Dia Mundial em Memória das Vítimas do Terrorismo


Senhora Presidente,
Senhoras e senhores deputados,


No domingo, passaram dez anos sobre a tragédia do 11 de Setembro.

Ninguém é indiferente à violência brutal dessa data, que enlutou não só os Estados Unidos da América, mas inúmeros países, de todos os continentes, que contaram vítimas entre os milhares de mortos desse trágico dia, em Nova Iorque, Washington e no Voo 93.

As cerimónias solenes nos locais e os inúmeros gestos que, por todo o mundo, incluindo Portugal, as ecoaram, não deixam dúvidas, nem pela sua tocante sensibilidade, nem pela sua profusão. O 11 de Setembro, que muitos presenciámos em directo pela televisão como se fosse irreal, mudou para sempre a escala do fenómeno do terrorismo. Tornou-o global na sua crueza atroz. E fez também global a compreensão instintiva da nossa pequenez diante dessa ameaça traiçoeira. É altura de fazer também global o esforço preventivo e solidário para a sua erradicação, a partir da memória permanente das vítimas deste flagelo.

Há dez anos, nos dias atordoados a seguir ao 11 de Setembro, sob a incredulidade emocionada do que tínhamos acabado de ver, e as televisões repetiam minuto a minuto, muitos ouvimos: “Somos todos nova-iorquinos. Somos todos americanos”. Muitos o afirmámos nós próprios. A solidariedade ecoou espontaneamente por todo o lado, no repúdio frontal do horror, na dor pelos milhares que perderam a vida.

Está na hora de fazer instituir o Dia Mundial em Memória das Vítimas do Terrorismo, como consta do projecto de Resolução que o CDS apresenta hoje.



Já havia terrorismo antes do 11 de Setembro e continuou a haver depois. Mas há diferenças sensíveis. Nos factos e na nossa percepção. Antes, os atentados, que eram em menor número absoluto, pareciam ser apenas nalgum lugar distante. Depois, qualquer atentado nos parece aqui ao lado, sobretudo os mais brutais – e tem havido tantos.

As novas tecnologias tornaram tudo mais próximo. A televisão transmite em directo muitos ataques ou o seu rescaldo imediato. Vimos os que se lançaram das Torres Gémeas para se esmagarem no solo. Ouvimos as chamadas de esperança ou de desespero pelos telemóveis. Às vezes, escutamos as vozes de soterrados que chamam por nós. Trocamos SMS ou emails com vítimas prestes a morrer – ou a serem salvas. Escutamos apelos de ansiedade em directo dos perseguidos por terroristas em corredores e quartos de hotel. Ainda custa acreditar nas gravações das chamadas dos jovens caçados a frio na ilha de Utoya.

Numa tentativa de cronologia mundial dos actos terroristas que consultei, impressionou-me um facto. A cronologia regista somente 4 incidentes em todo o mundo no século XIX. Depois, 17 incidentes em todo o século XX até ao ano de 1969. A partir de 1970, passa a registar os atentados, ano a ano - nem sequer década a década. De 1970 a 1999, os incidentes raramente ultrapassam, ainda assim, a cifra de uma a duas dezenas por cada ano. A partir do ano 2000, a estatística intensifica-se e os atentados passam a mais de duas ou três dezenas por ano e, frequentemente, a centenas por ano. Em 2011, até ontem, a cronologia registava já 133 incidentes terroristas em todo o mundo. Em 2010, tinha registado 104.

O terrorismo está longe de ser uma ameaça erradicada. Neste domingo, pudemos ouvir também a renovação das pragas da Al-Qaeda. O extremista norueguês de Oslo e da ilha de Utoya ainda não nos saiu da memória. Em qualquer parte do mundo onde mora uma fagulha de fanatismo cego, sabemos, hoje, que o terror pode morar aí e atacar a qualquer hora, onde menos se espere, da forma menos plausível. Pode ser qualquer de nós. Basta estar no sítio errado momento errado.

O risco alastrou. Há mais segurança – e muitas ameaças foram travadas a tempo. Sabemos isso. Mas os estorvos gerados a todos pelas crescentes exigências de segurança foram banalizando uma certa cultura do medo ou, ao menos, da ameaça sempre pendente. O aperto contínuo dos sistemas de segurança suscita acesos debates sobre quebra de direitos fundamentais. De tal forma que não podemos ignorar como o terrorismo contemporâneo se tornou questão central de Direitos Humanos: não só quando se trata de limites aos indispensáveis sistemas de segurança, mas sobretudo nas incontáveis vítimas que mata e fere, nos milhões de cidadãos que progressivamente foi subordinando à servidão do medo, nos incómodos que provoca às dezenas de milhões que todos os dias viajam e todos os dias são revistados, apalpados, radiografados nos aeroportos de todo o mundo e nas centenas de milhões que, sem sequer saberem, consta que, todos os dias, são escutados ou discretamente espiados pela electrónica. Admirável mundo novo!

Enquanto não for erradicado, este novo terrorismo global que também aprendeu o brocardo “think globally, act locally”, não é só que não teremos segurança. É mais do que isso: não voltaremos a ter liberdade. Para não termos um terrorista a ameaçar-nos, teremos sempre um polícia a vigiar-nos. É esse o preço contemporâneo que pagamos.



Para erradicar a ameaça, é fundamental a sua total ilegitimação, sem tréguas de discurso, nem concessões ideológicas de qualquer tipo. E para isso é crucial, é absolutamente central, a memória concreta das vítimas, a sua imagem, o seu rosto, o seu nome, a sua história pessoal – não apenas o seu número fugaz. O terrorismo não é uma questão de estatística, mas de humanidade – de falta de humanidade. E só o derrotaremos quando o deixarmos totalmente exposto contra os rostos concretos dos milhões de nós que mata, fere e ameaça.

A 11 de Março de 2004, o Parlamento Europeu propôs a instituição do Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo. Fui o autor dessa proposta, que originalmente apontava para o 11 de Setembro. A coincidência de a votação ocorrer no exacto dia dos atentados de Madrid levou-me, com outros colegas, a mudar a data proposta para 11 de Março, o que foi aprovado e, dias depois, o Conselho Europeu consagrou. Há meses, a Assembleia da República aprovou por unanimidade um voto proposto pelo CDS neste espírito, assinalando o 7º Dia Europeu. E há países que celebram o seu próprio Dia Nacional em Memória das Vítimas do Terrorismo, como Israel, com o seu “Yom Hazikaron” (no 4º dia do mês Iyar do calendário hebraico), ou o Canadá, a 23 de Junho, lembrando os 329 mortos do Voo 182 da Air India, em 1985. Mas há uma parte da Resolução do Parlamento Europeu que ainda não foi cumprida: a que recomendava diligências concertadas para instituição pelas Nações Unidas de um Dia Mundial em Memória das Vítimas do Terrorismo.

É essa iniciativa que o CDS hoje retoma, recomendando ao Governo que assuma essa ideia e, estando Portugal hoje entre os membros do Conselho de Segurança, saiba empreender as diligências diplomáticas adequadas a dar continuidade àquele impulso inicial do Parlamento Europeu em 2004.

Essa data não tem que ser o 11 de Setembro. Também não tem que ser o 11 de Março, que a União Europeia assinala como Dia Europeu. Não tem que ser, ainda, o 7 de Julho, dia dos atentados no Metro de Londres em 2005. Infelizmente, temos muitas datas que poderão ser evocadas como marco central da memória pelas vítimas do terrorismo e que serão susceptíveis de gerar o consenso mais alargado na comunidade das Nações e na Assembleia Geral das Nações Unidas. Lembro, por exemplo, o 12 de Outubro dos sangrentos atentados bombistas em Bali, em 2002, ou o 26 de Novembro do inimaginável ataque armado de Mumbai, contra o Hotel Taj-Mahal e outros edifícios, em 2008.

O fundamental é que essa data seja fixada e passe a unir, todos os anos, todo o mundo, pelas vítimas, contra o terrorismo. Pela paz e pela nossa liberdade.



José Ribeiro e Castro
Deputado

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 15.Setembro.2011
Declaração política

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