Trump, Bolsonaro e o antifascismo de arremesso
Alarmam-se as campainhas pela ascensão de políticos de direita fora do campo tradicional. Ameaçado, o sistema ergue, em contínuo vozeirão, o clamor “fascistas, fascistas, fascistas!”
Os mais salientes são Donald Trump e, agora, Jair Bolsonaro. São cartas fora do baralho, no significado literal das palavras. Trump era exterior ao Partido Republicano e venceu a sua nomeação. Bolsonaro, um insignificante deputado do PSL, exterior ao sistema dominante, que a profundíssima crise do Brasil e uma facada durante a campanha eleitoral projectaram, primeiro para o pódio, depois para a vitória. Mas a lista é grande: Le Pen pai e filha em França, Geert Wilders na Holanda, o UKIP no Reino Unido, a Lega Nord em Itália, o FPÖ na Áustria, o PiS na Polónia, Viktor Orbán na Hungria, o AfD na Alemanha, os Verdadeiros Finlandeses e os Democratas da Suécia na Escandinávia, outros ainda por aí.
A gritaria antifascista é pouco objectiva: usa “fascismo” em arremesso, como uma pedrada. Confunde a realidade, mistura planos e plataformas, baralha os espíritos, falha o diagnóstico e torna-se mais contraproducente do que munição eficaz ou ferramenta preventiva. Os actores do neofascismo são deixados na sombra, poupados à gritaria, como o NPD na Alemanha, o BNP no Reino Unido, o Aurora Dourada na Grécia, o Jobbik na Hungria.
As contradições são frequentes. Grupos de esquerda e extrema-esquerda, artilheiros do discurso populista, são poupados à gritaria alarmada. Em 2000, a União Europeia ameaçou a Áustria de suspensão de direitos, se o impecável democrata-cristão Schüssel fizesse acordo de governo com o diabolizado Jorg Haider do FPÖ. Mas, em 2017, o não tão impecável democrata-cristão Kurz fez governo com o mesmo FPÖ, partilhando ministérios cruciais – não se passou nada. Há uma fúria generalizada contra Viktor Orbán, erradamente tratado de extrema-direita, mas ninguém se perturba com o Jobbik, partido húngaro realmente extremista, com 20% nas eleições legislativas e 15% nas europeias. Na Grécia, o Syrisa, menina dos olhos da esquerda europeia, fez acordo de governo com o Aurora Dourada, partido quase nazi, envolvido em vários casos de violência – ninguém tossiu sequer.
O abuso provoca a fadiga do antisfascismo. Cresce em volume, mas perde credibilidade. É um tiro, não uma denúncia. É insulto, não desmascaramento. Pode condicionar, mas não desmonta. Ou seja, é uma inutilidade política.
No PREC, em 1975, lembro-me de o deputado da ala esquerda do PS, Lopes Cardoso, ser atacado na Assembleia Constituinte como “fascista”. Para atacar o PCP, a extrema-esquerda cunhou o “social-fascismo”, para o encaixar na sacola dos fascistas. Vi na televisão, na “dinamização cultural”, um reputado professor explicar a um camponês que “fascismo é um merceeiro que não vende fiado”. Fascismo tornou-se tudo de que não gostamos. Não gostas de favas? As favas são fascismo. Não suportas mioleira? A mioleira é fascista – só a damos às crianças, porque não sabem o que é.
Os desafios que o populismo nos traz exigem rigor, exame, critério. Muitos são coisas novas; não são as mesmas coisas velhas. Não podemos lidar com eles com o arremesso do insulto que temos mais à mão.
No Parlamento Europeu, integrei o Intergrupo “SOS Democracia”, iniciativa de um dinamarquês. Era transpartidário e transnacional, visando corrigir as falhas ou a ausência de democracia europeia.
O objecto era tão óbvio, no eixo das preocupações gerais, que nos espantávamos por não ter mais adesão ou eco. Um dia, um britânico perguntou-nos: “Mas vocês acham que a democracia nacional está a funcionar assim tão bem? Acham que os cidadãos notam a diferença?”
Este é o problema. A democracia entrou em derrapagem e as pessoas estão zangadas. O populismo é a resposta rápida à ira das pessoas. A crise financeira, o furto através dos bancos, a fragilidade da Justiça, o mau exemplo de tantos servidores públicos, a dívida, a ameaça aos mais idosos, a perda de representatividade dos partidos clássicos, a corrupção, as portas giratórias, as carreiras políticas que alimentam ascensão na vida empresarial, o extremismo da ideologia de género, a insegurança, a crise migratória – disto se alimenta o perigoso novo discurso político, mais desbocado do que extremista, mais malcriado do que fascista, mais destemperado do que nazi.
É preciso estudar. E compreender, para responder.
José Ribeiro e Castro
Advogado
MAIS ALENTEJO, 1.Dezembro.2018
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"
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