Na série Grandes Portugueses
Despertou-me a atenção. Ao folhear o “Diário de Notícias”, domingo, 6 de Março, atraiu-me a manchete do suplemento “Ocasião”: “Delta Cafés reforça aposta no mercado suíço”.
A empresa acabara de “adquirir a carteira de clientes do seu antigo distribuidor e parceiro na Suíça, com o objetivo de reforçar a presença no mercado suíço”, sendo este acordo o “resultado da estratégia de internacionalização do Grupo Delta Cafés”. E concluía-se: “A Delta Cafés pretende continuar a inovar e a expandir o seu negócio, através do alargamento de portefólio e distribuição das suas marcas. Recorde-se que está actualmente presente em mais de 35 mercados espalhados pelo mundo, estando agora directamente em Espanha, França, Luxemburgo, Suíça, Angola, Brasil e China.” Espantoso! A partir do interior alentejano para o mundo inteiro.
Há muitos anos que admiro Rui Nabeiro. O seu exemplo de vida é extraordinário. O que já realizou idem: extraordinário! Estive com ele há dias. Conversámos. Não é só o que realizou, mas aquilo que ainda projecta. Uma vez mais: extraordinário. Um homem calmo, de sonho inesgotável, rara capacidade de concretização e consolidação.
É um homem de simplicidade desconcertante e de impecável fidelidade à humilde linhagem familiar. Numa entrevista, em 2002, a Anabela Mota Ribeiro, contava: «A minha mãe era [analfabeta]. O meu pai, na tropa, conseguiu fazer a segunda classe para poder tirar a carta. Lia umas coisas, sabia fazer a sua assinatura, e pouco mais.» E a seguir: «Casei em 53, em Outubro, e em Setembro ainda entreguei o ordenado à minha mãe. Tudo o que conseguia... Vendia peixe, fui pregoeiro, (de novidades, coisas que se arrendavam ou vendiam, anúncios da câmara). Quantas vezes fui substituir o pregoeiro porque aquilo dava uns escudos. E não era para gastar num doce qualquer, era para a mãe ficar menos carente.»
A pouco e pouco, foi a partir do pequeno negócio de um tio que, com invejável capacidade empresarial, foi concebendo e construindo o que é hoje um vasto e sólido grupo. Não é só na área originária do café. É noutras áreas da alimentação e bebidas, na indústria e serviços, no imobiliário, na distribuição e no turismo e restauração. Impressionante! E, na área matricial do café, afirmou uma marca poderosa a nível nacional e internacional e mostra o caminho sempre com meticulosa capacidade de adaptação e de inovação.
Muitos o olharão como um homem rico. Ele não. Naquela entrevista, dizia: «Coisa que nunca me passou pela cabeça foi a ambição de enriquecer.» A jornalista insistiu, querendo saber se nunca lhe passara pela cabeça que pudesse ter tanto dinheiro como tem hoje. Resposta: «É que eu não tenho dinheiro, sabe? [riso] O dinheiro do homem do comércio, que cresce e faz coisas grandes, tem de estar sempre envolvido. Tive a ambição de fazer bastante, nunca hesitei em trabalhar.»
A sua riqueza é feita dessa capacidade empresarial invulgar, desse dom. Que caldeia em valores que projecta e que são o emblema moral e anímico do seu grupo: integridade e transparência; lealdade; qualidade total; sustentabilidade; solidariedade; inovação responsável; humildade; e verdade. É aqui que está o segredo de um passado de sucesso, com mais de meio século. E é aqui, portanto, que está também a chave da continuidade e, quiçá, de novos êxitos. Esse é o maior capital. Esse é o tesouro.
Este naipe de valores não é papel de cenário para impressionar basbaques. É a fonte de inspiração humana que molda uma cultura comum a cimentar as relações de administradores, quadros e trabalhadores do grupo. E que Nabeiro bem ilustra pessoalmente nas causas sociais que apoia, na sinalização permanente de generosidade cívica e numa ou outra incursão pela política.
Mas o melhor de Rui Nabeiro é nunca virar costas à sua terra. Quanto mais sucesso conseguia, mais se fincava na sua Campo Maior natal. Quanto mais próspero e influente, mais alentejano. De cepa total.
Não foi para Évora, nem para Lisboa ou para o Porto; fez Campo Maior irradiar para o mundo. A vila é, hoje, internacionalmente conhecida, atrás de um café de marca. E Alentejo ganhou novo renome não pela cortiça, não pelos cereais, não pela carne, não pelo vinho, não pelos mármores, não pelo turismo, mas também, pasme-se, pela indústria de transformação e pelo comércio de excelência.
Esta é a maior lição de Rui Nabeiro: o centro do mundo é onde o fazemos. Com visão, com trabalho, com liderança. É uma fecunda lição nacional! A lição de um alentejano excepcional, um Grande Português dos séculos XX e XXI.
José Ribeiro e Castro
Advogado
MAIS ALENTEJO, 1.Abril.2016
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"
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