"Sexta-feira do contra": reforma do sistema eleitoral


Nuno Garoupa dedicou a última das suas “Terças-feiras do contra” à proposta de reforma eleitoral da SEDES e APDQ. Agradeço a referência. Concordamos inteiramente no diagnóstico. Respondo a observações e reservas apresentadas.

A proposta, como Nuno Garoupa refere, reflecte o modelo alemão, muito inteligente e sábio: representação proporcional personalizada, articulando proporcionalidade da representação com escolha individual dos eleitores. Fiel à revisão constitucional de 1997, adapta-o à nossa geografia e experiência, num quadro de 229 deputados: 4 da emigração, como hoje; 210, em candidaturas uninominais e listas plurinominais, no território nacional; e 15 por um apuramento final em círculo nacional.

Primeiro, há que explicar os “11 círculos eleitorais” referidos por Nuno Garoupa. Seguimos a divisão em 18 distritos e 2 regiões autónomas, referente fundamental. Mas a proposta não quer circunscrições eleitorais com menos de 8 deputados. Assim, sempre que, ao repartir os deputados na proporção do eleitorado, uma circunscrição não atinja aquele mínimo, é agregada a circunscrição vizinha. Pelo recenseamento actual, as 20 circunscrições de partida correspondem a 11 circunscrições eleitorais.

Os deputados das circunscrições eleitorais são repartidos, em número igual, por tantos círculos uninominais quantos os candidatos em listas plurinominais: uma circunscrição de 8 deputados é subdividida em 4 círculos uninominais e ao conjunto concorrem listas com 4 candidatos; uma circunscrição de 42 deputados comportará 21 círculos uninominais e listas de 21 candidatos.

Este sistema é auto-elástico como na Alemanha, protegendo, de raiz, a proporcionalidade dos mandatos. O eleitor vota no deputado que quer e no partido que prefere. Livremente. Pode eleger o vencedor num círculo uninominal, mas a votação-guia para a composição proporcional do Parlamento é a votação nas listas plurinominais. Os eleitos uninominais entram dentro da quota proporcional do seu partido na circunscrição territorial, sendo os primeiros a ser providos nos lugares conquistados, antes da lista partidária. O sistema – recordo – é de representação proporcional personalizada, não é de representação uninominal.

Mas há o problema dos supranumerários, como Nuno Garoupa chama a atenção. Pode acontecer que candidatos uninominais obtenham valor de eleição acima da quota territorial obtida pelo seu partido: por exemplo, um partido, com percentagem para eleger 2 deputados, venceu em 3 círculos uninominais; neste caso, não elege nenhum da lista, mas elege os 3 individuais, resultando um “supranumerário”. Este problema foi residual na Alemanha até 1990: nunca houve überhangmandaten que chegassem a 1% do Bundestag. Mas, desde 2005, o problema foi-se deteriorando, chegando ao extremo actual: em 2017, foram eleitos 111 deputados a mais! Isto deveu-se quer ao cavar da distância entre os dois maiores partidos, quer a uma decisão do Tribunal Constitucional que ordenou, a partir de 2013, a atribuição de mandatos de compensação aos partidos afectados, o que duplicou as fontes de aumento dos eleitos.

Como é que resolvemos o problema? Com o círculo nacional. Fixamos o máximo de 8 “supranumerários” elegíveis, a descontar na quota deste círculo. Os restantes, num mínimo garantido de 7, são eleitos para acertar a relação proporcional entre as forças que alcançaram representação. Pergunta: então, pode haver vencedores uninominais que não obtenham eleição? Em casos extremos, pode. Se os supranumerários ultrapassarem o máximo de 8, os vencedores menos votados só serão eleitos se também estiverem na lista e com percentagem suficiente. O sistema – repito – é de representação proporcional personalizada, não é de representação uninominal.

Compreendo, enfim, o cepticismo quanto ao efeito da reforma no recrutamento de candidatos e no funcionamento dos partidos: “os ‘amigos’ do chefe e os carreiristas continuariam a dominar por completo o sistema” – diz Nuno Garoupa. Não é assim.

O impacto será enorme e imediato. Produz-se a partir das candidaturas uninominais e é imparável. Os partidos têm de escolher candidatos uninominais com o maior prestígio externo; e esse diálogo com a base eleitoral contagia de imediato a formação simultânea das listas plurinominais, no mesmo espaço e no mesmo tempo. Além disso, como acontece na Alemanha, a generalidade dos candidatos uninominais também integra a lista plurinominal – só um ganhará os despiques individuais, todos reforçam a hipótese de eleição pelo sufrágio proporcional.

O círculo nacional também não é o coche dourado para os “amigos” do chefe. Os eleitos (de 7 a 15) provirão das listas plurinominais territoriais. Na proporção que couber a cada força, serão repescados os não-eleitos mais votados, preferindo as circunscrições onde não tenha eleito ninguém, assim diminuindo os votos desperdiçados e reforçando o sentido de inclusão e de cidadania das eleições.

Esta a revolução coperniciana: ao mudar a base (metade de candidatos uninominais), muda tudo. O sistema deixa de ser geocêntrico (os directórios) para passar a heliocêntrico (a base eleitoral, a opinião pública). Teremos um Parlamento proporcional, com deputados directamente eleitos ou fortemente comandados pelos eleitores. Certamente um Parlamento melhor, deputados melhores e partidos melhores – é o três em um.

E é facílimo para o eleitor: dois votos no mesmo boletim, para escolher o seu deputado e o partido que prefere. Fácil e gratificante. O poder, na verdade, na ponta da caneta.


José RIBEIRO E CASTRO
Advogado e ex-líder do CDS
Subscritor do Manifesto "Por uma Democracia de Qualidade"


DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 9.Março.2018

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