O “napalm” como arte dirigente (2)
1. Os cinéfilos sabem como grandes sagas podem dar lugar a grandes sequências. Stallone teve Rambo (quatro clássicos) e Rocky, com cinco filmes numerados e dois especiais, Rocky Balboa e Creed – sete no total. Regresso ao Futuro fez uma série de três. O icónico Guerra das Estrelas lançou já o sétimo filme e anuncia o número oito para breve.
Por mim, sou modesto. Quando, há coisa de dois anos, apresentei, no PÚBLICO, o enredo de “O ‘napalm’ como arte dirigente”, confesso que nunca esperei sequela. Era tão deplorável e pobrezinho que jurava que iria esvair-se e acabar pelo caminho. Mas não. Acaba de ser exibido o segundo episódio – e quem sabe se virá terceiro.
A série aparenta ligação umbilical com os Congressos do CDS: a estreia do primeiro precedeu, há dois anos, o 25.º Congresso; este antecede o 26.º, marcado para daqui a uma dúzia de dias, em Gondomar. Intrigante, na verdade.
Ontem, noite dos Óscares, fiquei curioso à espera de ver se lhe sairia o Óscar do Melhor Argumento Original ou o dos Efeitos Especiais. Pouca sorte! Foram outros os premiados. Terá que fazer melhor.
2. Os seguidores fiéis recordarão ainda dos dois vilões: Diogo Machado e Horácio. Recordemos e actualizemos o enredo.
O Diogo Soares Machado tinha sido posto debaixo do possante fogo disciplinar da direcção do CDS-PP, em Aveiro. Porquê? Não porque se tivesse candidatado contra o partido, mas porque “tinha pensado candidatar-se”. Não é brincadeira; foi mesmo assim.
É facto que se mantivera fiel ao Presidente da Câmara anterior, Élio Maia. Mas a falta era a de pai, mulher e irmão terem sido candidatos – infracção disciplinar por contágio. Ainda não havia o vírus zika… Diogo apresentou defesa contra a ofensiva disciplinar, mas nunca chegou a decisão. Suspenso preventivamente de forma arbitrária, acabou por fartar-se ao fim de algumas semanas e desfiliou-se. Juntou-se, assim, a históricos militantes que tinham logo escolhido bater com a porta, quando confrontados com a razia em Aveiro: lembro o Santos Costa e o Jorge Nascimento, referências notáveis que fazem falta.
Então e o Horácio? – pergunta o leitor. Horácio Moita Francisco é o herói-vilão deste segundo episódio. O delito de Horácio, recordemo-lo, não foi ser candidato contra o CDS, nem “ter pensado”. Foi ter sido escolhido em plenário para o ser. Este é o delito de Horácio: ser estimado e querido pela esmagadora maioria dos militantes da Batalha.
O CDS teve historicamente peso na Batalha; depois, perdeu-o. Em 2009, com lista encabeçada por Moita Francisco, o CDS recuperou um lugar na vereação. E, em 2013, o plenário, satisfeito com o desempenho, decidiu que queria Horácio de novo. A direcção do CDS-PP marimbou-se para a militância: impôs outro, o que gerou grande sarilho e conflito. Os militantes reclamaram e impugnaram por todos os meios de Direito disponíveis. A direcção do partido manteve o ditame autocrático e continuou a desprezá-los. Para intimidar e vergar, o poder partidário pôs debaixo de fogo disciplinar tês militantes: Horácio Moita Francisco, João Gregório e Rui Baptista. Crime? Reagiram contra a imposição, accionando meios legais e estatutários.
A coisa não tinha obviamente pés, nem cabeça; e constituía não só mais uma provocação contra a Batalha e os alvejados, mas uma provocação ao mais elementar bom senso. Por isso, os processos nunca foram decididos – e, asseguram, terão já sumido da disciplina distrital. Também não foi preciso. Em Dezembro de 2013, um mês antes do 25º Congresso, os três foram “suspensos preventivamente” – o que chega para fazer o servicinho de modo conveniente. E menos oneroso.
O leitor mais atento recordar-se-á que, no primeiro episódio da saga, quanto ao caso Diogo Machado, escrevi: “Entretanto, esgotaram-se os prazos para a decisão final. Mas para quê maçar-nos, se uma “suspensão” ad eternum faz suficientemente a função?” A Batalha confirma este asfixiante cilindro disciplinar: se não podes punir, suspendes e deixas a marinar.
Agora, avizinhando-se o 26º Congresso – e também eleições concelhias (que estavam postas em pousio) –, os três temíveis batalhenses foram informados de que as suas candidaturas não eram aceites, pois estavam “suspensos”. Suspensos, como? Seria possível que se mantivessem “suspensos preventivamente” ao fim de 26 meses? Foi isso mesmo.
Ah! Os processos devem estar decididos no prazo de 60 dias. Ou seja, a acusação (infundada) já prescreveu; a suspensão preventiva não… Faz sentido manter uma arbitrária suspensão preventiva por mais de dois anos, num processo que já nem existe? É evidente que não. Mas é assim. Absurdo! E tirania.
A direcção do partido manobrou para impor à Batalha lista única de delegados ao Congresso, afecta ao favorito da oligarquia. Sendo única, foi eleita com apenas 11 votos e quase 80% de votos nulos e brancos. 80 por cento contra! Os militantes da Batalha, amordaçados, só puderam votar assim. Viva a participação e a democracia! O encarniçamento dos dirigentes para impedir a representação livre de quatro delegados da Batalha, entre cerca de 1000 delegados ao Congresso, roça o sectarismo demencial. Quero, posso, mando.
3. Neste segundo episódio da série “napalm”, surge outro vilão em estreia auspiciosa. Chama-se Luís Lagos. Perguntará o leitor: O que fez Luís?
Coimbra foi sempre distrito difícil para o CDS. Ia haver eleições distritais. Luís Lagos, de Oliveira de Hospital, é um nome geralmente estimado: jovem advogado, jovem industrial, autarca, não precisa do partido para nada, mas sempre gostou do partido. Constou que o distrito o quereria a liderar a nova distrital; ele nunca se candidatou, mas a direcção nacional tem receio, não quer e não gosta. Vai daí, bloqueou o processo. As eleições deveriam ter sido marcadas em Novembro; estamos em Março e nada. A 20 de Fevereiro, fizeram-se eleições concelhias; as da distrital estão proibidas. É preciso manter longe Luís Lagos. No último Congresso, cometeu o atrevimento de apresentar uma lista não-alinhada para o Conselho Nacional. Apesar de improvisada, elegeu três conselheiros. Há que travá-lo.
O leitor mais batido comentará: “Nãaaa… Aqui há gato!” O palpite revela o politólogo. É verdade: o gato sou eu. A um mediador da Batalha, resmungou um dirigente do CDS: “O Horácio fala com o Ribeiro e Castro.” E, interrogado por actuais responsáveis conimbricenses, um dirigente intermédio descaiu-se: “Não podemos ir para o Congresso com uma distrital liderada por um amigo do Ribeiro e Castro.”
Já não vou aos sentimentos de vergonha e indignação que estes e outros casos similares deveriam inspirar de modo generalizado, para serem erradicados. Lembro o mais importante, que não é Diogo, nem Horácio e companheiros, nem Luís, nem eu. O pior de tudo é o modo degradante e medíocre de funcionamento interno dos partidos – e o CDS não estar entre os melhores. Estar antes entre os piores e nada fazer para ser realmente aberto, genuíno, livre e democrático, ou seja, representativo.
Por mim, sou modesto. Quando, há coisa de dois anos, apresentei, no PÚBLICO, o enredo de “O ‘napalm’ como arte dirigente”, confesso que nunca esperei sequela. Era tão deplorável e pobrezinho que jurava que iria esvair-se e acabar pelo caminho. Mas não. Acaba de ser exibido o segundo episódio – e quem sabe se virá terceiro.
A série aparenta ligação umbilical com os Congressos do CDS: a estreia do primeiro precedeu, há dois anos, o 25.º Congresso; este antecede o 26.º, marcado para daqui a uma dúzia de dias, em Gondomar. Intrigante, na verdade.
Ontem, noite dos Óscares, fiquei curioso à espera de ver se lhe sairia o Óscar do Melhor Argumento Original ou o dos Efeitos Especiais. Pouca sorte! Foram outros os premiados. Terá que fazer melhor.
2. Os seguidores fiéis recordarão ainda dos dois vilões: Diogo Machado e Horácio. Recordemos e actualizemos o enredo.
O Diogo Soares Machado tinha sido posto debaixo do possante fogo disciplinar da direcção do CDS-PP, em Aveiro. Porquê? Não porque se tivesse candidatado contra o partido, mas porque “tinha pensado candidatar-se”. Não é brincadeira; foi mesmo assim.
É facto que se mantivera fiel ao Presidente da Câmara anterior, Élio Maia. Mas a falta era a de pai, mulher e irmão terem sido candidatos – infracção disciplinar por contágio. Ainda não havia o vírus zika… Diogo apresentou defesa contra a ofensiva disciplinar, mas nunca chegou a decisão. Suspenso preventivamente de forma arbitrária, acabou por fartar-se ao fim de algumas semanas e desfiliou-se. Juntou-se, assim, a históricos militantes que tinham logo escolhido bater com a porta, quando confrontados com a razia em Aveiro: lembro o Santos Costa e o Jorge Nascimento, referências notáveis que fazem falta.
Então e o Horácio? – pergunta o leitor. Horácio Moita Francisco é o herói-vilão deste segundo episódio. O delito de Horácio, recordemo-lo, não foi ser candidato contra o CDS, nem “ter pensado”. Foi ter sido escolhido em plenário para o ser. Este é o delito de Horácio: ser estimado e querido pela esmagadora maioria dos militantes da Batalha.
O CDS teve historicamente peso na Batalha; depois, perdeu-o. Em 2009, com lista encabeçada por Moita Francisco, o CDS recuperou um lugar na vereação. E, em 2013, o plenário, satisfeito com o desempenho, decidiu que queria Horácio de novo. A direcção do CDS-PP marimbou-se para a militância: impôs outro, o que gerou grande sarilho e conflito. Os militantes reclamaram e impugnaram por todos os meios de Direito disponíveis. A direcção do partido manteve o ditame autocrático e continuou a desprezá-los. Para intimidar e vergar, o poder partidário pôs debaixo de fogo disciplinar tês militantes: Horácio Moita Francisco, João Gregório e Rui Baptista. Crime? Reagiram contra a imposição, accionando meios legais e estatutários.
A coisa não tinha obviamente pés, nem cabeça; e constituía não só mais uma provocação contra a Batalha e os alvejados, mas uma provocação ao mais elementar bom senso. Por isso, os processos nunca foram decididos – e, asseguram, terão já sumido da disciplina distrital. Também não foi preciso. Em Dezembro de 2013, um mês antes do 25º Congresso, os três foram “suspensos preventivamente” – o que chega para fazer o servicinho de modo conveniente. E menos oneroso.
O leitor mais atento recordar-se-á que, no primeiro episódio da saga, quanto ao caso Diogo Machado, escrevi: “Entretanto, esgotaram-se os prazos para a decisão final. Mas para quê maçar-nos, se uma “suspensão” ad eternum faz suficientemente a função?” A Batalha confirma este asfixiante cilindro disciplinar: se não podes punir, suspendes e deixas a marinar.
Agora, avizinhando-se o 26º Congresso – e também eleições concelhias (que estavam postas em pousio) –, os três temíveis batalhenses foram informados de que as suas candidaturas não eram aceites, pois estavam “suspensos”. Suspensos, como? Seria possível que se mantivessem “suspensos preventivamente” ao fim de 26 meses? Foi isso mesmo.
Ah! Os processos devem estar decididos no prazo de 60 dias. Ou seja, a acusação (infundada) já prescreveu; a suspensão preventiva não… Faz sentido manter uma arbitrária suspensão preventiva por mais de dois anos, num processo que já nem existe? É evidente que não. Mas é assim. Absurdo! E tirania.
A direcção do partido manobrou para impor à Batalha lista única de delegados ao Congresso, afecta ao favorito da oligarquia. Sendo única, foi eleita com apenas 11 votos e quase 80% de votos nulos e brancos. 80 por cento contra! Os militantes da Batalha, amordaçados, só puderam votar assim. Viva a participação e a democracia! O encarniçamento dos dirigentes para impedir a representação livre de quatro delegados da Batalha, entre cerca de 1000 delegados ao Congresso, roça o sectarismo demencial. Quero, posso, mando.
3. Neste segundo episódio da série “napalm”, surge outro vilão em estreia auspiciosa. Chama-se Luís Lagos. Perguntará o leitor: O que fez Luís?
Coimbra foi sempre distrito difícil para o CDS. Ia haver eleições distritais. Luís Lagos, de Oliveira de Hospital, é um nome geralmente estimado: jovem advogado, jovem industrial, autarca, não precisa do partido para nada, mas sempre gostou do partido. Constou que o distrito o quereria a liderar a nova distrital; ele nunca se candidatou, mas a direcção nacional tem receio, não quer e não gosta. Vai daí, bloqueou o processo. As eleições deveriam ter sido marcadas em Novembro; estamos em Março e nada. A 20 de Fevereiro, fizeram-se eleições concelhias; as da distrital estão proibidas. É preciso manter longe Luís Lagos. No último Congresso, cometeu o atrevimento de apresentar uma lista não-alinhada para o Conselho Nacional. Apesar de improvisada, elegeu três conselheiros. Há que travá-lo.
O leitor mais batido comentará: “Nãaaa… Aqui há gato!” O palpite revela o politólogo. É verdade: o gato sou eu. A um mediador da Batalha, resmungou um dirigente do CDS: “O Horácio fala com o Ribeiro e Castro.” E, interrogado por actuais responsáveis conimbricenses, um dirigente intermédio descaiu-se: “Não podemos ir para o Congresso com uma distrital liderada por um amigo do Ribeiro e Castro.”
Já não vou aos sentimentos de vergonha e indignação que estes e outros casos similares deveriam inspirar de modo generalizado, para serem erradicados. Lembro o mais importante, que não é Diogo, nem Horácio e companheiros, nem Luís, nem eu. O pior de tudo é o modo degradante e medíocre de funcionamento interno dos partidos – e o CDS não estar entre os melhores. Estar antes entre os piores e nada fazer para ser realmente aberto, genuíno, livre e democrático, ou seja, representativo.
José Ribeiro e Castro
Advogado e antigo líder do CDS
PÚBLICO, 29.Fevereiro.2016
Comentários
Enviar um comentário