Responder aos desafios do interior, responder às necessidades de Portugal


A desigualdade relativa que afecta o interior do país e as suas populações é um dos nossos problemas mais persistentes, mais sérios e mais gritantes. É uma questão a que me tenho dedicado várias vezes na minha vida cívica e política. Infelizmente, tenho-a visto agravar-se crescentemente. Dá ideia de que as duas últimas gerações quiseram mesmo concretizar o velho dito: “Portugal é Lisboa, o resto é paisagem”... Não era assim que as coisas estavam, apesar do maior atraso geral do país; mas temos vindo a cumprir, generalizadamente, a ideia de Portugal estar confinado ao litoral e tudo o mais ser paisagem.

Os distritos alentejanos mais afectados são Portalegre e Beja, mas há também regiões de Évora afectadas pelo problema. Portalegre é todo um distrito votado ao abandono e que, com raras execpções, vai decaindo de década em década. Para nos mostrar que há caminhos diferentes, basta atentar como Badajoz, ali ao lado, tem mais gente do que o distrito de Portalegre todo inteiro…

Além disso, também no Alentejo se reflecte aquilo que chamo o “interior do interior”, isto é, freguesias particularmente desfavorecidas e em acelerada desertificação dentro de concelhos do interior ou, às vezes, até no litoral – como ocorre com algumas áreas remotas do concelho de Odemira, em plena costa alentejana.

O país sofre de uma confrangedora ausência de política de território, assim desperdiçando um dos nossos maiores recursos estratégicos e, ele próprio, um recurso de recursos, isto é, um tesouro de outros recursos: o território. Cada pedaço da nossa terra que fica ao abandono ou que é negligenciado é riqueza que se perde e oportunidades não exploradas ou aproveitadas: agrícolas, florestais, cinegéticas, turísticas. Onde não há gente não há desenvolvimento – é só paisagem. E são cada vez mais numerosos e extensos os pedaços da nossa terra que têm sido votados ao esquecimento e condenados ao declínio.

Um dos factores que mais contribuiu para este estado lastimável de profundo desequilíbrio territorial do país foi o incumprimento da Regionalização. Foi um grande erro – podemos dizer mesmo: um crime contra o país e as suas populações. Trabalhei muito pela Regionalização em 1982. Podia ter ficado feita aí; mas o governo da AD caiu e os seus projectos nunca foram retomados. Depois, lutei também por ela em 1997, apesar de o CDS-PP se ter tornado contra; mas a Regionalização viria a perder o referendo e nunca mais o tema foi recuperado.

O pior não foi só o facto de a Regionalização ter perdido. O pior é ninguém ter conseguido definir e constituir uma alternativa capaz (de novo os distritos, por exemplo; ou circunscrições mistas) que permitisse superar o impasse e estabelecer patamares administrativos de planeamento, de gestão territorial alargada e de desenvolvimento integrado, acima da escala municipal e abaixo do poder central. Assim, temos continuado num absoluto caos constitucional: por um lado, a Constituição criou as Regiões Administrativas, mas estas nunca foram estabelecidas; do outro, a Constituição extinguiu os distritos, mas estes nunca deixaram de existir, embora cada vez mais fragilizados e apagados. Há 40 anos que estamos assim: nem anda, nem desanda.

Ora, quem prospera com este caos constitucional? Prosperam os centralizadores de todos os feitios e matizes. E “prospera” a decadência das regiões e áreas que se encontram longe dos centros e pólos mais afluentes. É esta a explicação para o declínio a que muitos têm sido votados: indefinição e barafunda político-administrativa

Que fazer, então? A meu ver, é essencial um Livro Branco da Descentralização, que trace o retrato actual do país e reflicta o histórico recente desta problemática. É isso que nos permitirá avançar para a resolução desse arrastado problema da indefinição do patamar intermédio da Administração Pública entre o Município e a Administração Central. E é essa definição que permitirá definir e apetrechar os novos pólos fundamentais de reflexão e intervenção de uma política territorial consistente e duradoura, que permita repovoar o país, reequilibrar o território e distribuir o desenvolvimento.


José Ribeiro e Castro
Advogado

MAIS ALENTEJO, 1.Dezembro.2015
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"

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