Não à eliminação do 1º de Dezembro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Proposta de lei n.º 46/XII
Proposta de lei n.º 46/XII
Votei contra a proposta de lei n.º 46/XII, em votação final global, por não poder aceitar o regime que aí ficou estabelecido em matéria de feriados, em termos que reputo absolutamente fundamentais quanto ao conteúdo e quanto à forma. Considero que se assistiu a um momento legislativo particularmente deplorável.
Não aceito a eliminação do feriado nacional do 1º de Dezembro que se contém na proposta de lei. E não me conformo com o facto incontornável de esse banimento, diluído no meio de dezenas de outras alterações ao Código do Trabalho, constituir uma violência contra o espírito de Portugal e atingir, sem justificação e de modo desproporcionado, valores fundamentais da vida colectiva.
Procurando ser sintético, destaco cinco planos, de substância e de processo, que justificam a minha rejeição e o carácter fundamental que atribuo à questão, levando-me a votar contra toda a proposta de lei no seu globo.
Primeiro plano: Alguns feriados são fundamentais. E, entre estes – o primeiro, aliás, de todos eles –, está certamente o feriado que celebra o valor mais elevado e mais fundamental da nossa vida colectiva, da nossa vida nacional: o valor da nossa própria independência nacional, da nossa própria existência como Nação, livre e soberana. Por isso, o feriado do 1º de Dezembro, resultante do clamor da sociedade portuguesa, estabelecido há mais de um século e pacificamente mantido através de diferentes regimes, não pode ser banido: voto contra qualquer acto que preveja e inclua esse apagamento, inaceitável.
Segundo plano: O Código do Trabalho é um instrumento completamente inidóneo para operar esta violência contra datas nacionais. Em bom rigor, não votei contra a revisão do Código do Trabalho. Votei contra o abuso, a manipulação e a instrumentalização do Código do Trabalho para produzir a eliminação do calendário oficial de Portugal de datas históricas da maior importância e do mais alto significado simbólico.
Não é do escopo do Código do Trabalho (e escapa inteiramente à competência da concertação social) determinar se o 5 de Outubro ou o 1º de Dezembro devem ser, ou não ser, feriados. A que título? Tal como não cabe obviamente a estes quadros e instâncias definir se o 25 de Abril ou o 10 de Junho devem ser, ou não ser, feriados. O único feriado sobre cuja existência patrões e sindicatos poderiam ter discutido e onde a supremacia da legislação do trabalho poderia ser admitida seria o 1º de Maio; mas não consta que isso tenha sido feito. Todas as outras datas-feriado não são da competência da legislação de trabalho e, mercê da sua carga simbólica e representativa, a sua instituição e existência decorre de quadros de consenso e decisão social, cultural e política muito mais vastos e profundos do que aqueles que presidem ao regime laboral e suas revisões.
Aqui, há um ponto que traduz talvez menos cuidado na preparação desta proposta de lei. No nosso Direito de Trabalho, o regime dos feriados não foi sempre igual – bem pelo contrário. Nomeadamente, alturas houve em que alguns feriados nacionais não gozavam da garantia e do regime que, numa fórmula algo clássica, consta, hoje, do artigo 236º, n.º 1 do Código do Trabalho: «Nos dias considerados como feriado obrigatório, têm de encerrar ou suspender a laboração todas as actividades que não sejam permitidas aos domingos.» Por exemplo, quando, jovem estudante de Direito, estudei Direito de Trabalho em 1973, este regime só se aplicava ao 10 de Junho, de entre os feriados civis, não cabendo essa mesma garantia aos 5 de Outubro e 1 de Dezembro. Este ângulo do problema e outros similares que se prendem (note-se) não com a existência dos feriados em si mesmos, mas unicamente com o respectivo regime jurídico-laboral, têm conhecido variações depois do 25 de Abril. Há ainda, nas leis actuais, restos das diferenças no regime de feriados, pontes e tolerâncias de ponto, entre o Estado e o sector privado, o qual dispõe de regulamentação específica concertada no âmbito das convenções colectivas.
O Código do Trabalho seria instrumento apropriado para regular essa questão, se o quisesse: isto é, não banir feriados, mas unicamente eliminar (ou suspender temporariamente) o regime-garantia do artigo 236º, n.º 1, quanto a alguns deles. A concertação social seria inteiramente competente para o discutir e acordar; e, com isso, o efeito económico e social seria igualmente atingido – esses feriados seriam dia laboral –, mas não se lesaria as próprias datas nacionais e os valores que guardam e celebram. Por alguma razão não se foi por aí, como seria possível. Preferiu – mal – seguir-se por caminhos ilegítimos e inadequados à luz da razão histórica e política mais profunda.
Poderia talvez arguir-se que uma tal sugestão levantaria susceptibilidades por regressar, ainda que parcialmente e de modo limitado, ao regime de 1973, no tocante àquele traço geral do Código: feriado igual a domingo. Mas, sem defender qualquer linha, sempre comentarei que considero bem pior ter-se regressado não a 1973, mas… a 1909! A eliminação dos feriados do 1 de Dezembro e do 5 de Outubro é isso que representa: voltámos a 1909.
Terceiro plano: A questão dos feriados foi tratada com uma exuberante e persistente falta de diálogo, exactamente ao contrário do que devia ter sucedido. Foi feita concertação social com confederações patronais e sindicais e concertação diplomático-religiosa. Mas não foi feita qualquer concertação política, nem cultural, nem social no sentido amplo da sociedade portuguesa, quanto a datas históricas do maior significado e à hierarquização relativa dos feriados e sua celebração. Ora, atentos os valores colectivos em questão e o seu registo histórico, esse diálogo tinha de ser feito.
Não foi feito diálogo dentro da maioria; não foi feito diálogo dentro dos partidos da maioria; não foi feito diálogo entre partidos, nem do arco governamental, nem do arco parlamentar; mais que isso, não foi feito diálogo com academias, com instituições culturais, com embaixadores, com militares, com historiadores e professores de História, com Universidades, com centros republicanos e agremiações monárquicas, com outros pólos de cidadania e do património moral e cultural da Nação, sedes vivas da nossa memória colectiva. Tendo de tratar de valores e símbolos do mais precioso que a memória nacional pode ter e deve guardar, não se falou e não se quis falar com ninguém: “carregar pela boca” foi a palavra de ordem. Não pode ser.
Este facto é o que fica a marcar a efemeridade deste atropelo legislativo. Como já previ, bastará a mudança de ciclo político – ou até talvez antes – para serem repostos feriados tão atrabiliariamente banidos. Portugal – e a nossa economia – mereciam melhor: decisões mais sólidas, mais consistente, mais duradouras.
Trancou-se e foi bloqueado o espaço para discussão, ponderação e eventual adopção de melhores alternativas que fossem ao encontro das preocupações macro-económicas do Governo.
À cabeça de quaisquer outras propostas, como repetidamente chamei a atenção, estaria a da rigorosa disciplina das pontes, acabando com estas – e por boas razões se o faria: primeiro, é o que já está previsto no Código do Trabalho (artigo 234º, n.º 3), faltando apenas acionar o mecanismo; segundo, é o que consta do Manifesto Eleitoral do CDS, com que fui eleito; terceiro, é o que está escrito no próprio Programa do XIX Governo Constitucional. Surpreendentemente, porém, o acordo de concertação social, assinado em Janeiro passado, bloqueou esta possibilidade e carece de ser revisto para a reabrir, como deve poder ser.
E, quanto a propostas que apresentei, já encarando a possível mexida no modo de celebração de feriados (por exemplo: a deslocação do 10 de Junho para o segundo domingo de Junho; ou a necessidade de resolver a questão do Carnaval; ou a possibilidade de afinar a comemoração dos feriados municipais) e quaisquer outras que pudessem também ser pensadas, não houve a menor abertura, a menor disponibilidade, o menor aceno ou esboço de diálogo.
O mais nítido e exuberante sinal deste contra-diálogo chegou no último dia do debate e votações na especialidade: anunciado um acordo com o Vaticano de que o Governo retirou a consequência imediata de reservar apenas para 2013 a efectividade das decisões sobre todos os feriados a eliminar, dir-se-ia que se abria finalmente tempo e oportunidade para o diálogo que nunca houvera. Nada disso! Apesar de o primeiro feriado a eliminar ocorrer concretamente apenas daqui a mais de um ano de distância (30 de Maio de 2013, data em que calharia a Quinta-Feira Corpo de Deus), o tempo ganho foi logo de novo perdido. E a imposição da lei veio trancar outra vez o diálogo possível, jogando fora a folgada oportunidade que, aos olhos de todos, se abriu.
Porquê? Porquê a pressa na tranca? Porquê insistir em poluir – e por esta forma tão má – a alteração do Código de Trabalho com uma questão fora de tempo? Não foi explicado. Creio mesmo que é inexplicável e injustificável, isto é, insusceptível de ser explicado e insusceptível de ser justificado.
Quarto plano: A decisão legislativa dos deputados da Assembleia da República sobre eliminação de feriados não poderia ser tomada, sem que anteriormente fosse conhecido e publicado o novo acordo celebrado com a Santa Sé que permita desconsiderar o regime do artigo 30º da Concordata – é este que está plenamente em vigor, nos termos e por efeito do disposto no artigo 8º, n.º 2 da Constituição. Esta questão, que suscitei e continuarei a suscitar por instrumentos autónomos, aconselhava, no mínimo, a que sobrestivéssemos quanto a esta matéria, evitando insistir em novas precipitações que só podem ferir a consistência e a credibilidade do processo legislativo. Sobretudo não se entende de todo esta pressa e a arriscada precipitação jurídico-formal em que se incorreu, quando haveria mais de um ano para legislar sem atropelos de qualquer espécie, fossem de forma ou de substância.
Quinto plano: Não pode fechar-se os olhos e fingir indiferença perante a flagrante diferença, que não é de somenos, entre a dita “suspensão” de feriados, que foi comunicada à última hora, e a efectiva eliminação de quatro feriados (Corpo de Deus, 5 de Outubro, Todos-os-Santos e 1 de Dezembro), que figura no texto da lei votado e aprovado. É, aliás, totalmente deslocado entrar em especulações, promessas ou previsões sobre a eventual reposição destes feriados dentro de cinco anos ou noutra data qualquer. Essa decisão não depende de todo do actual quadro parlamentar e governativo, que é o único que ora importa e cabe considerar no momento de votar.
Se, em 2017 ou 2018, ou antes ainda, os feriados extintos vão, ou não, ser restaurados, é um facto que dependerá unicamente do quadro parlamentar e governativo emergente das eleições legislativas de 2015. A minha previsão é a de que assim será, pelo menos, quanto ao 1 de Dezembro e 5 de Outubro e provavelmente também o 1 de Novembro – mas porque pessoas e instituições, de modo inconformado e persistente, lutam contra a sua eliminação e pela sua reposição.
Hoje por hoje, se Governo e maioria queriam vincular esse facto e a reapreciação obrigatória dessa matéria dentro de cinco anos, deveriam ter escrito, quanto aos feriados alvejados, a palavra “suspensão”, em vez de “eliminação”; e deveriam ter inscrito a obrigação legal de reapreciação da matéria dentro de cinco anos. Ora, não foi nada disso que aconteceu. E é também muito lamentável, a diversos títulos, que não houvesse essa clareza, essa coerência, essa seriedade.
Nas demais votações na especialidade, avocadas a plenário:
Não foi feito diálogo dentro da maioria; não foi feito diálogo dentro dos partidos da maioria; não foi feito diálogo entre partidos, nem do arco governamental, nem do arco parlamentar; mais que isso, não foi feito diálogo com academias, com instituições culturais, com embaixadores, com militares, com historiadores e professores de História, com Universidades, com centros republicanos e agremiações monárquicas, com outros pólos de cidadania e do património moral e cultural da Nação, sedes vivas da nossa memória colectiva. Tendo de tratar de valores e símbolos do mais precioso que a memória nacional pode ter e deve guardar, não se falou e não se quis falar com ninguém: “carregar pela boca” foi a palavra de ordem. Não pode ser.
Este facto é o que fica a marcar a efemeridade deste atropelo legislativo. Como já previ, bastará a mudança de ciclo político – ou até talvez antes – para serem repostos feriados tão atrabiliariamente banidos. Portugal – e a nossa economia – mereciam melhor: decisões mais sólidas, mais consistente, mais duradouras.
Trancou-se e foi bloqueado o espaço para discussão, ponderação e eventual adopção de melhores alternativas que fossem ao encontro das preocupações macro-económicas do Governo.
À cabeça de quaisquer outras propostas, como repetidamente chamei a atenção, estaria a da rigorosa disciplina das pontes, acabando com estas – e por boas razões se o faria: primeiro, é o que já está previsto no Código do Trabalho (artigo 234º, n.º 3), faltando apenas acionar o mecanismo; segundo, é o que consta do Manifesto Eleitoral do CDS, com que fui eleito; terceiro, é o que está escrito no próprio Programa do XIX Governo Constitucional. Surpreendentemente, porém, o acordo de concertação social, assinado em Janeiro passado, bloqueou esta possibilidade e carece de ser revisto para a reabrir, como deve poder ser.
E, quanto a propostas que apresentei, já encarando a possível mexida no modo de celebração de feriados (por exemplo: a deslocação do 10 de Junho para o segundo domingo de Junho; ou a necessidade de resolver a questão do Carnaval; ou a possibilidade de afinar a comemoração dos feriados municipais) e quaisquer outras que pudessem também ser pensadas, não houve a menor abertura, a menor disponibilidade, o menor aceno ou esboço de diálogo.
O mais nítido e exuberante sinal deste contra-diálogo chegou no último dia do debate e votações na especialidade: anunciado um acordo com o Vaticano de que o Governo retirou a consequência imediata de reservar apenas para 2013 a efectividade das decisões sobre todos os feriados a eliminar, dir-se-ia que se abria finalmente tempo e oportunidade para o diálogo que nunca houvera. Nada disso! Apesar de o primeiro feriado a eliminar ocorrer concretamente apenas daqui a mais de um ano de distância (30 de Maio de 2013, data em que calharia a Quinta-Feira Corpo de Deus), o tempo ganho foi logo de novo perdido. E a imposição da lei veio trancar outra vez o diálogo possível, jogando fora a folgada oportunidade que, aos olhos de todos, se abriu.
Porquê? Porquê a pressa na tranca? Porquê insistir em poluir – e por esta forma tão má – a alteração do Código de Trabalho com uma questão fora de tempo? Não foi explicado. Creio mesmo que é inexplicável e injustificável, isto é, insusceptível de ser explicado e insusceptível de ser justificado.
Quarto plano: A decisão legislativa dos deputados da Assembleia da República sobre eliminação de feriados não poderia ser tomada, sem que anteriormente fosse conhecido e publicado o novo acordo celebrado com a Santa Sé que permita desconsiderar o regime do artigo 30º da Concordata – é este que está plenamente em vigor, nos termos e por efeito do disposto no artigo 8º, n.º 2 da Constituição. Esta questão, que suscitei e continuarei a suscitar por instrumentos autónomos, aconselhava, no mínimo, a que sobrestivéssemos quanto a esta matéria, evitando insistir em novas precipitações que só podem ferir a consistência e a credibilidade do processo legislativo. Sobretudo não se entende de todo esta pressa e a arriscada precipitação jurídico-formal em que se incorreu, quando haveria mais de um ano para legislar sem atropelos de qualquer espécie, fossem de forma ou de substância.
Quinto plano: Não pode fechar-se os olhos e fingir indiferença perante a flagrante diferença, que não é de somenos, entre a dita “suspensão” de feriados, que foi comunicada à última hora, e a efectiva eliminação de quatro feriados (Corpo de Deus, 5 de Outubro, Todos-os-Santos e 1 de Dezembro), que figura no texto da lei votado e aprovado. É, aliás, totalmente deslocado entrar em especulações, promessas ou previsões sobre a eventual reposição destes feriados dentro de cinco anos ou noutra data qualquer. Essa decisão não depende de todo do actual quadro parlamentar e governativo, que é o único que ora importa e cabe considerar no momento de votar.
Se, em 2017 ou 2018, ou antes ainda, os feriados extintos vão, ou não, ser restaurados, é um facto que dependerá unicamente do quadro parlamentar e governativo emergente das eleições legislativas de 2015. A minha previsão é a de que assim será, pelo menos, quanto ao 1 de Dezembro e 5 de Outubro e provavelmente também o 1 de Novembro – mas porque pessoas e instituições, de modo inconformado e persistente, lutam contra a sua eliminação e pela sua reposição.
Hoje por hoje, se Governo e maioria queriam vincular esse facto e a reapreciação obrigatória dessa matéria dentro de cinco anos, deveriam ter escrito, quanto aos feriados alvejados, a palavra “suspensão”, em vez de “eliminação”; e deveriam ter inscrito a obrigação legal de reapreciação da matéria dentro de cinco anos. Ora, não foi nada disso que aconteceu. E é também muito lamentável, a diversos títulos, que não houvesse essa clareza, essa coerência, essa seriedade.
Nas demais votações na especialidade, avocadas a plenário:
- Votei a favor da Proposta 1P (BE) e 17P (PS), que eliminavam os cortes no elenco dos feriados obrigatórios arrolados no artigo 234º do Código do Trabalho, assim como, similarmente, votei contra a alteração deste artigo e os cortes propostos pela PPL.
- Votei contra as Propostas 8P (PCP) e 9P (PCP), que, respectivamente, aditava o Carnaval ao elenco dos feriados obrigatórios e eliminava a possibilidade de eliminação das pontes, através do uso das segundas-feiras para o gozo de feriados.
- Abstive-me na Proposta 5P (BE), que apagava o artigo 9º da PPL, em razão de não concordar com a eliminação de quatro feriados aí mencionada, mas concordar com que este facto, emergente da modificação do artigo 234º do Código do Trabalho, só entre em vigor em 2013.
No mais, votei com o meu Grupo Parlamentar sem observações.
(Nota: declaração de voto apresentada após ter votado, na votação final global, contra a alteração do Código de Trabalho que eliminou quatro feriados, entre os quais o feriado nacional do 1º de Dezembro, divergindo do voto favorável de CDS e PSD. A votação incluiu também algumas votações na especialidade.)
José Ribeiro e Castro
Deputado
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 11.Maio.2012
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