Estamos à altura da língua que temos? Um teste muito simples


Foi boa a sessão do "Diário de Notícias" sobre o futuro da língua portuguesa. Gostei de ouvir ministros e ex-ministros, diplomatas, empresários, um ex-Presidente da República renovarem afirmações sobre o potencial da língua. E juras implícitas de entusiasmo e de fiel atenção às oportunidades. Foi uma manhã radiosa. Os dias, porém, vão pouco radiosos.

Como afirmou o presidente Jorge Sampaio, repetindo um alerta de 2004, no fim dos seus mandatos presidenciais, não temos feito o suficiente. O que é um eufemismo face à militante negligência com que os governos têm tratado a nossa língua e seu estatuto internacional, sobretudo no quadro europeu, onde devíamos dar cartas. Na verdade, os lusófonos europeus – nós, os portugueses – temos sido os mais incompetentes de todos no respectivo espaço continental. Uma lástima, para não dizer uma vergonha. Sei bem do que falo, pois há muitos anos que porfio nesta batalha.

Agora, corre o último acto de um dossiê deplorável, em que Portugal aceita desqualificar o Português na União Europeia, pela imposição de uma troika linguística no regime europeu de patentes: Inglês, Francês e Alemão. É o Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes, há semanas aprovado pela Assembleia da República, que abortou a discussão para impor o inaceitável. O primeiro acto foi no princípio de 2011, ainda com Sócrates: apoiámos uma manhosa "cooperação reforçada", para amputar os nossos direitos na "patente europeia de efeito unitário". Em ambos, votei contra. E luto contra.

A coisa não tem defesa possível. Ninguém surge a defendê-lo com argumentos transparentes, que façam sentido. E os agentes da coisa apressaram-se a amordaçar e a interromper o processo parlamentar, não fosse a coisa desandar.

O sector é contra. A indústria é contra. Não temos vantagens económicas – um estudo da DeLoitte demonstra os inconvenientes e riscos. O acesso à Justiça fica mais desigual e caríssimo. Os linguistas são contra. O sistema é de tal tipo que podemos beneficiar dele sem sermos parte, isto é, mantendo as patentes em português em Portugal. Em suma: não temos vantagem; não temos interesse; e os nossos direitos fundamentais são atropelados. Então, como é que isto sucede? Deve haver certamente alguns cheios de dores nas pernas e costas de tanto andarem de cócoras.

Como é que deixamos o português ser desprezado pela União Europeia? E como votamos a favor? Como é que, em vez de lutarmos contra o que nos prejudica e amesquinha, apoiamos o que nos diminui?

A última fronteira é o Presidente da República. Depois de o governo se ter agachado e a Assembleia rendido, resta o Presidente. Se o não assinar, a coisa pára aí. E não tem de assinar. Nós não temos pressa nenhuma em assinar.

Há um ano, celebrámos 800 anos da língua portuguesa. O nosso rei, em 27 de Junho de 1214, lavrou um testamento que ficou como o mais antigo documento régio na nossa língua, hoje uma língua global. É preciso ter esperança de que, lembrando-se de Afonso II, que assinou por acaso um parto original, Aníbal I rejeitará assinar um óbito parcelar, 800 anos depois, quando a nossa língua cresceu e se afirma por todo o mundo.

Seria bom que Cavaco Silva deixasse a questão para o seu sucessor. Isso, sim, seria novo acto fundador. Por um lado, o país ia poder fazer o debate, sério, profundo e necessário, que meia dúzia de interesses quiseram calar no Parlamento. Por outro lado, todos os candidatos a Presidente teriam de definir posição sobre a questão, em vez de comodamente lavarem as mãos do que já estivesse consumado.

É um teste simples. Exemplar. Estaremos mesmo à altura da língua que temos?



José Ribeiro e Castro
Deputado do CDS-PP
Ex-líder do CDS


DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 31. Maio.2015

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