O Alqueva de Amaro da Costa
O maior lago artificial da Europa tem uma longa história. Esses 250 quilómetros quadrados de superfície aquática são o fruto de sonho e trabalho, de estudo e inteligência, de planeamento e decisão, de tenacidade: muita tenacidade – e investimento. Foi uma história difícil. Depois de tudo lançado, houve sempre "velhos do Restelo". Foi preciso vencer o preconceito e a inércia do "deixa estar", eternas resistências contra a mudança. Alqueva é isto: uma profunda mudança.
Mudança estrutural na terra e no seu uso, consolidação do Plano de Rega do Alentejo, nova e poderosa alavanca para a economia alentejana. Em rigor, mais do que simples mudança – uma transformação: transformar pobreza em riqueza, desperdício em armazenamento, sequeiro em verde, seca em garantia de abastecimento, atraso em desenvolvimento.
Neste 2015, o ano definitivo de Alqueva, ano da conclusão do regadio, lembro a figura de Amaro da Costa. Não o mais celebrado, o Adelino, meu grande amigo e referência, mas seu pai, Manuel Rafael Amaro da Costa. A água no Alentejo deve muito a este homem invulgar.
Engenheiro hidráulico, de grande competência, fez parte de uma formidável escola portuguesa das obras públicas, num conceito infelizmente caído em desuso: as obras de fomento nacional. Foi um dos mais relevantes mentores e impulsionadores do Plano de Rega do Alentejo. Odemira homenageou-o no seu centenário, em 2010, pelo contributo decisivo para a construção da Barragem de Santa Clara, concluída em 1968, que solucionou o abastecimento de água ao concelho e polariza o perímetro de rega do Mira. E foi também um conceptualizador e acérrimo defensor do empreendimento de Alqueva.
Depois da assinatura, em 1968, do convénio luso-espanhol, o projecto esteve várias vezes para não se fazer, graças a inimigos muito faladores. Em 1978, são interrompidas as obras preliminares, começadas apenas dois anos antes. Com novas decisões favoráveis do Conselho de Ministros em 1980 e em 1993, os trabalhos só seriam reiniciados em 1995, para se concluírem agora, vinte anos passados. Mas, ao contrário dos outros 20 anos anteriores, que foram tempo perdido, este último tempo de execução já não é sinal de hesitação, antes tradução da extraordinária magnitude: 2,5 mil milhões de euros de investimento público para uma albufeira com capacidade para 4,15 mil milhões de metros cúbicos de água e 1.200 quilómetros de perímetro. Quando Manuel Rafael Amaro da Costa morreu, em 1998, estavam a iniciar-se as betonagens na barragem. Já não pôde testemunhar o início do enchimento, em 2002, ou a inauguração da central hidroeléctrica, em 2004, nem o momento mágico, em 2010, de encher até à cota 152 ou, agora, a conclusão. Foi dos que mais mereceu esta alegria.
Nos anos 1980 de tremida hesitação sobre Alqueva, já depois da trágica morte do seu filho Adelino, várias vezes o ouvi apaixonadamente, em tardes e serões na sua aldeia de São Martinho das Amoreiras, a discorrer sobre o empreendimento e a sua essencialidade para o futuro do Alentejo. Encantava ouvi-lo: o Guadiana ser o mais estudado dos rios portugueses (e, todavia, nada ainda havíamos feito para aproveitar o seu potencial); os espanhóis já terem feito tudo do seu lado e nós ainda nada (as barragens de Cíjara e de Orellana, na verdade, são de 1956 e 1961); a importância crucial da água para as populações e o desenvolvimento; o potencial agrícola e energético de Alqueva e o impacto no turismo e na indústria; o lugar estratégico da albufeira e da sua rede para todo o Plano de Rega do Alentejo. Vi-o voltar à batalha, com mais de 70 anos, voz fiel nos Congressos do Alentejo, meu companheiro na Assembleia Municipal de Odemira, candidato a deputado por Beja em várias eleições, com o Alentejo no coração e Alqueva na ponta da língua e do dedo.
Quando vou a Olivença e atravesso o Guadiana ao lado da ponte da Ajuda ou chego a Vila Real para, a partir da marina fluvial, olhar, da margem esquerda, a magnífica paisagem do castelo de Juromenha na margem direita, é dele que me lembro: de Alqueva de Amaro da Costa. São aí os pontos mais a Norte das águas da vasta albufeira. Um orgulho. Uma história de gente grande.
José Ribeiro e Castro
Advogado
MAIS ALENTEJO, 1.Outubro.2015
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"
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