério (e resolvendo) o abismo do défice e suas decorrências.

Revendo a rota até à calamidade actual, ninguém pode esquecer as responsabilidades socialistas: começa nos governos Guterres, que desperdiçaram a oportunidade de ouro da adesão ao euro para uma consolidação orçamental indolor e que, ao invés, inauguraram a governação “à tripa-forra”, legando a crise de 2002; passa pela irresponsável oposição do PS aos governos PSD/CDS, sujeitos a forçarem equilíbrios anuais num quadro europeu que era muito rígido; inclui a falta de patriotismo básico e de solidariedade institucional de Sampaio; e termina neste penoso funeral Sócrates, que teve de tudo: fantasia, euforia, ilusão, declínio e drama.

Recordo-o para lembrar o ciclo PS e ter presente que José Sócrates dispôs de condições políticas excepcionais, tudo para não falhar. Lembremos. Teve a sorte de ver o quadro europeu revisto logo em 2005, podendo programar uma consolidação orçamental de médio prazo. Teve maioria absoluta. Dispôs, em Cavaco Silva, no primeiro mandato, de um Presidente cooperante. Dispôs de uma oposição à direita disponível para as questões financeiras. E herdou, depois do “discurso quebra-gelos” do interregno PSD/CDS, uma opinião pública psicologicamente preparada para as exigências do combate ao défice.

Foi com tudo isso que pareceu ter sucesso até 2007. Hoje está à vista como fracassou: porque folgou onde devia ter sido exigente; porque, enquanto pôde, fez consolidação orçamental do lado errado; e porque não resistiu à tentação megalómana (logo enunciada no PIIP, lembram-se?), em vez de seguir políticas sustentáveis de crescimento. Teve condições excepcionais, pareceu começar bem. A receita era errada, falhou.



Olhemos agora para diante. O quadro é muito mais duro e difícil do que em 2002 ou 2005. Como é que, acertando agora na receita, um Governo pode ter sucesso, com condições políticas inferiores às de Sócrates em 2005? É complicado, senão impossível.

É isso que nos traz à necessidade patriótica da AD: a Aliança Democrática de PSD e CDS, com MEP, MPT, PPM e todos os que, incluindo independentes como Fernando Nobre ou António Barreto, queiram associar-se a um projecto nacional de alternativa e reforma – nova vida!

Precisamos de cura, resposta e caminho. E isso só com muita força política. Precisamos que a Alternativa ganhe claramente – não fique à beira da maioria ou não vença apenas à pele. E, depois de vencer eleições, precisamos de vencer a prova difícil: governar! – tirando-nos da tempestade e pondo Portugal no caminho da saúde financeira, da retoma económica, da confiança social. Podemos antecipar que um PS derrotado entrará em crise ou irá de volta à irresponsabilidade demagógica de 2002/04. E precisamos certamente do novo Governo apoiado em maioria parlamentar coesa e maioria social enraizada. Sem isso, dificilmente iremos lá. Isso tem nome e modelo: chama-se AD. Não a fazer pode assumir proporções de erro histórico – sobretudo no estado a que Portugal chegou.



Bem sei que há no PSD quem ache que vai crescer muito e não queira “dar boleia” ao CDS. Compreendo, mas podem enganar-se redondamente. O PSD pode pagar eleitoralmente o preço das ambiguidades, subindo menos do que gostaria. Bem sei que há no CDS quem creia que “agora é que é”, não querendo “amnistiar” o PSD. Compreendo, mas tudo pode sair furado. Convém não menosprezar o risco do cone de aspiração “voto útil”, além de, em eleições para governo, haver sempre ângulos novos. E seria patético que, pela inexorabilidade das dinâmicas político-partidárias, a campanha acabasse dominada pelas rivalidades e diferenças PSD/CDS, em vez de pela Alternativa e pela mudança. Que boleia isso seria para Sócrates e o PS…

Sempre critiquei eleições disputadas neste quadro agudo, o que só se evitava de uma maneira: ter antecipado a crise política em 2010. Todavia, é no olho do furacão que estamos, o pior contexto para irmos a votos. Além do preço nacional terrível que estamos já a pagar (e Sócrates procura capitalizar), há outra limitação: o Governo é em geral mau, sendo infindável o rol de alternativas focadas; mas tudo passa para terceiro ou quarto plano. Em eleições destas, só se vai discutir uma coisa: finanças e economia. Quando a casa está a arder, não há espaço para discutir a mobília, a tinta das paredes ou a cor dos cortinados – só uma coisa domina: por que porta entram os bombeiros? E vão usar água ou neve carbónica? Ora, a mono-agenda também é mais favorável para Sócrates do que seria um contexto diversificado. Não pensemos que é tudo “favas contadas”.

Para recusar o esforço de uma AD, só há um argumento aceitável: uma “aliança de direita” poder ser eleitoralmente contraproducente. Não o creio – a História não mente. Há respostas conhecidas para equilibrar a “imagem” ao centro e no chamado “centro-esquerda” – o receituário AD é conhecido. E a maior musculação das listas conjuntas permitirá até mais moderação no discurso. A regra é simples: quanto maior a envergadura, menos precisamos da garganta. Quanto mais forte o músculo, mais moderada pode ser a voz – para obter até melhores resultados.

Quem quer ganhar e quer servir é isso que tem de buscar e construir. Quem quer mesmo vencer as eleições e que o novo Governo triunfe é isso que tem que fazer. Se eu fosse candidato a primeiro-ministro, não quereria menos que a AD. Se Sócrates falhou com condições excepcionais de partida, não podemos arriscar. Não podemos arriscar que a reforma falhe porque as condições fraquejaram. Precisamos de maioria política ampla, solidariedade institucional inequívoca, quadro europeu favorável, maioria social coesa, consciente, mobilizada: povo vencedor, projecto vencedor.

A hora histórica é AD. Os portugueses merecem poder mudar. Portugal precisa da AD antes de 25 de Abril. Depois de 5 de Junho, pode já ser tarde.



José Ribeiro e Castro
Deputado

PÚBLICO, 11.Abril.2011

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