Povo vencedor
Falo da AD, a mítica Aliança Democrática. Todos dizem que é questão arrumada. Quero dar-lhe uma última tentativa.
A situação é tão dura e difícil que não devemos recusar o máximo. Aos que temos algum grau de responsabilidade Portugal pede o máximo que pudermos. Escrever e falar é, nesta altura, o meu máximo. E, diante dos indicadores e das perspectivas do lado das finanças e da economia, guia-me só isto: na resposta política a construir, Portugal obter menos do que o necessário é muito pouco. Só o máximo serve.
É sabido que acho mal que a clarificação política tenha sido arrastada até esta altura. Era tão evidente que íamos acabar nisto que discordo de não ter sido provocada há um ano, quando o OE 2010 comprovou o atoleiro e se iniciou o penoso calvário dos PEC. Mais tarde, por alturas do OE 2011, achei que o Presidente poderia ter intervindo. Se o tivesse feito nos termos que defendi, as presidenciais teriam tido conteúdo político – não teriam resvalado para a porcaria que ocupou o palco, à míngua de política, a sério, que se discutisse.
Não tenho dúvidas de que Cavaco Silva teria o apoio esmagador dos portugueses e o novo ciclo começaria logo aí. Isto pode obviamente ser disputado – e quase toda a gente aconselhou o Presidente, em fim de mandato, a fazer como fez, ou melhor, a não fazer como não fez. Maus conselhos.
No estado a que já tínhamos chegado, é, para mim, evidente que, se o Presidente, por exemplo, tivesse feito antes das eleições o discurso de 9 de Março e seguido na mesma onda, apontando caminho novo e sinalizando a esperança, teria o país em peso a seu lado. Na minha sensibilidade, ganharia com mais de 60%. As eleições teriam conhecido mobilização, intensidade, emoção, porque teriam tido objecto: a mudança.
Assim, aconteceu o que se comentou. Cavaco ganhou com larga vantagem, mas teve menos votos do que em 2006 e até menos votos do que quando perdeu para Sampaio em 1996. A abstenção foi superior a 50%. Houve muitos votos de puro protesto, como no candidato José Manuel Coelho. E a percentagem de votos brancos e nulos foi anormalmente elevada: 6,2%!
A legitimidade de Cavaco Silva não ficou minimamente diminuída. Mas a potência política das eleições foi desperdiçada. Como eu receava, as presidenciais passaram ao lado da necessidade nacional. A reeleição preservou as condições para a mudança ser possível – mas não desencadeou a mudança.
O sinal mais forte disto foi a ausência de povo vencedor: um eleito que ganha, à primeira volta, com mais de 50% e dá um capote eleitoral de 30 pontos de avanço para o segundo – mas, pela primeira vez, ninguém na rua a festejar com uma bandeira, nem uma só buzinadela no Marquês, em Lisboa, ou nos Aliados, no Porto. Podia haver sinal mais nítido de o novo ciclo ter sido adiado?
Agora, volta a equação. E esta questão do “povo vencedor” é decisiva. As próximas eleições poderão também ser perdidas, se não houver condições para esse “povo vencedor” surgir. Isso depende da AD, como antes dependeu de Cavaco.
As dificuldades são de tal ordem que o próximo governo só terá condições para as vencer se se apoiar numa maioria forte, alargada, directamente mandatada pelos portugueses. Precisamos da adesão popular, com entusiasmo e esperança, aos sacrifícios que são indispensáveis. Precisamos desse grau de confiança que só vem da base.
Quando toda a gente fala de “consenso alargado”, este não está numa pastosidade central redundando em nó cego. Só pode corresponder ao impulso que vem da cidadania investindo uma maioria alargada – exactamente como foi a AD.
Bem sei que há cálculos partidários: o PSD quer crescer sobre o CDS e o CDS espera capitalizar coerência sobre as ambiguidades do PSD. Mas também há riscos partidários dum e doutro. E sobretudo há o risco comum de ambos falharem a maioria. Ou o risco de obterem maioria mais fraca do que poderiam ter - e vai ser bem preciso!
Se, sem exclusivismos, nem limpezas étnicas, PSD e CDS mobilizarem a união de todas as suas gentes, eventualmente com independentes e pequenos partidos, federando listas conjuntas por uma Esperança e Alternativa P’rá Frente Portugal, com generosidade, convicção e patriotismo, a mudança estará apenas à distância de um voto. O eleitor vai decidir. Se não, oferecendo apenas mais do mesmo, o risco é grande de colhermos mais do mesmo.
Portugal vai precisar de um governo competente, que acerte ao primeiro PEC. E de condições políticas e sociais para esse primeiro PEC resultar: um PEC suficiente para, a um tempo, permitir-nos sobreviver, retirar-nos do buraco e pôr-nos outra vez a crescer. Isso só com uma maioria muito alargada e propósito claro. Teremos luz ao fundo do túnel e não apenas dois porteiros de capacete e lanterna à entrada do túnel.
Há certamente quem diga que é tarde. Nunca é tarde. Eu já fiz programas conjuntos em duas AD. Sei que podem fazer-se em tempo curto, assim haja uma dezena de ideias fundamentais – que existem. Haja confiança mútua, haja abertura patriótica, haja boa fé, haja bom espírito, haja instinto político – e a AD é possível.
É próprio dos povos só irem atrás de quem vai à frente. Que os que ganharem e tiverem a responsabilidade de governar não se queixem, depois, de não terem obtido as condições políticas e sociais que vão fazer falta.
Haja liderança e Portugal seguirá atrás. Não tenho sobre isso a mais pequena dúvida.
José Ribeiro e Castro
Deputado
JORNAL "I", 2.Abril.2011
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