A bravata serôdia contra o Português
1. Não há coisa mais serôdia do que a negligência na defesa e afirmação da nossa língua, a ignorância e desvalorização do capital estratégico que constitui. É um velho atavismo da generalidade dos dirigentes nacionais e muitas elites, fruto de um misto de desleixo e pouco estudo, complexo de inferioridade e deslumbramento com “Ah!... Lá fora!”. Um tique da bem retratada aristocracia decadente que vive de rendimentos, comendo o património herdado de antepassados, delapidado a pedaços ou por grandes atacados. Até ficar sem nada; mas sempre soberba e altiva. Os ataques e bravatas que têm desferido contra o Português e o seu valor não são “pseudo” — oxalá fossem. São reais e deixam marca e rasto. E onde mais se têm sucedido é no quadro da União Europeia, em que as autoridades portuguesas e seus representantes — os lusófonos europeus — se têm distinguido como os lusófonos mais incompetentes e desmazelados de que há conhecimento e registo em todo o mundo: angolanos, brasileiros, tantos outros, timorenses até, dão-nos lições a perder de vista.
Conheço-o bem, pois desde há anos que me envolvo porfiadamente nestes trabalhos. É no quadro europeu que, paradoxalmente, a afirmação internacional do Português não só não avança, como mais tem recuado e decaído. E digo “paradoxo”, porque a incúria dolosa de dirigentes e elites é feita, inclusive, contra os tratados europeus e suas garantias: não só desperdiçam oportunidades, como desmontam os pilares. Nem o alerta do Embaixador Seixas da Costa, prevenindo há dois anos contra que o “Português vai desaparecer como língua de trabalho na UE” [PÚBLICO, 1.Fev.2013], mudou o que quer que fosse na nossa política europeia e na diplomacia. O ramerrame assaloiado tem prosseguido, garboso.
Conheço-o bem, pois desde há anos que me envolvo porfiadamente nestes trabalhos. É no quadro europeu que, paradoxalmente, a afirmação internacional do Português não só não avança, como mais tem recuado e decaído. E digo “paradoxo”, porque a incúria dolosa de dirigentes e elites é feita, inclusive, contra os tratados europeus e suas garantias: não só desperdiçam oportunidades, como desmontam os pilares. Nem o alerta do Embaixador Seixas da Costa, prevenindo há dois anos contra que o “Português vai desaparecer como língua de trabalho na UE” [PÚBLICO, 1.Fev.2013], mudou o que quer que fosse na nossa política europeia e na diplomacia. O ramerrame assaloiado tem prosseguido, garboso.
2. As cedências e abandonos dos nossos representantes vêm normalmente embrulhadas em grandes enredos, pois só enredados em fantasias e confusões é possível atentar contra os próprios interesses — e, às vezes, contra direitos. É o caso da “patente europeia de efeito unitário” e, agora, do Tribunal Unificado de Patentes, em que a nossa língua foi de novo atropelada, agora debaixo da afirmação de uma troika linguística: Alemão, Francês e Inglês.
Olhando logo ao plano simbólico, como fica a nossa língua (a tão glosada “terceira língua europeia”), se, fixando-se três línguas europeias oficiais, o Português não estiver nessas três? Nem sequer quando se definem cinco, ou sequer quando se escolhem seis?
Argumentar que não tem importância, pois “a ideia inicial foi sempre a de propor como única língua de trabalho o Inglês”, é confundir a estrada da Beira com a beira da estrada. Se se tivesse adoptado o regime English only (só Inglês) ou English always (Inglês sempre, isto é, qualquer outra língua, acompanhada de tradução inglesa com validade oficial), o quadro seria radicalmente diferente do estabelecido. Uma coisa é, onde não puder ser de outro modo, transigir com o Inglês como língua franca, língua veicular contemporânea para todos; outra coisa, completamente diferente, é escolher umas línguas e excluir outras, assim consagrando impérios linguísticos particulares e instalando a discriminação. Foi isto, não aquilo, que foi consagrado. Agora no regime de Munique, como anteriormente no regime de Alicante, ambos são pura e simples desigualdade.
Também é disparate — propositado, imagino — arguir isto: “Haverá alguém que ponha em causa o orgulho nacional sueco, dinamarquês ou norueguês, apesar de serem línguas faladas por um punhado de milhões de pessoas? E de praticamente todos os seus habitantes serem hoje bilingues, falando um Inglês de nível altamente satisfatório?” Aqui, não é só a estrada da Beira e a beira da estrada: é confundir o género humano e o Manuel Germano. Por muito respeito que mereçam Sueco e Dinamarquês — e merecem-no, como todas as línguas da UE —, não têm nada de semelhante com o Português. As primeiras são apenas línguas nacionais, enquanto o Português é língua internacional, língua da globalização, uma das mais importantes línguas europeias globais. Havemos de cuidar dela não só como recurso nacional, mas como um importante recurso europeu e precioso recurso global que partilhamos, pelo menos, com os parceiros da CPLP.
Claro que precisamos de uma política da Língua, a sério. Proponho-a há muito. Essa política da língua deve incluir todas aquelas badaladas componentes de que sempre se fala e nunca se fazem. E a nossa política da língua deve abarcar também outras línguas, não só europeias, mas Mandarim, Russo, Árabe ou Hebreu — assim potenciando um dos nossos reconhecidos talentos e fazendo jus a determos uma das principais línguas da globalização. Contudo, isso não conduz a desvalorizarmos a nossa própria língua e a destruirmos o seu valor de capital. Uma primeira peça da nossa política da língua consiste exactamente na consciência aguda do estatuto internacional e valorização do Português — com sagaz intransigência a este respeito.
3. É verdade que “a importância (…) do Português impõe-se por si mesma e não por decreto”. Ai de nós, se não fosse a História e a demografia dos outros na CPLP... Com o calibre de dirigentes que predominam, há muito estaríamos mortos e desaparecidos, se confiássemos nos decretos. Mas isso não significa que, tratando-se de decretos, o Estado desmereça das suas obrigações e dos nossos direitos e interesses; e que não exijamos decretos que nos convenham, exautorando os que nos desprezam.
Só não é assim para quem sustenta placidamente que “vai haver um dia em que não vai haver portugueses, um dia em que não vai haver Portugal” — como afirmado, em Junho, num colóquio em que debatemos esta mesma matéria das patentes. Aí, compreende-se a falsa modéstia de dizer que não importa “mais um voto no Conselho Europeu ou um deputado no Parlamento Europeu”.
Quando foi das últimas eleições europeias, fiquei chocado com a inconcebível votação de 27,7% da coligação PSD/CDS: um resultado miserável, seis pontos abaixo da votação dos dois partidos mesmo em eleições debaixo de coação, as constituintes de 1975. Ouvindo as ideias que encabeçaram a lista, verifico que os magríssimos 900 mil votos foram, afinal, de mais.
Precisamos de votos portugueses nas instâncias europeias — votos portugueses, europeus. Faz toda a diferença. Mas pior que um eurodeputado menos consciente do seu papel é ver o Presidente da República, no fim da fila, a assinar também por baixo o abandono de um ímpar capital estratégico. Tema para outro artigo: “A soberania contra a língua”. Isso é que é trágico.
José Ribeiro e Castro
Deputado do CDS-PP
Advogado e antigo líder do CDS
PÚBLICO, 25.Agosto.2015
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