Contra a liberalização do jogo "on-line"
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votação na generalidade da Proposta de Lei n.º 238/XII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico da exploração e prática do jogo “on-line”
(votação na generalidade)
(votação na generalidade)
Votei contra a Proposta de Lei n.º 238/XII na generalidade por considerar que não responde adequadamente às preocupações correctas que estão expressas na respectiva Exposição de Motivos.
Na verdade, as portas abertas pela proposta de lei não permitem ter segurança quanto a este ser o caminho para «combater o jogo ilegal, propiciador de actividades fraudulentas e, eventualmente, associadas a actividades de branqueamento de capitais, permitindo, simultaneamente, potenciar a redução das desigualdades sociais»; nem que se vai «assegurar a integridade, fiabilidade e transparência das operações de jogo, proteger os direitos dos menores e assegurar a protecção dos jogadores, bem como delimitar e enquadrar a oferta e o consumo e controlar a sua exploração, garantindo a segurança e a ordem pública e prevenindo o jogo excessivo e desregulado e comportamentos e práticas adictivas.»
Em geral, o novo regime propugnado aponta para o rompimento com a política de jogo que tem sido, estável e longamente, seguida em Portugal, a qual figura, ainda hoje, em lugar de honra entre as melhores práticas europeias, a par doutros países do nosso Continente que seguem princípios semelhantes. Ao invés, o regime futuro que pode antever-se, se não for reorientado no sentido, ao menos, daqueles modelos que estudos prévios identificaram como o figurino controlado e restritivo, poderá encaminhar-nos irreversivelmente para as piores práticas europeias, com graves danos sociais e severo prejuízo para o interesse público.
Tudo depende obviamente do desenvolvimento concreto da regulamentação, que importaria melhorar de forma muito substancial ainda neste quadro prospectivo.
Acresce que muitas das cautelas e limitações que sobraram nas propostas do novo regime – e que traduzem preocupações e propósitos muito positivos, que, aí, inteiramente acompanho – são, todavia, de sustentabilidade muito duvidosa. Com efeito, conhecidos que são os tratados e a jurisprudência dos tribunais europeus, o equilíbrio crítico desta matéria face ao Direito Comunitário conduzirá facilmente ao seu derrube, ponto por ponto, a partir do momento em que o Estado português tenha, pelo novo regime, abandonado aquela impecável e coerente posição de princípio em matéria de restrições ditadas por fundamentos de ordem pública e de interesse geral. O mesmo se diga quanto à aparente desigualdade nos tratamentos tributários, que poderá vir a forçar evoluções sempre desfavoráveis para o interesse público e as receitas do Estado.
Creio também que esta autorização legislativa nunca deveria sair aprovada da Assembleia da República, antes de, ao menos, ter sido dada resposta cabal, ponto por ponto, às mais sérias preocupações manifestadas nos pareceres que nos foram recentemente enviados, nomeadamente, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e pelo Comité Olímpico de Portugal, pareceres esses que deveriam ser esmiuçados e detidamente aprofundados, em lugar de apenas lidos e arquivados. Este tratamento mais cuidado da matéria não pôde acontecer no hiper-acelerado processo legislativo com que fomos surpreendidos de supetão e que é completamente inadequado a uma proposta reforma de tamanha envergadura e com impactos potenciais tão significativos.
Preocupa-me, em especial, o dano que, numa imaginável derrapagem de declínio ano após ano, possa vir a provocar-se à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e à obra social que conduz, bem como a tantos outros programas sociais que, em todo o país, no âmbito de diferentes ministérios, são actualmente financiados pelas receitas proporcionadas pelo exclusivo dos jogos que aquela tem titulado e gerido no interesse geral do país.
Preocupa-me também que possa desvalorizar-se nalgum momento o perigo que o jogo “on-line” sempre representa em matéria de adicção e de criminalidade económica e financeira (ou outra associada); e, nessa sequência, que o regime concreto a estabelecer venha a afastar-se um milímetro que seja daqueles modelos mais rigorosos, restritivos e controlados que alguns países europeus adoptaram, ao regulá-lo.
Preocupa-me ainda o regime de publicidade e o da idoneidade dos operadores, não podendo transigir-se com qualquer tipo de “benefício ao infractor”, para usar uma linguagem desportiva; e, bem assim, que não esteja prevista a reposição e o reforço da autoridade do departamento que sucedeu à antiga Inspecção-Geral de Jogos, fortalecendo a sua independência face a quaisquer outros interesses de operação, neste contexto de alargamento assinalável da oferta de jogo em Portugal e garantindo, assim, a sua maior capacidade quer de acção própria, quer de cooperação com outras entidades estatais com competências nas áreas tributária e de prevenção e investigação. Receio que o «quadro sancionatório sólido e eficaz», muito bem recomendado pela Exposição de Motivos, não venha a ser nem uma coisa, nem outra, sendo certo que esta é uma área em que mais importa a prevenção, o impedimento e a dissuasão do que a mera repressão punitiva, por muito severas que aparentem ser as sanções.
Olhando a outras ocasiões em que, na minha actividade política, tive que ocupar-me desta matéria da política do jogo, não posso deixar de referir que sinto, hoje, de forma particularmente viva, a falta da deputada Maria José Nogueira Pinto, que foi também, entre outras funções públicas, Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Se ainda estivesse connosco na Assembleia da República, acredito que, hoje, haveria, pelo menos, dois votos contra nas bancadas da maioria.
Resta-me a esperança nas declarações e na determinação dos governantes de que todos estes receios são infundados. Oxalá!
Este meu voto contra é, nessa perspectiva, um investimento crítico, no sentido de contribuir para que o regime concreto a regulamentar e implementar não rompa com a bem inspirada experiência portuguesa que tão bons resultados tem dado. E não se afaste da experiência daqueles outros países europeus que partilham os mesmos princípios fundamentais e cautelas e têm sabido tratar os modernos desafios, mantendo o controlo, a disciplina e a rigorosa protecção do interesse público numa matéria tão importante quanto sensível.
José Ribeiro e Castro
Deputado
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, 25.Julho.2014
Comentários
Enviar um comentário