Judith, Maria Helena e Regina


A 4 de Julho de 1982, faleceu a avó Judith, registada com “th” em Odemira, no séc. XIX. Daqui me vêm as costelas alentejanas, das raízes imemoriais da bisavó Angelina Simões dos Santos. Casou com o bisavô António: Silva de apelido, era de Almada. O seu negócio eram barcos à vela para transportar trigo do Mira para Lisboa – o último desses “iates” foi o “Judite”, sem “th”. Dessa união vieram os Santos Silva, meus familiares de Odemira, descendentes dos filhos de Angelina e António: António, Bento, Fortunato, Idálio e Judith. Dos primos deste tronco, conheci melhor os do tio António – magistrado como meu avô, casou com a tia Dominguitas, espanhola, de quem meu avô gracejava que “esqueceu o Espanhol e não aprendeu o Português”. A tia Dominguitas, sempre próxima, nossa amiga e muito querida, falava um “españês” privativo, em mistura acelerada. Com seus filhos, António e Bárbara (já falecida), foram os Santos Silva mais próximos.

A 5 de Julho de 1974, morrera minha mãe, Maria Helena: acabara de fazer 49 anos. Era odemirense, como o irmão (o tio Zé), mais novo. Nasceram de um juiz, meu avô, Jaime Duarte Silva de Almeida Ribeiro. Nos anos 1920, foi colocado no tribunal de Odemira, onde chegou de diligência. Aqui conheceu minha avó Judith. Meu avô nascera em Braga, mas não seria de lado nenhum e era de todo o lado. Juiz e filho de juiz (o bisavô José Rodrigues de Almeida Ribeiro), mudou sempre de terra: nasceu em Braga; o irmão, o tio-avô Fernando, era de Vila Real. Nada os ligava a estas cidades, além do acaso do nascimento. O meu tio-avô teria como terra Coimbra, onde casou e em cuja Universidade foi professor brilhante, ou o Porto, terra da mãe, a bisavó Ana. O avô Jaime, além do Porto também, teria como terra Odemira, de que muito gostava e muito se dedicou. Aqui, lembram-no como o “Senhor Conselheiro”, função em que se jubilou. Vem daqui o meu “Ribeiro”: tenho como apelidos “de Almeida Ribeiro e Castro”. “Castro” é de meu pai, Santos e Castro; “Ribeiro” é a segunda metade do nome de minha mãe. Assim passei a ser conhecido na Faculdade e profissionalmente: Ribeiro e Castro.

A 6 de Julho de 2017, morreu a prima Regina, com 91 anos. Solteira, acompanhou-nos em viagens, atividade que a deliciava. Gostava de conhecer e descobrir. Da geração da minha mãe, era uma referência, muito próxima e amiga, nos Almeida Ribeiro das origens na Beira Alta, embora o nome quase o não denuncie: Regina Augusta Maria Pinto Ribeiro da Cunha Amaral. Só há um “Ribeiro” ali pelo meio, mais discreto que o meu. Isso tem a ver com as origens da família. O meu trisavô, onde tudo começou, era padre: João Ribeiro de Almeida Cândido. No penúltimo quartel do século XIX, apaixonou-se por uma aluna, salvo erro, de Coimbra: Luísa Pires de Freitas. Fugiram para Fornos de Algodres das origens do patriarca, onde criaram quatro filhos: José (meu bisavô), António, Artur e Maria Benedita. Todos receberam o apelido “Rodrigues de Almeida Ribeiro”, omitindo apelidos da mãe e reordenando apelidos do pai – segundo a discreta lenda familiar, para evitar discriminações ou perseguições. A descendência deu, em várias gerações, muitos juízes e advogados. O ramo feminino da Benedita foi o que ficou na Beira Alta e aquele que perdeu o Almeida Ribeiro. Já Artur foi ministro distinto na 1ª República. A Regina tinha-lhe especial devoção: foi ministro das Colónias (deu nome à que foi a rua principal de Macau), das Finanças e da Educação de Afonso Costa. Preso político no começo do Estado Novo, escreveu, da prisão, uma carta à sobrinha Luísa, filha da Benedita e mãe da Regina, que esta guardou e mostrava amiúde. Foi solto e não o maçaram mais. Era conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. A Regina foi grande professora de História e Filosofia nos liceus, sobretudo no Passos Manuel. Dos alunos de que falava, lembro-me de Eduardo Prado Coelho, João Lobo Antunes e Ana Gomes.

4, 5 e 6 de Julho: dias de partida de três fortes mulheres da minha vida. Não guardo mágoa, nem dor. Saudade, sim. E gratidão.


José Ribeiro e Castro
Advogado

MAIS ALENTEJO, 1.Setembro.2017
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"

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