Cada cavadela, minhoca!


Os sinais de desagregação do sistema político continuam, perante a soberana indiferença dos titulares do poder. 

O ano abrira com dois novos partidos: o JPP, Juntos pelo Povo, e o PDR, Partido Democrático Republicano, de Marinho Pinto. Recentemente, mais dois apresentaram-se a registo no Tribunal Constitucional: o Nós, Cidadãos, um projecto em desenvolvimento desde há meses; e o surpreendente PURP, Partido Unido de Reformados e Pensionistas, que não pode deixar de ser visto como consequência directa da fractura geracional promovida a partir do poder político – ainda estamos para ver todos os efeitos desse disparate, na coesão social e política do país. 

Quatro novos partidos em quatro meses são sinal claro do fervilhar na base da sociedade. Mas o sinal mais eloquente veio das eleições regionais na Madeira, em 29 de Março. 

Eram eleições de rara importância: Alberto João Jardim, que dominou a política madeirense desde que assumiu a presidência do Governo Regional em 1978 e que ganhara tudo o que havia para ganhar, com sucessivas maiorias absolutas, retirava-se da vida política. Eram eleições abertas, como não havia há quase 40 anos. 

Seria de esperar grande mobilização eleitoral, extraordinária afluência às urnas. Ia começar um novo ciclo de poder e escolher-se o novo Senhor ou a ausência de Senhorio. Nada disso! A abstenção foi esmagadora. Os madeirenses, em primeiro, votaram com os pés – e afastaram-se das mesas de voto. 

Mais de cinquenta por cento não foi votar – os votantes ficaram pelos 49,7%. Nas primeiras eleições regionais em 1976, a abstenção foi de 25%; agora, foi o dobro. Nas primeiras eleições regionais com Jardim, em 1980, a abstenção foi de 19%; agora, 2,5 vezes mais. 

Existe a ideia de que, quanto mais próximos os órgãos de poder e os políticos a eleger, maior é a participação eleitoral. Foi ao contrário: nas legislativas de 2011, a abstenção do eleitorado madeirense fora de 45,7%; agora, 5 pontos mais. 

Os dois partidos mais votados, PSD e CDS-PP, perderam, cada um, 4 pontos percentuais face às regionais anteriores. O PSD baixou 15.000 votantes e o CDS-PP 8.500. O Partido Socialista, que se coligou com este mundo e o outro para tentar ao menos recuperar o segundo lugar, levou para contar: no conjunto dos coligados, perderam 11 pontos percentuais e conseguiram recolher menos 2.500 votos do que o PS sozinho há quatro anos! É obra! No conjunto, os coligados perderam 18.500 votos, mais do que colheram agora. O PSD perdeu 1 deputado, o CDS-PP perdeu 2 e PS & Companheiros perderam 5. 

A estas eleições regionais concorreram mais cinco partidos do que em 2011. Dir-se-ia que haveria mais participação. Foi ao contrário: houve mais por onde escolher, mas foram menos os que foram votar. Os madeirenses não quiseram saber: num universo eleitoral de 250 mil inscritos, houve mais 20.000 abstencionistas do que há quatro anos. 

Os votos brancos e nulos subiram de 2,7% para 4,3%, uma subida semelhante às da CDU e do BE. 

A estrela do dia foi o estreante JPP – Juntos Pelo Povo, que ultrapassou 10% dos votos e elegeu 5 dos deputados em disputa. Um fenómeno político local lançado pelos irmãos Sousa (Élio e Filipe), depois de ter ganho a Câmara Municipal de Santa Cruz em 2013, regista-se como partido político nacional e conquista logo a posição de quarto partido regional, quase ultrapassando o PS. 

Não é só bate-papo de comentador, boca de jornalista ou discurso de analista, encartado ou de ocasião. Foi mais uma eleição, foi mais uma prova. Depois das autárquicas de 2013 e das europeias de 2014, foi a vez das regionais madeirenses de 2015. Cada cavadela, minhoca! Os sinais de crise do sistema representativo estão lá todos: quebras acentuadas nos partidos do sistema, fragmentação partidária e do voto, baixíssima participação eleitoral, sucesso instantâneo de fenómenos novos. 

Está na hora de uma reforma significativa do sistema eleitoral. Não qualquer uma, mas a reforma que restitua confiança nos eleitos, devolvendo-nos uma democracia realmente representativa. Uma reforma como aquela que é proposta pelo Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE: uma reforma que, graças à intervenção decisiva dos eleitores, force os partidos a mudarem de vida, a abrirem-se genuinamente na participação interna e a melhorarem métodos de funcionamento e escolha. Uma reforma que conduzirá naturalmente os partidos a reconstruirem os elos de confiança e efectiva representatividade com as suas bases e o eleitorado em geral. 

Só há duas alternativas à reforma do sistema eleitoral com maior personalização e responsabilização dos mandatos: uma é o pântano; outra a implosão. Venha a reforma, portanto. 


José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS

JORNAL "I", 22.Abril.2015



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