São Tomé, à porta do futuro
Para quem acompanha estas coisas, não pode passar despercebido que, entre os países africanos, aqueles que apresentam os mais destacados índices de boa governação são países insulares. Fazem-no solidamente: não é acaso pontual, mas constatação duradoura. O Índice Ibrahim de Governação Africana (IIAG), da prestigiada Fundação Mo Ibrahim, coloca à cabeça as Maurícias e a pérola da lusofonia que é Cabo Verde, à frente dos melhores países continentais (Botsuana e África do Sul); e são ainda outras ilhas, as Seicheles, que aparecem em 5.º lugar, acima das outras estrelas do continente africano (Namíbia e Gana).
A mesma constatação colhemos da análise dos quadros mais complexos que, para todo o mundo, são estabelecidos pelo Banco Mundial. Nos Worlwide Governance Indicators, na generalidade dos indicadores e sobretudo na ponderação agregada, também as ilhas mais destacadas em África (Maurícias e Cabo Verde) saem geralmente acima das estrelas continentais (Botsuana e África do Sul) na comparação com elas.
Dito de outro modo, a condição de ilhas que, em razão da insularidade e da periferia, costuma ser um handicap, surge, hoje, no continente africano como clara vantagem, por razões e circunstâncias que é intuitivo compreender, sem necessidade de entrar em análises muito elaboradas. É uma janela de oportunidade, que durará porventura mais 20 a 30 anos: à medida que os países continentais forem estabilizando e entrando em velocidade de cruzeiro, os países insulares perderão boa parte das actuais vantagens comparativas.
Daí, a pergunta: e por que não também São Tomé e Príncipe? Apesar de tudo, São Tomé beneficia do privilégio da condição insular, surgindo num honroso 12.º lugar no Índice Ibrahim no total de 52 países africanos. Mas está claramente aquém do que está ao seu alcance, muito atrás de Cabo Verde e com desempenho particularmente pobre em Oportunidade Económica Sustentável, onde surge no 36.º lugar, abaixo de metade da tabela. O mesmo se verifica nos diferentes quadros dos Worlwide Governance Indicators, do Banco Mundial: enquanto Cabo Verde está à beira de entrar no primeiro grupo mundial, São Tomé e Príncipe escapa por pouco do quarto e último grupo mundial.
Para isto, um factor ressalta evidente: falta de estabilidade política. São Tomé já acedeu à democracia, mas ainda não à estabilidade com liberdade. Desde o fim do regime de partido único, o país conheceu 20 governos em 23 anos, com 18 primeiros-ministros diferentes. Nem um só governo chegou ao fim do mandato. Nenhuma legislatura foi estavelmente cumprida. E o próprio quadro partidário fragmenta-se crescentemente – sinal de uma doença profunda; e, depois, circunstância que faz adoecer ainda mais. Na legislatura que agora termina, o Governo formado pelo partido vencedor – a ADI, de Patrice Trovoada – foi derrubado em modo controverso, para dizer o mínimo. E o país voltou a ter o seu destino encalhado na cizânia, na incerteza, na instabilidade.
Do que li e conheço de São Tomé, formularia uma política de três EEE: Estabilidade, Economia, Emprego. Sem estabilidade não há economia forte e sem economia dinâmica não há emprego, o bem mais precioso para uma população muito jovem como a são-tomense.
São Tomé tem uma elevadíssima dependência da ajuda internacional, o que nunca é bom, se se instala como dependência crónica: adormece as capacidades e ambições do país, distorce o espírito do povo, aniquila as energias e responsabilidades nacionais. Além disso, é incerto: um dia, pode acabar ou entrar em derrapagem.
Um futuro nacional é sempre um futuro construído com as próprias aptidões. Por isso diria que São Tomé e Príncipe está na encruzilhada de passagem da Ajuda Internacional ao Desenvolvimento para o investimento externo reprodutivo. O país tem condições privilegiadas: um povo pacífico, uma sociedade com segurança, uma população muito jovem, um espírito cultural e social crioulo e mestiço, uma exuberante beleza natural, uma marca histórica criada no cacau e no café, uma posição geográfica que parece escolhida a dedo, um oásis no coração do golfo da Guiné, um pólo equidistante na vasta radial do norte da CEDEAO ao sul da SADC, com vizinhos poderosos e importantes como Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Guiné Equatorial, Gabão, os Congos e, acima de todos, é claro, Angola.
Para aproveitar essas condições, o indispensável é estabilidade política em democracia. Só isso permite atrair e fixar o investimento externo indispensável ao aproveitamento das novas oportunidades na região, concretizar a recuperação da posição mundial no cacau e noutras riquezas agrícolas, apostar estrategicamente na educação, consolidar fluxos externos de circulação da riqueza, gerar crescimento económico acelerado e progresso social.
Não há nada que impeça que São Tomé e Príncipe galgue para os lugares de topo do Índice Ibrahim, marcando também a pauta africana e consolidando o seu prestígio e auto-estima. São Tomé pode até aspirar a ser a sede regional de uma vasta gama de organizações internacionais emblemáticas. Basta estabilidade; e, depois, claro, trabalho e competência, visão e acerto estratégico.
Neste domingo, 12 de Outubro, São Tomé e Príncipe vai outra vez a eleições. É importante que sejam um virar de página, gerando uma maioria estável e duradoura e um novo clima de relação entre as principais forças e actores políticos, com mais maturidade, consciência nacional, sentido das instituições. Os sinais de violência, que infelizmente apareceram na campanha contra a ADI, têm de ser repudiados. E todo o processo tem de se revestir de uma lisura absolutamente impecável. Esta lisura democrática é que é a carta fundadora do novo tempo que São Tomé e Príncipe merece e de um novo clima entre todos.
Os são-tomenses devem ter presente que o mundo tem os olhos postos no seu país. Apesar de também estarem a decorrer eleições no Brasil e em Moçambique, países lusófonos muito maiores, e apesar da densidade actual de crises internacionais gravíssimas (a Ucrânia, a Síria, o ISIS, o Iraque, o Norte de África), o mundo não está distraído de São Tomé. Toda a gente está a ver. Estão a ver as fontes da ajuda internacional, que podem prosseguir e reforçar… ou cansar-se. E estão a ver os investidores, que para aí podem querer canalizar projectos e capitais… ou desistir e desinteressar-se. Na aldeia global que hoje somos, toda a gente está sempre a ver. E a falar. E a decidir.
O melhor que São Tomé e Príncipe tem a oferecer a si mesmo e ao mundo, no próximo dia 12, são eleições exemplares, umas eleições absolutamente exemplares, que toda a gente veja, toda a gente cumprimente, toda a gente felicite. E muita estabilidade a seguir.
Só assim São Tomé desencalhará o seu futuro e começará a cumprir o seu destino.
A mesma constatação colhemos da análise dos quadros mais complexos que, para todo o mundo, são estabelecidos pelo Banco Mundial. Nos Worlwide Governance Indicators, na generalidade dos indicadores e sobretudo na ponderação agregada, também as ilhas mais destacadas em África (Maurícias e Cabo Verde) saem geralmente acima das estrelas continentais (Botsuana e África do Sul) na comparação com elas.
Dito de outro modo, a condição de ilhas que, em razão da insularidade e da periferia, costuma ser um handicap, surge, hoje, no continente africano como clara vantagem, por razões e circunstâncias que é intuitivo compreender, sem necessidade de entrar em análises muito elaboradas. É uma janela de oportunidade, que durará porventura mais 20 a 30 anos: à medida que os países continentais forem estabilizando e entrando em velocidade de cruzeiro, os países insulares perderão boa parte das actuais vantagens comparativas.
Daí, a pergunta: e por que não também São Tomé e Príncipe? Apesar de tudo, São Tomé beneficia do privilégio da condição insular, surgindo num honroso 12.º lugar no Índice Ibrahim no total de 52 países africanos. Mas está claramente aquém do que está ao seu alcance, muito atrás de Cabo Verde e com desempenho particularmente pobre em Oportunidade Económica Sustentável, onde surge no 36.º lugar, abaixo de metade da tabela. O mesmo se verifica nos diferentes quadros dos Worlwide Governance Indicators, do Banco Mundial: enquanto Cabo Verde está à beira de entrar no primeiro grupo mundial, São Tomé e Príncipe escapa por pouco do quarto e último grupo mundial.
Para isto, um factor ressalta evidente: falta de estabilidade política. São Tomé já acedeu à democracia, mas ainda não à estabilidade com liberdade. Desde o fim do regime de partido único, o país conheceu 20 governos em 23 anos, com 18 primeiros-ministros diferentes. Nem um só governo chegou ao fim do mandato. Nenhuma legislatura foi estavelmente cumprida. E o próprio quadro partidário fragmenta-se crescentemente – sinal de uma doença profunda; e, depois, circunstância que faz adoecer ainda mais. Na legislatura que agora termina, o Governo formado pelo partido vencedor – a ADI, de Patrice Trovoada – foi derrubado em modo controverso, para dizer o mínimo. E o país voltou a ter o seu destino encalhado na cizânia, na incerteza, na instabilidade.
Do que li e conheço de São Tomé, formularia uma política de três EEE: Estabilidade, Economia, Emprego. Sem estabilidade não há economia forte e sem economia dinâmica não há emprego, o bem mais precioso para uma população muito jovem como a são-tomense.
São Tomé tem uma elevadíssima dependência da ajuda internacional, o que nunca é bom, se se instala como dependência crónica: adormece as capacidades e ambições do país, distorce o espírito do povo, aniquila as energias e responsabilidades nacionais. Além disso, é incerto: um dia, pode acabar ou entrar em derrapagem.
Um futuro nacional é sempre um futuro construído com as próprias aptidões. Por isso diria que São Tomé e Príncipe está na encruzilhada de passagem da Ajuda Internacional ao Desenvolvimento para o investimento externo reprodutivo. O país tem condições privilegiadas: um povo pacífico, uma sociedade com segurança, uma população muito jovem, um espírito cultural e social crioulo e mestiço, uma exuberante beleza natural, uma marca histórica criada no cacau e no café, uma posição geográfica que parece escolhida a dedo, um oásis no coração do golfo da Guiné, um pólo equidistante na vasta radial do norte da CEDEAO ao sul da SADC, com vizinhos poderosos e importantes como Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Guiné Equatorial, Gabão, os Congos e, acima de todos, é claro, Angola.
Para aproveitar essas condições, o indispensável é estabilidade política em democracia. Só isso permite atrair e fixar o investimento externo indispensável ao aproveitamento das novas oportunidades na região, concretizar a recuperação da posição mundial no cacau e noutras riquezas agrícolas, apostar estrategicamente na educação, consolidar fluxos externos de circulação da riqueza, gerar crescimento económico acelerado e progresso social.
Não há nada que impeça que São Tomé e Príncipe galgue para os lugares de topo do Índice Ibrahim, marcando também a pauta africana e consolidando o seu prestígio e auto-estima. São Tomé pode até aspirar a ser a sede regional de uma vasta gama de organizações internacionais emblemáticas. Basta estabilidade; e, depois, claro, trabalho e competência, visão e acerto estratégico.
Neste domingo, 12 de Outubro, São Tomé e Príncipe vai outra vez a eleições. É importante que sejam um virar de página, gerando uma maioria estável e duradoura e um novo clima de relação entre as principais forças e actores políticos, com mais maturidade, consciência nacional, sentido das instituições. Os sinais de violência, que infelizmente apareceram na campanha contra a ADI, têm de ser repudiados. E todo o processo tem de se revestir de uma lisura absolutamente impecável. Esta lisura democrática é que é a carta fundadora do novo tempo que São Tomé e Príncipe merece e de um novo clima entre todos.
Os são-tomenses devem ter presente que o mundo tem os olhos postos no seu país. Apesar de também estarem a decorrer eleições no Brasil e em Moçambique, países lusófonos muito maiores, e apesar da densidade actual de crises internacionais gravíssimas (a Ucrânia, a Síria, o ISIS, o Iraque, o Norte de África), o mundo não está distraído de São Tomé. Toda a gente está a ver. Estão a ver as fontes da ajuda internacional, que podem prosseguir e reforçar… ou cansar-se. E estão a ver os investidores, que para aí podem querer canalizar projectos e capitais… ou desistir e desinteressar-se. Na aldeia global que hoje somos, toda a gente está sempre a ver. E a falar. E a decidir.
O melhor que São Tomé e Príncipe tem a oferecer a si mesmo e ao mundo, no próximo dia 12, são eleições exemplares, umas eleições absolutamente exemplares, que toda a gente veja, toda a gente cumprimente, toda a gente felicite. E muita estabilidade a seguir.
Só assim São Tomé desencalhará o seu futuro e começará a cumprir o seu destino.
José Ribeiro e Castro
Deputado do CDS-PP
Advogado e antigo líder do CDS
PÚBLICO, 10.Outubro.2014
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