Declarar a guerra. E sem quartel


Chega! Chega mesmo.

A tragédia da noite de sexta-feira, 13 de Novembro, tem de marcar a viragem na posição da Europa e do mundo perante o dito “Estado Islâmico”. Não podemos confinar-nos a posições políticas incompletas, que acabam por corresponder a uma contemporização objectiva com esta abominável organização terrorista e, portanto, com a contínua escalada das suas provocações e dos seus ataques.

Os factos de Paris representam a subida de mais um patamar na extrema violência e no atrevimento do “Estado Islâmico”. Mais do que outro atentado terrorista, foi uma verdadeira acção de guerrilha urbana, atroz e cruel, cobarde e traiçoeira, no coração da nossa União Europeia.

O Presidente François Hollande qualificou-os de modo apropriado: “actos de guerra”. Vários dirigentes europeus e mundiais solidarizaram-se na condenação e no pesar, e também nessa qualificação. Pois bem: chegou a altura de passarmos das palavras aos actos. Actos de guerra.

A retórica não resolve nada. E acções militares e policiais isoladas também não. É necessária uma resposta global, articulada e firme, determinada, inflexível e total. A barbaridade criminosa desta organização, o fanatismo dos seus propósitos, a dimensão ameaçadora das suas ambições políticas e territoriais não podem merecer-nos mais dúvidas ou hesitações. O rol criminoso é interminável: execuções sumárias, atentados bombistas, acções militares na Síria e no Iraque, genocídio de cristãos e de yazidis, rapto e degola de jornalistas e servidores civis internacionais, escravização sexual de mulheres, decapitação dos 21 coptas, ataque ao Charlie Hebdo e ao supermercado judaico; e, só recentemente, massacre de Ancara, derrube do avião russo no Sinai, cruel fuzilamento pelas costas de 200 crianças sírias, carnificina em Paris. Basta!

Há semanas, junto com o eurodeputado britânico Charles Tannock, meu antigo colega, animei apelos para que o Conselho de Segurança das Nações Unidas remeta o autodenominado “Estado Islâmico” para a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Pretendemos o TPI a perseguir, investigar, julgar e punir os dirigentes e agentes do “Estado Islâmico”, assim como todos os seus cúmplices, apoiantes e financiadores. Tendo-me interessado pelo assunto e estudado o problema, não entendo que isso não tenha já acontecido. De facto, só o Conselho de Segurança pode deliberar com esse efeito. O “Estado Islâmico” não é verdadeiramente um Estado e não subscreveu obviamente o Estatuto de Roma; e Síria e Iraque, países onde aquele mais actua, também não são signatários do Estatuto do TPI. Por isso, a Procuradora do tribunal, a Sr.ª Fatou Bensouda, explicou, em Abril passado, que o TPI não podia tomar qualquer iniciativa, mas necessitava de uma determinação das Nações Unidas – o que sucedeu no passado para o Sudão. Ora, ninguém entende que o não tenham feito já – isto é, ninguém entende que os Estados e a diplomacia internacional não se tenham já posto em marcha para concretizar essa importante deliberação do Conselho de Segurança.

Claro que o TPI não resolve nada sozinho. Nada resolve, sozinho, o que quer que seja. Mas, articulados com respostas mais vigorosas, os poderosos meios judiciários internacionais do TPI podem ser decisivos para atrapalhar e circunscrever a ameaça, contendo e fazendo recuar os circuitos de financiamento, o escandaloso comércio de petróleo e as obscuras simpatias e cumplicidades políticas no Golfo e noutras paragens. Urge levantar a voz para o exigir, a começar pela diplomacia nacional e europeia. E denunciar todos os que nada fizerem, impondo que nos expliquem porquê e o que oferecem como alternativa mais eficaz contra estes bandidos.

Contudo, passar das palavras aos actos é pegar nas justas palavras de Hollande: “actos de guerra”. Se acto de guerra foi, então cabe-nos declarar formalmente a guerra ao Estado Islâmico. E conduzi-la até à vitória total: o seu absoluto esmagamento e a garantia final da liberdade, da segurança e da paz. No ponto a que chegámos, nada senão a guerra pode devolver-nos a paz. É terrível, mas infelizmente é assim.

De novo, a circunstância de o dito “Estado Islâmico” não ser um Estado legal traduz-se em dificuldades jurídicas, no plano do Direito Público, para uma formal declaração de guerra, com todas as consequências: mobilização plena de todas as nossas capacidades militares e policiais, com suspensão proporcional dos direitos e garantias próprios da paz civil e no quadro das regras mais severas para combate ao terrorismo. Porém, o Direito Internacional e o Direito Constitucional não podem limitar-se ao ponto de se autoanularem na resposta a desafios novos, dramaticamente interpelantes. Peguemos na palavra do inimigo, que a si se chama de Estado. Levemos a sério quem nos agride e massacra: eles já declararam guerra aos Estados Unidos da América; já declararam guerra à Rússia; e, na sexta-feira, 13, em Paris, declararam guerra aos europeus. Não estão a brincar. Nós também não podemos brincar. Importa agir contra o inimigo sem qualquer tipo de contemplações.

Há três meses, Adriano Moreira, que tem chamado a atenção para a extrema exigência do desafio, alertava em artigo no “Diário de Notícias: «Na leitura antiga da ordem internacional, que era vigente antes do globalismo anárquico em que nos encontramos, a declaração do Estado Islâmico sobre a sua ambição terrorista seria lida como uma declaração de guerra. A fixação no caminho único da política orçamental europeia em curso seria então pelo menos acrescentada com a rubrica da imprevista exigência de resposta à declaração de guerra.» Ninguém parece ter prestado muita atenção, sobretudo nas chancelarias e nos circuitos de decisão política. Anda tudo muito inquieto com eleições.

É a hora de responder. À guerra só pode responder-se com a guerra. Para destruição militar do inimigo, sua subjugação e derrota total, erradicação total da ameaça e eliminação do perigo, deixando um rasto de memória que previna duradouramente a sua repetição no futuro. Só num quadro de guerra poderemos vencer a guerra que nos está declarada.

Paris foi o nosso Pearl Harbour. Importa que os membros da NATO accionem o artigo 5º do Tratado. Se, em 2001, foi assim com o 11 de Setembro, nas Torres Gémeas, por que não agora com Paris e a escalada culminante que traduz? Importa que todos os Estados-membros da União Europeia cerrem fileiras na declaração de guerra ao “Estado Islâmico” e conduzam solidariamente as batalhas a que somos chamados – para as vencermos; e nos salvarmos.

Há uma guerra traiçoeira declarada contra nós. Não podemos virar costas. Há que dar a cara, enfrentá-la, triunfar. Pela Europa, por Portugal e cada cidadão, pela paz e pela liberdade.



José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 16.Novembro.2015

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