Nó cego


Tenho dificuldade em sorrir. Custa-me entender a boa disposição de colegas políticos. E, quanto à proverbial arrogância, provocadora e “optimista”, de José Sócrates, nem vale a pena procurar explicação. É feitio.

Escrevo sob o choque dos números do INE sobre o défice de 2010: 8,6%! Uma vergonha. A confirmação de como o Governo perdeu a mão nas finanças públicas. Sócrates já tinha tido que lançar mão da almofada do fundo de pensões da PT para pôr o défice abaixo dos 7,3% a que se comprometera. Agora, nem isso. Pior: o défice de 2009 foi também revisto para inacreditáveis 10% do PIB! Para quem, como Sócrates, começou a governar inventando, com Vítor Constâncio, aquela fantasia do défice virtual de 6,93% em 2005, défice que nunca existiu, é pesada ironia terminar, seis anos depois, com défices reais de 10% apesar de recorrer a receitas extraordinárias. Para cúmulo, a dívida pública é escancarada acima dos 90% do PIB, com projecção oficial de quase 100% para este ano – mesmo sem a auditoria que tantos engulhos causa. Um sufoco!

Escrevo sob o efeito dos relatórios que confirmaram a recessão deste ano e a apontam ainda em 2012. Escrevo antevendo mais de 700 mil desempregados no final do ano ou no próximo. Escrevo diante da degradação sucessiva dos ratings da República e dos principais bancos portugueses, atingindo níveis absolutamente rasteiros. Escrevo sob o impacto dos juros da dívida acima de 9%, quando há meses Teixeira dos Santos fixara a fasquia nos 7%.

Escrevo sob o espectro de mais medidas de austeridade – não só o PEC IV, que a crise adiou, mas porventura mais aquelas que o Banco de Portugal admite inevitáveis em 2012 – e do impacto político e social que terão. Como será a nossa vida com dois anos de recessão e doses cavalares de austeridade? Como será o impacto de rendimentos a minguar, impostos a subir, preços todos em alta: os juros da casa e das dívidas a subir, os combustíveis e os transportes a subir, as matérias-primas e aquilo que consumimos dia-a-dia a subir?

Não vejo motivos, nem circunstâncias, para risos ou sorrisos nos rostos da política. Seja para os que esperam ganhar, seja para os que esperamos que percam. Rir? Porquê?

Não estávamos prontos para a verdade. Será que estamos preparados para a realidade?




Nunca conseguirei entender como se deixou chegar a situação até aqui. Fiz, com um amigo, um cálculo do custo nacional da substituição de José Sócrates. Calculámo-lo com base no agravamento dos juros da dívida no último ano – o que pagaremos todos por o substituir em Junho de 2011 em vez de Maio de 2010. Se for substituído… Estimámos esse custo em 6 mil milhões de euros, o equivalente a três pontos de agravamento médio nos juros do financiamento da nossa economia no último ano. Este custo da resiliência de “Sócrates fora de prazo” (e da complacência com a continuidade) pode ser completado noutras dimensões: os desempregados, as falências, o agravamento da dívida, a quebra do produto e do rendimento nacional, a desmoralização. Pesadíssima factura pagamos por agirmos tarde quando devia ter-se agido mais cedo!

Já aqui critiquei a falta de coragem e de patriotismo nas classes dirigentes. Isso, articulado com o calculismo, trouxe-nos até aqui. Mas, olhando à nossa frente, as perspectivas não são muito mais animadoras. Boa parte da classe política parece continuar a raciocinar (e, portanto, a agir) num quadro de business as usual, parecendo desgarrada da dura realidade da situação do país e da emergência absoluta em que nos precipitamos.




Os cenários em cima da mesa apontam, de forma dominante, para uma coligação alargada, envolvendo PS, PSD e CDS. Não é assim tão simples. E, para ser isso, porquê eleições?

Não entrando por outras questões, que aflorarão na campanha e resistirão depois dela, ignora-se um percalço inevitável: essa coligação implica que o segundo partido entre em crise logo a seguir às eleições – nem Sócrates, nem Passos Coelho serão vice-primeiro-ministro um do outro. E o CDS o que dirá?

Se PS e PSD agravarem em campanha a dinâmica de contraste como convergirão depois da campanha? Se PSD e CDS alcançarem maioria, como enfrentarão sozinhos os embates sociais, com um PS revanchista na Assembleia e toda a esquerda de braço dado? Como consolidarão então a coesão que o PSD recusou construir de antemão? E, se o PS, derrotado, quiser a formação de um governo PSD/CDS, em que estes tenham falhado a maioria por poucos deputados? E se, face aos resultados, o CDS recusar um “bloco central alargado” e sugerir um governo PS/PSD ou PSD/PS? E se PSD ou PS quiserem companhia e ninguém aceitar?

Há muitas variáveis e, sempre, a questão maior: como se constrói, depois das eleições, aquele cimento governativo de que Portugal absolutamente precisa para vencer as dificuldades?

Não está fácil. Se os dirigentes políticos não reagirem patrioticamente aos sinais terríveis que vêm das finanças, da economia e da crise social, há o risco de continuarmos com tudo isto… mais um nó cego na política. Não antes de eleições, o que se aceitaria. Mas, à saída delas – o que seria terrível. Outras eleições perdidas, não, obrigado!

Vejo diante de nós uma longa e difícil travessia - até podermos começar a ver luz ao fundo do túnel. Por agora, a única coisa que se vê é túnel ao fundo do túnel.



José Ribeiro e Castro
Deputado

JORNAL "I", 1.Abril.2011

Comentários

Mensagens populares