A encruzilhada
Cada eleição é uma encruzilhada: aquele lugar onde todos vão ter ao mesmo tempo, para partirem outra vez para outra etapa. A estrada por onde saem e a companhia em que vão dependem, em boa parte, das condições em que lá chegam e, no fundamental, sempre das forças e das amizades que lá reúnem.
O ano de 2015 marcou o início de uma fórmula original: a geringonça. E a questão principal, à primeira vista, seria a de saber se a geringonça continuaria, ou não. Hoje por hoje, os ventos indicam que está mais para continuar – na fórmula actual, ou noutra adaptada – do que para perder a maioria e partir. Mas esta é a primeira avaliação que será feita no dia das eleições legislativas: ganham ou perdem os partidos da geringonça; ganham ou perdem os partidos que governaram com a troika.
Há outra encruzilhada: as eleições europeias, onde as questões acumuladas não são poucas.
Gostaria que não voltasse a ouvir-se o velho estribilho do “ninguém sabe para que servem as eleições europeias”. Somos membros já há 30 anos – já é tempo de todos termos aprendido. O murmúrio de desconhecimento é o eco do menosprezo a que os partidos reduzem as questões europeias no debate nacional, ao longo de cada ciclo de cinco anos. Seria bom que isso acabasse, pois seria sinal de os portugueses terem, finalmente, tomado posse da cidadania europeia. É indispensável que o façam, ao lado dos cidadãos de todos os outros Estados-membros, para que a Europa possa enfrentar e vencer as muitas dificuldades com que se confronta.
Essa é a primeira avaliação da encruzilhada europeia: quantos vamos lá estar no dia de votar. Disso depende a força e a legitimidade dos sinais que forem dados, nesse dia. A Europa precisa de que estejamos lá para construir, não só para desfrutar.
Voltando às questões nacionais, eu gostaria de que voltássemos a abraçar valores humanos personalistas – o valor fundamental da vida humana, a dimensão matricial da família, a liberdade de ensino como um dos pilares inapagáveis do sistema de ensino – que são essenciais ao desenvolvimento humano e ao progresso da sociedade.
Gostaria que deixássemos de ser um país adiado.
Que acabássemos, em primeiro lugar, com o bloqueio em que se tornou a regionalização. E podemos acabar com esse bloqueio, seja concretizando-a finalmente, se as condições estiverem de feição (o que creio impossível), seja pondo-a definitivamente de lado e retomando a administração distrital (como a Constituição, aliás, prevê). Portugal não pode continuar com este elefante sentado no meio do sistema administrativo, a complicar o desenvolvimento de outros patamares administrativos (áreas metropolitanas, por exemplo) e a impedir a instalação de uma rede administrativa completa e coerente. Este tem sido, segundo penso, um dos factores que potenciaram a desertificação: não há quem cuide de vastas extensões do território. Nesta questão, estamos adiados desde 1976 – há 42 anos.
Que realizássemos, em segundo lugar, a reforma do sistema eleitoral que responsabilize os eleitos perante os eleitores, que permita aos cidadãos terem papel decisivo na escolha dos deputados e que melhore o funcionamento interno dos partidos, abrindo-os às bases e à cidadania. Esta evolução, que criará círculos uninominais a par dos actuais círculos plurinominais e articulados com estes, no quadro de um sistema misto de representação proporcional personalizada, já é possível desde uma das últimas revisões constitucionais. Vem sendo sucessivamente esquecida. É matéria em que estamos adiados desde 1997 – há 21 anos.
Que promovêssemos, em terceiro lugar, a tão falada reforma do Estado ou, ao menos, fizéssemos as suas discussões preparatórias. Desde praticamente o princípio do século que a opinião pública portuguesa é confrontada continuamente com as questões do défice e da dívida, da dívida e do défice, isto é, com o esgotamento da capacidade financeira do Estado, estando todos já onerados com uma muito elevada carga fiscal e endividamento público excessivo. O Estado necessita de uma reestruturação que assegure o desempenho contínuo das suas funções sem crises, apertos e sobressaltos. Porém, quatro anos depois da troika, a linguagem continua a ser cortes e cativações. Aqui, estamos adiados, pelo menos, desde 2002 – há 16 anos.
É ponto de honra, em quarto lugar, desenhar uma reforma social que combata e reduza significativamente a pobreza, na população portuguesa. É chocante que, em Portugal, estando na União Europeia e no século XXI, ainda nos confrontemos com indicadores de cerca de 25% de pessoas em situação de pobreza e de exclusão social. Estes números, que são persistentes, são perturbantes. Interpelam-nos. Por um lado, é o bem-estar individual e familiar dessas pessoas; por outro lado, é o desperdício de recursos e de capital humano que isto representa. Uma sociedade com 25% de pobres, no limiar de sobrevivência ou abaixo deste, é uma sociedade amputada de um quarto de si mesma nas forças, na energia, na iniciativa do progresso colectivo. Houve algumas vozes vibrantes, de que resultaram progressos relevantes. Mas falta este resto, que ainda é muito grande. Estamos adiados, pelo menos, desde 1974 – há 42 anos.
Se reafirmássemos a matriz de valores e fizéssemos estas quatro reformas, ou as iniciássemos ao menos, dar-me-ia por satisfeito. Uma sociedade personalista. Um pais descentralizado e equilibrado. Uma democracia de cidadania, onde mandam os eleitores. Um Estado sustentável, que não pese nas famílias e na economia e suporte todas as suas políticas. Um país com menos pobres e mais activos a fazerem o caminho. É preciso chegar a esse outro Portugal.
José Ribeiro e Castro
Advogado, antigo líder do CDS
PONTO SJ, 18.Setembro.2018
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