O 10 de Junho em Olivença


Creio que já aqui o contei. Olivença é Alentejo – um Alentejo, hoje, também Extremadura. Muito do português oliventino, suas memórias mais fortes, os traços da arquitectura característica – não deixam lugar a dúvida: quando passamos a nova ponte da Ajuda, ao lado das belas ruínas da antiga, ainda estamos no Alentejo.

Uma vez fui a San Gimignano, belíssima cidadezinha medieval, na Toscânia. Quando vou à aldeia de São Jorge da Lor, em Olivença, é San Gimignano que me vem à memória. A comparação é atrevida, pois San Gimignano é de beleza única com as suas múltiplas torres. São Jorge da Lor não tem torres; tem chaminés. E essas chaminés são alentejanas. Grandes, enormes, muitas, em todas as ruas e em quase todas as casas. Se fosse mais recuperada e arranjada, centrando a valorização característica nas suas chaminés e caiando ou pintando com esmero todas as casas, poderia também ser tão famosa quanto San Gimignano, salvaguardadas as devidas proporções.

No passado 10 de Junho, o Alentejo teve uma comemoração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas como nunca houvera. Foi em Olivença. Respirou-se Alentejo por todo o dia: não só por eu ter lá estado, honrosamente meio-alentejano e autarca em Odemira; mas por vários traços e sinais que atravessaram o programa que o Ayuntamiento e a Além-Guadiana puseram de pé.

Houve artesanato de concelhos vizinhos alentejanos, assim como grupos corais a encerrar o dia com o Cante Alentejano em vozes femininas. E estiveram Presidentes de Câmara Municipal e vereadores, pelo menos de Reguengos de Monsaraz, Redondo, Portel e Elvas, além de Belmonte e Leiria, bem como os Alcaldes extremeños de Villanueva del Fresno, Alconchel e Almendral – além de Olivença, pois claro.

Foi um grande dia local; e grande dia regional também – e nacional. Digo-o sem receio de ser desmentido: em todo o Alentejo, não houve outro 10 de Junho como o de Olivença neste ano. Foi uma estreia em cheio desta jornada tão forte, com várias notas simbólicas da maior importância e sensibilidade.

Primeiro, a participação, ao longo do dia, de centenas de crianças e jovens, destacando-se a leitura de poesia camoniana e a interpretação de um engraçadíssimo teatro de marionetas – os “robertos” da minha meninice – com um muito bem alinhavado enredo histórico.

Segundo, a presença distinta da UCCLA, através do seu Secretário-Geral, Vítor Ramalho, e a apresentação em pré-lançamento da obra distinguida pela primeira vez com o novíssimo Prémio UCCLA “Novos Talentos, Nova Obras Em Língua Portuguesa”: o “Era uma Vez um Homem”, de João Nuno Azambuja.

Terceiro, a literatura portuguesa para crianças e jovens apresentada por Maria Inês Almeida, que expôs uma já extensa obra e abriu-se ao diálogo com o público jovem.

E, quarto, o momento alto do dia: a oferta por Belmonte a Olivença da cópia da imagem de Nossa Senhora da Esperança que acompanhou Pedro Álvares Cabral na descoberta do Brasil, em 1500. Acompanhou também Frei Henriques de Coimbra, que, nessa viagem, celebrou a primeira missa no Brasil a seguir ao “achamento” e ao desembarque dos descobridores. Pedro Álvares Cabral nasceu em Belmonte e é na sua igreja que está guardada a imagem. Frei Henriques de Coimbra seria, depois, Bispo de Ceuta e Olivença, aqui impulsionando a edificação de um fantástico monumento em estilo manuelino: a belíssima Igreja da Madalena, onde está o seu túmulo. Desde 10 de Junho, Olivença guarda a réplica da imagem de Nossa Senhora da Esperança, assim traduzindo e selando a geminação que Belmonte e Olivença assinaram há poucos meses.

Para mim, porém, foram outros os momentos mais altos, afectivos, desse dia tão intenso. Como esquecer o fado a seco arrancado pela Raquel Sandes Antunez, interpretando “a capella” um difícil tema de Dulce Pontes? Como não lembrar a apresentação pelo Joaquín Fuentes Becerra da imagem de Nossa Senhora da Esperança e sua história, antes de os líderes municipais de Olivença e de Belmonte selarem a oferta? Como deixar passar o Eduardo Machado vestido a rigor em traje de Camões (e sua pala no olho), para melhor ser cicerone e apresentador de toda a cerimónia em seus variados actos? Como não destacar a presença dos jovens da “Conexão Lusófona”, com delegados de todos os países da CPLP, e o arranque, nesse dia, do núcleo oliventino desta dinâmica “Conexão”? Ah!... tudo isto na língua de Camões, sublinhe-se. E, porque os últimos são os primeiros, como esquecer a amizade genuína e as palavras sem complexos do Alcalde Manuel Gonzalez Andrade, várias vezes ao longo do dia, e da representante da Junta da Extremadura, na abertura oficial. Muito obrigado.

Foi um dia único, um dia cheio. Um 10 de Junho diferente. Nunca houvera outro assim. Agora, haverá mais – na alentejana Olivença, uma terra franca, terra aberta e acolhedora.


José Ribeiro e Castro
Advogado

MAIS ALENTEJO, 1.Julho.2016
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"

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