"November surprise"
O ambiente é de “Day after”. Da euforia dos prosélitos “trumpistas” à incredulidade esmagada dos adeptos “clintonianos”, passando pela geral perplexidade dos observadores, mais ou menos terceiros, as reacções falam por si. Ninguém estava à espera. A não ser talvez Donald Trump, ele próprio. Mesmo os apoiantes mais fervorosos não creio que acreditassem – queriam muito que ganhasse, o que é coisa diferente de acreditar.
Este 8 de Novembro fica como o DTPF, o Dia em que Todas as Previsões Falharam. Realmente, falharam todas, mesmo ao fecho das urnas e já com a contagem a decorrer. A mais significativa é a que se precipitou a interpretar a muito elevada afluência às urnas como um sinal positivo para Hillary: os americanos acorriam a votar para barrar o caminho a Trump. Isso terá talvez acontecido com muitos. Mas também aconteceu ao contrário; e em maior número. Foram muitos que afluíram a votar para assegurar que a mudança iria mesmo produzir-se e não voltariam a uma administração Clinton, uma espécie de “kirchnerismo” norte-americano.
Talvez se tenha dito demasiado mal de Trump. E é bem possível que isso o tenha beneficiado. Com o profundo desprestígio do “sistema” – na Europa, nos Estados Unidos, no mundo, no Ocidente – é bem possível que muitos tenham concluído: «Se dizem tão mal dele, então deve ser bom.» E votaram em consequência.
Trump representou eleitoralmente o campo à direita. Num sistema completamente bipolarizado, era o único que o fazia. E, por conseguinte, não posso estar horrorizado ou totalmente desagradado com a sua vitória. Há qualquer coisa ali que me interpela e me chama para o benefício da dúvida.
O discurso de vitória – bem pensado – deu surpreendentes bons sinais. Mas não é possível fazer de conta que quem venceu é, por exemplo, um John McCain. Não, não é: foi Donald Trump quem ganhou, não outro. Trump com os seus excessos, com propostas inaceitáveis, com uma perigosa atracção pela provocação. Um personagem que inquieta e assusta. A mim também.
Se calhar, era preciso isso para ganhar. Se calhar, foi por isso que John McCain não ganhou e ele sim. Se calhar, o sistema é tão poderoso que só um boxeur coriáceo o bateria. Se calhar... É preciso rejeitar e detestar muito o “sistema” para eleger um Presidente que fez a campanha que vimos. Possivelmente era necessário cabedal de granito para resistir a todo o tipo de golpes baixos e sujos como desenterrar uma gravação pirata de 2005 carregada de conversa grosseira. O mesmo também quanto a Hillary, sejamos justos, que teve de enfrentar um FBI que desenterra e arquiva e-mails na recta final da campanha, ora prejudicando, ora favorecendo. Que sistema é este que a isto chegou?
Os tempos são de prudência e de atenção. Muita atenção. Viva a democracia, sempre, é certo. E há o famoso sistema dos “checks and balances” – com um Congresso que, continuando Republicano, não é “trumpista”. Todavia, convém não esquecer a substância e o conteúdo da campanha, fazendo de conta que é tudo rosas e que estas rosas não têm espinhos. Sim, é verdade que “tudo está bem, quando acaba bem” – mas não acabou; em verdade, ainda não começou sequer.
Estando à direita, celebrarei que não se confirmem as piores previsões que tantos fizeram sobre o futuro Presidente dos Estados Unidos da América. Também me inquietam. Detestaria que fossem verdade. Espero ser surpreendido – e dizer que me enganei. Mas não estou só com um pé atrás. Estou com os dois.
Na agenda americana, incomoda-me a política quanto à aquisição livre de armas ou a ideia de partir a galope para fazer revogar o Obamacare. E agrada-me o empenho (positivo, a vários títulos) que manifestou quanto à obra pública e à modernização e reconstrução da infraestrutura. Mas isso é menos da minha conta. Tocam-me mais aspectos que têm a ver a segurança mundial. E também o efeito Trump na política global. Tenho muitos pontos de interrogação, a que só o tempo concreto dará respostas.
Uma coisa parece certa: a Europa, os países e os cidadãos europeus terão que fazer-se à vida, pois o guarda-chuva americano irá provavelmente acabar. Se formos capazes de o perceber a tempo e formos inteligentes e lestos na forma de o fazer, menos mal. Esta é uma percepção urgente. Estamos sempre melhor com as nossas próprias forças. Os amigos e aliados são bons para nos socorrer, não para nos sustentar ou levar ao colo.
Não podemos continuar, como nas últimas décadas, a dizer sempre mal dos americanos, mas a viver sistematicamente à custa dos seus riscos, das suas perdas e do seu orçamento. Temos de assumir a coragem do nosso destino. Temos de parar de alimentar os nossos fantasmas e de viver de prosápia, sobranceria e indolência. Chegou o tempo de assumir mesmo os nossos sonhos – e servi-los. Ora, os sonhos só se servem com a realidade. Sem esta, desfazem-se – e morrem.
Este 8 de Novembro fica como o DTPF, o Dia em que Todas as Previsões Falharam. Realmente, falharam todas, mesmo ao fecho das urnas e já com a contagem a decorrer. A mais significativa é a que se precipitou a interpretar a muito elevada afluência às urnas como um sinal positivo para Hillary: os americanos acorriam a votar para barrar o caminho a Trump. Isso terá talvez acontecido com muitos. Mas também aconteceu ao contrário; e em maior número. Foram muitos que afluíram a votar para assegurar que a mudança iria mesmo produzir-se e não voltariam a uma administração Clinton, uma espécie de “kirchnerismo” norte-americano.
Talvez se tenha dito demasiado mal de Trump. E é bem possível que isso o tenha beneficiado. Com o profundo desprestígio do “sistema” – na Europa, nos Estados Unidos, no mundo, no Ocidente – é bem possível que muitos tenham concluído: «Se dizem tão mal dele, então deve ser bom.» E votaram em consequência.
Trump representou eleitoralmente o campo à direita. Num sistema completamente bipolarizado, era o único que o fazia. E, por conseguinte, não posso estar horrorizado ou totalmente desagradado com a sua vitória. Há qualquer coisa ali que me interpela e me chama para o benefício da dúvida.
O discurso de vitória – bem pensado – deu surpreendentes bons sinais. Mas não é possível fazer de conta que quem venceu é, por exemplo, um John McCain. Não, não é: foi Donald Trump quem ganhou, não outro. Trump com os seus excessos, com propostas inaceitáveis, com uma perigosa atracção pela provocação. Um personagem que inquieta e assusta. A mim também.
Se calhar, era preciso isso para ganhar. Se calhar, foi por isso que John McCain não ganhou e ele sim. Se calhar, o sistema é tão poderoso que só um boxeur coriáceo o bateria. Se calhar... É preciso rejeitar e detestar muito o “sistema” para eleger um Presidente que fez a campanha que vimos. Possivelmente era necessário cabedal de granito para resistir a todo o tipo de golpes baixos e sujos como desenterrar uma gravação pirata de 2005 carregada de conversa grosseira. O mesmo também quanto a Hillary, sejamos justos, que teve de enfrentar um FBI que desenterra e arquiva e-mails na recta final da campanha, ora prejudicando, ora favorecendo. Que sistema é este que a isto chegou?
Os tempos são de prudência e de atenção. Muita atenção. Viva a democracia, sempre, é certo. E há o famoso sistema dos “checks and balances” – com um Congresso que, continuando Republicano, não é “trumpista”. Todavia, convém não esquecer a substância e o conteúdo da campanha, fazendo de conta que é tudo rosas e que estas rosas não têm espinhos. Sim, é verdade que “tudo está bem, quando acaba bem” – mas não acabou; em verdade, ainda não começou sequer.
Estando à direita, celebrarei que não se confirmem as piores previsões que tantos fizeram sobre o futuro Presidente dos Estados Unidos da América. Também me inquietam. Detestaria que fossem verdade. Espero ser surpreendido – e dizer que me enganei. Mas não estou só com um pé atrás. Estou com os dois.
Na agenda americana, incomoda-me a política quanto à aquisição livre de armas ou a ideia de partir a galope para fazer revogar o Obamacare. E agrada-me o empenho (positivo, a vários títulos) que manifestou quanto à obra pública e à modernização e reconstrução da infraestrutura. Mas isso é menos da minha conta. Tocam-me mais aspectos que têm a ver a segurança mundial. E também o efeito Trump na política global. Tenho muitos pontos de interrogação, a que só o tempo concreto dará respostas.
Uma coisa parece certa: a Europa, os países e os cidadãos europeus terão que fazer-se à vida, pois o guarda-chuva americano irá provavelmente acabar. Se formos capazes de o perceber a tempo e formos inteligentes e lestos na forma de o fazer, menos mal. Esta é uma percepção urgente. Estamos sempre melhor com as nossas próprias forças. Os amigos e aliados são bons para nos socorrer, não para nos sustentar ou levar ao colo.
Não podemos continuar, como nas últimas décadas, a dizer sempre mal dos americanos, mas a viver sistematicamente à custa dos seus riscos, das suas perdas e do seu orçamento. Temos de assumir a coragem do nosso destino. Temos de parar de alimentar os nossos fantasmas e de viver de prosápia, sobranceria e indolência. Chegou o tempo de assumir mesmo os nossos sonhos – e servi-los. Ora, os sonhos só se servem com a realidade. Sem esta, desfazem-se – e morrem.
José Ribeiro e Castro
Advogado e antigo líder do CDS
PÚBLICO, 9.Novembro.2016
Comentários
Enviar um comentário