O genocídio cristão no Médio Oriente
1. Domingo passado, Angelus, Praça de São Pedro: o Papa Francisco evoca Flaviano Michele Melki, o bispo sírio-católico decapitado há 100 anos no início do genocídio arménio. Fora proclamado Beato, na véspera, em Harissa, no Líbano. Entre nós, o facto passa quase despercebido.
O chamado genocídio arménio, que surpreendentemente ainda gera tanta controvérsia, é, em substância, um genocídio de cristãos, uma terrível tragédia no ocaso do Império Otomano. Hoje, ao seguirmos as cada vez mais horrendas notícias que chegam das comunidades cristãs no Médio Oriente (Líbano, Egipto, Líbia, Iraque e Síria, em especial), dir-se-ia que, interrompido durante umas décadas, o genocídio cristão retomou uma marcha brutal um século depois, até ao esmagamento ou à deportação integral dos cristãos.
Isto rasga-nos uma pergunta inquietante. O negacionismo sobre factos históricos de há um século atordoa. Mas o que dizer sobre o negacionismo diante de hoje? O que dizer do negacionismo perante o que se desenrola à frente dos nossos olhos? Desviamos o olhar? Tapamos os ouvidos? Amordaçamos a voz? Qual dos três gestos? Ou todos os três?
Há anos que sigo a controvérsia do genocídio arménio. Não tenho dúvidas sobre este. Mas não tenho dúvida também de haver políticos europeus que dele lançaram mão só para gerar sentimentos anti-turcos e contrariar a adesão europeia da Turquia. A Turquia tem outros problemas e dificuldades; e também se põe a jeito pela forma errada com que lida com a tragédia arménia. Mas a solenização dos dramas passados não se destina a ajustes de contas ou a vinganças, físicas ou morais; antes a proporcionar pacificação e recomeço. É a célebre frase de George Santayana: "Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo." Dizendo de outro modo: reconhecer e recordar tragédias da História é forma de prevenir a sua repetição, isto é, de proteger o presente e o futuro de todos. É o impulso do “nunca mais!”
Sintomaticamente, o coro em torno do genocídio arménio é muito entoado na política francesa; mas os políticos de França, carregando o peso vesgo do secularismo laicista, são dos que mais ignoram o drama que, hoje, vergasta cristãos em massa em territórios que os franceses, historicamente, conhecem tão bem. Essa hipocrisia também nos toca. Em Portugal, o peso da “realpolitik” nos corredores bloqueou, em Abril passado, a apresentação de uma moção parlamentar no centenário do genocídio arménio – fomos dos raros parlamentos europeus em que o silêncio foi imposto. E pouco fazemos também contra a tragédia dos nossos dias. O dinheiro vale mais. Ah! O “investimento”…
O chamado genocídio arménio, que surpreendentemente ainda gera tanta controvérsia, é, em substância, um genocídio de cristãos, uma terrível tragédia no ocaso do Império Otomano. Hoje, ao seguirmos as cada vez mais horrendas notícias que chegam das comunidades cristãs no Médio Oriente (Líbano, Egipto, Líbia, Iraque e Síria, em especial), dir-se-ia que, interrompido durante umas décadas, o genocídio cristão retomou uma marcha brutal um século depois, até ao esmagamento ou à deportação integral dos cristãos.
Isto rasga-nos uma pergunta inquietante. O negacionismo sobre factos históricos de há um século atordoa. Mas o que dizer sobre o negacionismo diante de hoje? O que dizer do negacionismo perante o que se desenrola à frente dos nossos olhos? Desviamos o olhar? Tapamos os ouvidos? Amordaçamos a voz? Qual dos três gestos? Ou todos os três?
Há anos que sigo a controvérsia do genocídio arménio. Não tenho dúvidas sobre este. Mas não tenho dúvida também de haver políticos europeus que dele lançaram mão só para gerar sentimentos anti-turcos e contrariar a adesão europeia da Turquia. A Turquia tem outros problemas e dificuldades; e também se põe a jeito pela forma errada com que lida com a tragédia arménia. Mas a solenização dos dramas passados não se destina a ajustes de contas ou a vinganças, físicas ou morais; antes a proporcionar pacificação e recomeço. É a célebre frase de George Santayana: "Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo." Dizendo de outro modo: reconhecer e recordar tragédias da História é forma de prevenir a sua repetição, isto é, de proteger o presente e o futuro de todos. É o impulso do “nunca mais!”
Sintomaticamente, o coro em torno do genocídio arménio é muito entoado na política francesa; mas os políticos de França, carregando o peso vesgo do secularismo laicista, são dos que mais ignoram o drama que, hoje, vergasta cristãos em massa em territórios que os franceses, historicamente, conhecem tão bem. Essa hipocrisia também nos toca. Em Portugal, o peso da “realpolitik” nos corredores bloqueou, em Abril passado, a apresentação de uma moção parlamentar no centenário do genocídio arménio – fomos dos raros parlamentos europeus em que o silêncio foi imposto. E pouco fazemos também contra a tragédia dos nossos dias. O dinheiro vale mais. Ah! O “investimento”…
2. O Papa Francisco tem dedicado, repetidamente, a sua palavra aos cristãos perseguidos no mundo. São sem conta as vezes em que chamou a atenção para esta absoluta premência do nosso tempo. No mesmo domingo passado, depois de invocar o bispo assassinado, disse as coisas como são: “Hoje, há mais mártires do que nos primeiros séculos.”
Três dias antes, em Roma, pude ouvir, de viva voz, o Patriarca sírio-católico Ignatius Youssef III Younan, que presidiria à celebração da beatificação de Melki. Disse-nos: «Sofremos, hoje, perseguições como nunca aconteceram, nem nos períodos mais duros da nossa História.» Esmaga ouvir isto, quando lembramos que ela nunca foi meiga no Médio Oriente.
É muito dolorosa a crónica contemporânea do acelerado desaparecimento, pela força, das muito antigas e florescentes comunidades cristãs no Médio Oriente. O Líbano sofre uma dilaceração em várias fases desde os anos ’70. O Iraque perdeu, na última década, um milhão de cristãos, dois terços da comunidade anterior. Depois da tomada de Moçul pelo chamado Estado Islâmico, os cristãos desapareceram por inteiro da planície bíblica de Nínive: ou se convertiam e pagavam tributo, ou eram mortos – uns foram mortos, os outros fugiram. Não ficou um só. Na Síria, os horrores sucedem-se no meio da guerra. Os relatos de refugiados, na Jordânia ou Líbano, são lancinantes: vidas destruídas de um dia para o outro, expulsões sumárias, famílias divididas, mulheres raptadas e violadas, muitas feitas escravas sexuais, execuções cruéis, templos arrasados. A fé mantém-se – tanto entre os que partem, como nos que ainda ficam.
Francisco, já se sabe, não tem papas na língua. Não foge da palavra-tabu: genocídio. Fê-lo em 9 de Julho, na visita à Bolívia: «Hoje, estamos desolados ao ver como no Médio Oriente e noutras partes do mundo muitos de nossos irmãos e irmãs são perseguidos, torturados e mortos por causa da sua fé em Jesus Cristo. Nesta Terceira Guerra Mundial, que estamos a experimentar agora e se trava de forma fragmentada, é uma forma de genocídio que está a ocorrer e isso tem que acabar.»
A força destas palavras ainda não assentou. A política e a Justiça ainda não assimilaram o que a duríssima realidade exige de nós.
3. A política internacional, a respeito do genocídio que fere cristãos e yazidis, é uma vergonha. A acção é quase nula. E o silêncio, então, é uma ignomínia permanente, forma de cumplicidade com os carrascos. Tudo se passa como se, confrontados com os horrores do Holocausto, nos dissessem: «Podem condenar o Holocausto à vontade. Só não usem duas palavras: “holocausto” e “judeu”.»
Em Portugal, não estamos fora deste triste padrão, timorato, interesseiro e hipócrita. A crise não cessou de agravar-se nos últimos cinco anos, mas, fazendo uma busca pelo portal parlamentar, só uma vez a Assembleia da República votou o assunto: aprovando, por unanimidade, um voto apresentado pelo CDS, em 5 de Janeiro de 2011, ainda na legislatura anterior. Quando tivemos a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, nem uma só vez mobilizámos a consciência universal para o flagelo destas comunidades cristãs. No Conselho de Direitos ainda nada promovemos. E, na União Europeia, é inaceitável que a Alta Representante e o Conselho não tenham o tema permanentemente no radar e nada façam: nem palavra, nem acção. Connosco a ver. E a colaborar: no silêncio.
Na crise violenta daqueles países, a multidão de vítimas é certamente mais numerosa, sendo aos milhares os deslocados e refugiados, de várias fés e sem fé. Mas, no meio do drama geral, há um drama específico que atinge os cristãos – e os yazidis. Há dias, uma pequena notícia era sinal de tudo: “A polícia italiana anunciou a detenção de 15 muçulmanos acusados de terem causado a morte de 12 cristãos que se encontravam na mesma embarcação no meio do Mediterrâneo e que atiraram ao mar.” Por fanatismo e intolerância religiosa, há uma tragédia maior dentro da tragédia geral. Essa maior tragédia final é genocídio. É para este genocídio que temos, urgentemente, que mobilizar a atenção. E a nossa acção.
José Ribeiro e Castro
Advogado e antigo líder do CDS
PÚBLICO, 4.Setembro.2015
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