Que coisa é essa da Uébesâmite, cumpádrim?
Nos meus últimus anus de deputadu, ouve renovação de fotocupiadoras. Coisa sufisticada. Cada corredor tinha a sua. Às tantas, tive de consultar as instruções. Nu ecrã de cumandu, li istu: “Ajuste de leiaute”.
Não estou a brincar. É mesmu assim: “leiaute”. Custou-me perceber. Tive de fechar us olhus; parar de ler; imaginar u som: “Ah!... Layout!” U furnecedor aportuguesara u inglês “layout” e aplicara forte dose de Acordu Ortugráficu 1990: escreve-se comu se diz. Eis u neolugismu “leiaute”.
Essas máquinas continuam na cede da suberania popular, a Acembleia da República. Á dias, voltando lá, fotografei u munumentu ortugráfico, para poder mustrá-lu. A curiosidade de São Bentu é atual: xama a atenção para u impactu da Uébesâmite na nossa grafia e comu ditará novu Acordu em 2040, levandu mais longe as impuzições atuais.
As peçoas perguntarão u que tem um iventu tecnulógicu como a Uébesâmite a ver com u AO90. Tem tudu. Mostra que a escrita não reproduz necessariamente u falar, mas á outras razões a determinar a grafia das palavras. Uébesâmite difere de Uébesumite ou de Vébesumite, mas toda a gente sabe que Uébesâmite se escreve “Websummit” – quem não sabe é burru.
U AO90 impôs a “ortofonografia”, gerandu prublemas que se agravam. Ao ler em avisus municipais, “conceção” por conceder – em vez de “concessão” –, comu efeitu de confundir com “conceção” de conceber – em vez de “concepção” –, isto é simples amostra du pior.
A nacionalização de palavras estrangeiras na fala (ou, em consequência, erros de escrita), não é coisa nova. Os espanhóis são especialistas.
Uma vez, com vinte e tal anos, fui ao cinema em Callao, centro de Madrid. Uma “coboiada” magnífica, ainda em voga. O “western” era dobrado, fazendo perder metade da qualidade. E os diálogos estavam cheios de «ésmite» e «éstive» – só ao fim de algum tempo o meu desabituado ouvido entendeu tratar-se de «Smith» e «Steve».
Comentando com o meu pai a dobragem, disse-me isto: «Os espanhóis falam patrioticamente mal as línguas estrangeiras. Falam sempre Espanhol, às vezes com palavras estrangeiras.» Nem de propósito, no “Telediário” da TVE à hora de jantar, houve uma notícia de França e o, então, Presidente Giscard d’Estaing. O apresentador esmerou-se: «el Presidente Riscáre Déstáingue», «el Señor Déstáingue», «Presidente Riscáre». Era o espanhol falado com palavras estrangeiras.
Os espanhóis, porém, não levam a coisa ao extremo dos nossos “acordortografistas”: mudar a forma de escrever, depois de terem mudado a forma como pronunciam. Se o fizessem, o resultado seria ainda mais confuso.
Uma das questões controversas do AO90, é a eliminação radical das consoantes mudas, rompendo o rasto etimológico e a identidade das palavras. A brutalidade não faz sentido e cria mais problemas, sobretudo para os do Português europeu, como nós e outros lusófonos mais próximos de nós. As confusões “conceção/concessão” ou “intercessão/interceção” são meros exemplos dos disparates que se geram e espalham.
Não sou contra o AO. Sou a favor do AO. Creio-o essencial. Mas sou a favor da revisão do AO, eliminando os excessos e erros e protegendo a variante europeia do Português, mais sensível à etimologia. Esse é o caminho, para gerar paz em todo o espaço lusófono e acomodar na língua comum as variantes mais relevantes. Por que diabo posso escrever Quanza, Kwanza ou Cuanza e não poderei escrever Egipto, mas só Egito imperativamente?
Aos fóbicos das consoantes mudas, recomendo um vídeo curtinho. Por que é que, em inglês, “doubt” tem aquele “b” mudo ali no meio? Está no You Tube: https://youtu.be/YvABHCJm3aA – bem engraçado e instrutivo.
A língua inglesa é, nas ocidentais, a que menos se escreve como se diz. Tem consoantes mudas a pontapé e várias peculiaridades de escrita e pronúncia. Mas todos a aprendemos, lemos e falamos. O Inglês é língua global, a língua mais falada do mundo, ainda quando com pronúncia de susto. Quando a lemos, todos entendemos. Ai de nós – sobretudo ai do Inglês –, se uns sábios se pusessem a nacionalizar a escrita e a mudar-lhe a ortografia por decreto.
Até nós, alentejanos, sabemos o que é a “Websummit”. O que ninguém conhece é “Uébesâmite”. Um qualquer atraso de vida, certamente.
NOTA: por opção do autor, a primeira secção está escrita pelo Acordo Ortográfico de 2040 e as outras duas pela grafia anterior ao AO90.
José Ribeiro e Castro
Advogado
MAIS ALENTEJO, 1.Fevereiro.2018
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"
Advogado
MAIS ALENTEJO, 1.Fevereiro.2018
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"
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