MOAR – A Mãe de Todas as Reformas
Escrevo no dia 25 de Abril, cujo primeiro D foi “democratizar”. 43 anos depois, como estamos? Como estamos em matéria de qualidade da democracia? Estamos mal, muito mal mesmo.
A cada eleição que passa, são os eleitores que no-lo dizem; abstêm-se de modo crescente. Nas últimas autárquicas, em 2013, faltaram às urnas 47,4% dos eleitores. Nas europeias, em 2014, falharam 66,2%. Nas regionais da Madeira e dos Açores, em 2015 e 2016, respectivamente 50,3% e 59,2% não quiseram saber. Nas legislativas, em 2015, foram 44,1% os que viraram costas. E nas presidenciais, em 2016, 51,3% não foram votar. São números altíssimos. E pior do que o valor absoluto é o facto de piorarem de eleição em eleição, isto é, normalmente a abstenção tem aumentado em contínuo face à eleição homóloga anterior.
O problema está diagnosticado há muito. Radica na forma como os partidos dominantes evoluíram, num contínuo declínio para sistemas fechados, impondo as suas escolhas. Os aparelhos, submetidos ao domínio de directórios e caciques, trancam a formação das listas, ditando candidatos por modos que estimulam o servilismo. Desenvolvem processos políticos que inabilitam qualquer mandato representativo e degradam os partidos. Um quadro que gerou descrédito crescente, contaminou toda a política e provovou contágio geral a todas as eleições.
Neste sistema de “democracia” autocrática em que decaímos, com obscuros centros de poder pré-definidos, o perfil do candidato favorito inspira-se no modelo do Prof. Karamba, um candidato multimodal, deputado tutti-fruti, mandatário para todas as opções. Podemos escolher o grande mestre de astrologia internacional, Professor Jelani, mestre em amor, negócios, impotência sexual, exame, jogo, espirituais, alcoolismo, droga, maus-olhados, inveja, prender e desviar, etc... que afasta e aproxima pessoas amadas, lê a sorte, dá previsão da vida e do futuro pelo bom espírito e forte talismã. Ou, se não nos inspirar confiança, temos antes a opção do Prof. Karim Issa, ilustre espiritualista e cientista, reputado por lidar com problemas de amor, insucessos, depressões, negócios, injustiças, casamento, impotência sexual, maus-olhados, doenças espitiruais, sorte nas candidaturas, desporto, exames e protecção contra perigos como acidentes em todas as circunstâncias, aproxima e afasta pessoas amadas, com rapidez total, sendo certo que, se quer prender uma vida nova e pôr fim a tudo o que o preocupa, não perca tempo, contacte o Prof. Karim Issa e ele tratará o seu problema com eficácia e honestidade, faz emagrecer ou engordar, consulta à distância e pessoalmente. Também há escolhas no género feminino, num vasto leque de tarólogas, videntes e leitoras de sinas, especialmente requisitadas nestes tempos exigentes em que a arte das previsões tudo dita e comanda. O essencial para o sistema é que o candidato seja versátil e ágil, maleável e dócil, habilidoso e ajustável, imaginoso na palavra, disciplinado no sentido de obediente – e bom altifalante, nunca voz de si mesmo.
O diagnóstico está feito. A evidência cansa de tão repetida. A solução está no caminho que propusemos no Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade: reformar o sistema eleitoral, devolvendo a democracia à cidadania.
Esta é a reforma fundamental que temos de empreender. É a “MOAR – the Mother of All Reforms”, isto é, a Mãe de Todas as Reformas. Tenho por claro que, em democracia, não faremos todas as demais reformas de que necessitamos, enquanto não começarmos por aí. Um sistema eleitoral misto, como já descrevi nestas páginas, com rigorosa proporcionalidade, mas articulando listas plurinominais, alguns círculos uninominais e um círculo nacional, é a única forma de restituir autenticidade à democracia e autoridade à representação da cidadania. E, sem esta respiração genuína entre a sociedade e a política, não conseguiremos melhorar e avançar. Continuaremos condenados ao teatrinho que nos entretém e afunda, enquanto os centros que capturam o sistema tudo comandam e bloqueiam.
A pregação e insistência do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade vai fazendo o seu caminho, apesar das resistências e mesmo quando não nos citam.
Há poucos dias, um quadro do Partido Socialista, Daniel Adrião, intervindo num artigo e em entrevista, saudou terem “surgido nos últimos anos em Portugal várias iniciativas e movimentos com o propósito de responder a este grave problema, lutando por mudanças no sistema político.” Mas, chamando a atenção para que “a forma mais eficaz de fazer essa pressão é dentro do próprio sistema político, designadamente através dos partidos que o Integram”, Divulgava O “Movimento ‘Resgatar A Democracia’, Criado No Âmbito Do Partido Socialista e que se tem batido por uma profunda reforma do sistema político, quer a montante, no âmbito partidário, quer a jusante, no sistema de representação política, (…) propondo uma reforma (…) que garanta que são os cidadãos (e não os directórios partidários) a escolher os deputados que os vão representar na Assembleia da República.” Bingo!
A 2 de Abril, foi Luís Marques Mendes, no seu espaço na SIC, a perguntar “O que devia mudar?” e defender, pela primeira vez, a reforma do sistema eleitoral. E apoiou estas ideias: “Devíamos ter círculos uninominais (um círculo, um deputado), compensados com um círculo nacional (exemplo alemão); os cidadãos escolhiam o seu deputado, como escolhem o seu Presidente de Câmara. Votava-se mais em pessoas e não só em partidos. Era mais responsabilizante. A escolha dos partidos tinha de ser mais exigente – escolher os melhores, mais prestigiados e credíveis." Bingo!
E, a 7 de Abril, na Gulbenkian, na apresentação do segundo volume da sua biografia oficial, o ex-Presidente da República Jorge Sampaio ocupou-se dos nossos temas. Lemos na imprensa: “Jorge Sampaio fez uma intervenção no final em que revelou algumas ‘inquietações’, como a má utilização de dinheiros públicos e o financiamento partidário ou a necessidade de recalibragem dos sistemas eleitorais, de forma a garantir novas formas de representatividade dos cidadãos.” Exactamente os dois temas do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade, sem tirar nem pôr. Bingo!
Caso talvez para dizer: haja esperança! Não chega. É preciso haver vontade. O caminho vai sendo aberto e, creio, a cidadania acabará por vencer. Quem gosta de estar submetido? Quem gosta de ser manietado? Ninguém. Com solução à vista e à porta, a porta será aberta.
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