OE 2013 - e se o PS descesse à terra?


Na ponderação do Orçamento do Estado (OE) para 2013, há quatro questões principais que um partido responsável não pode deixar de ter presente. Mais ainda no caso do Partido Socialista, que governou em 13 dos 16 anos do ciclo 1995/2011.


1. A primeira questão é este ser o segundo OE do Memorando com a troika. Se era para desistir já e romper, o melhor era não ter assinado o memorando há um ano, tanto mais que as críticas que hoje se fazem são as mesmas que já há um ano ecoavam - havendo melhor alternativa, é claro.

O memorando fixa metas (a ir atingindo) e medidas (para procurar atingi-las); e definiu um regime de avaliações trimestrais que, após a primeira avaliação no 3.º trimestre de 2011, «irão avaliar o cumprimento das medidas a ser implementadas até ao final do trimestre anterior. Se os objectivos não forem cumpridos ou for expectável o seu não-cumprimento, serão adoptadas medidas adicionais.» Ou seja, a vinculação substantiva do Estado português é para, exercício a exercício, atingir determinadas metas de consolidação orçamental, e não unicamente, nem sequer principalmente, implementar um dado elenco de medidas.

Este OE 2013 inscreve-se exactamente aqui; e é o resultado da quinta avaliação trimestral.


2. A segunda questão é o memorando, com aquela precisa redacção, ter sido negociado directamente pelo Governo PS, partido que não pode deixar de se lembrar tanto da situação a que conduziu o país como das obrigações internacionais que, na iminência da bancarrota, fez Portugal contrair - e se mantêm.

O memorando foi endossado por PSD e CDS-PP, que assumiram também a responsabilidade de o cumprirem. E, ainda que PCP e BE possam não dar-se conta disso, a verdade é que o memorando também os condiciona, porquanto contém obrigações externas do Estado português a que ninguém pode eximir-se, limitando a liberdade de disposição soberana.

Dito isto: pode falhar-se? Pode. Pode querer fugir-se? Pode. Pode querer violar-se e incumprir? Pode. Mas tudo teria as suas consequências; e pesadas. A obrigação de cumprir existe e é para todos: para quem o negociou; para quem o endossou; e também para quem não o acompanhou.

Pode existir a tentação de fugir, não dar a cara, buscar popularidade fácil, mesmo quando à custa da miséria alheia. Mas as obrigações contraídas são obrigações contratadas por todo o país em contrapartida do financiamento extraordinário de 78 mil milhões de euros que nos poupou - a todos! - ao precipício imediato da bancarrota logo em Junho de 2011.


3. A terceira questão tem a ver com a música de fundo, sinfonia de muitos violinos e cornetas, e com a realidade simples e objectiva de um qualquer Orçamento do Estado em qualquer ocasião e conjuntura. Explico: há a senhora Lagarde e o sábio Blanchard, há o FMI, o BCE e a Comissão, há o PIB e suas variadas percentagens para este ou aquele efeito analítico, há as grandes variáveis macroeconómicas "XPTO", há as recomendações, conselhos ou meros palpites de inúmeros comentadores e vários doutores encartados ou de ocasião, há a intrincada crise do euro e todas incertezas internacionais, há mais isto e também aqueloutro - há tudo isso, sobre que apreciamos meditar, discutir e filosofar. Mas, descendo à terra, à realidade que é, este OE não deixa de ser o que é, afinal de contas, um qualquer Orçamento do Estado: uma autorização de despesa e uma autorização de receita, ponto final.

Aí, das duas, uma: ou há propostas e condições para, nos fundamentais, se autorizar uma despesa e uma receita muito diferentes das que constam da proposta do Governo, ou toda a contradita é retórica inconsequente, demagogia enganosa. É assim que acontece: nos fundamentais, a proposta de OE 2013 não conheceu alternativa, nem tem sensível margem de manobra, de tão estreito ser o desfiladeiro em que o país foi - e está - entalado.


4. A quarta questão é o que efectivamente limita, senão destrói, a nossa liberdade de decidir. Tem-se falado demasiado da troika. Mas não é a troika que nos limita a liberdade. O que limita a nossa decisão soberana é a terrível dívida colossal que fomos acumulando, atingindo já quase 120% do PIB - e ipso facto a incapacidade de nos financiarmos livre e suficientemente nos mercados.

A dívida pública era já de 86 mil milhões de euros em 2004, o que, atentos os critérios de Maastricht, em cima dos 60% do PIB, impunha travões às quatro rodas e inversão de marcha. Mas os Governos PS não cuidaram; e, em seis anos apenas, a dívida disparou para o dobro, atingindo os 185 mil milhões de euros em 2011 e ultrapassando, largo, os 100% do PIB. Quando em Abril/Maio de 2011 tivemos de chamar a troika para nos socorrer da bancarrota, confessámos a falta de liberdade; e fizemos Portugal reconhecer aquela incapacidade de se prover a si próprio que é inerente a todos os insolventes, sejam indivíduos ou Estados. O que essa situação afixou, no culminar de uma penosa degradação - primeiro, de fuga em frente em fuga em frente; depois, de PEC em PEC, numa derrapagem decadente pontuada pelas agências de rating - é o mesmo, afinal, que vemos por aí nos estabelecimentos populares: "Queres fiado? Toma!"

Importa tê-lo bem presente, para não nos enganarmos de realidade à boleia dos discursos anti-troika e da irresponsabilidade que sobrevive e resiste. A troika podia ir-se embora que o nosso problema permaneceria, inescapável - e ficaria pior. O nosso problema efectivo é a dívida. Se rompêssemos com a assistência da troika, ficaríamos com o problema real da dívida em carne viva, tendo não só que continuar a consolidação orçamental a frio (como o PS nos fez acontecer), mas que agir completamente às cegas e à bruta no estoiro da falência e sob a penúria total da bancarrota.

Pode o PS descer à terra? E fazer o obséquio de ter um discurso e uma acção coerentes com as suas responsabilidades e com a realidade objectiva do país?.

José Ribeiro e Castro
Deputado

PÚBLICO, 16.Novembro.2012

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