Chumbo garantido
Ao modo de Mark Twain, a petição “Legislar o poder de os cidadãos escolherem e elegerem os seus Deputados” também pode dizer: «As notícias sobre a minha morte são manifestamente exageradas.»
A petição, lançada pela Associação por uma Democracia de Qualidade (APDQ) e pela SEDES, acaba de entrar na Assembleia da República e logo um diário fez manchete, dando-a por chumbada. É notícia manifestamente exagerada: as petições não são votadas, não podendo haver chumbo; a tramitação ainda agora começou e demorará alguns meses; o que se vê é estar a fazer o seu caminho de influência – “água mole em pedra dura tanto dá até que fura” – como é próprio das petições e dos processos de cidadania.
Tudo começou com o Manifesto Por uma Democracia de Qualidade, em 2014, seguindo-se logo reuniões com os partidos parlamentares, na perspectiva das eleições de 2015. As mais promissoras foram com o Partido Socialista, que mostrou retomar as posições de 1998, aquando de um processo legislativo frustrado. De facto, o Programa Eleitoral do PS (2015) consagrou-o no capítulo “Melhorar a Qualidade da Democracia: «Reformar o sistema eleitoral para a Assembleia da República, introduzindo círculos uninominais, sem prejuízo da adoção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos, sem qualquer prejuízo do pluralismo.» Exactamente o que defendemos. Estas propostas não avançaram em razão dos acordos políticos da “geringonça” que enquadram a maioria parlamentar e de governo – quer PCP, quer o BE olham com reserva e desconfiança as mexidas na lei eleitoral, tendo acordado nada fazer nesta legislatura.
Já na preparação da petição actual, houve novo processo de diálogo (com os partidos parlamentares e a Presidência da República) e de debate público, desde o final de 2017, surgindo outros sinais de estar a ter eco. Há dias, noticiou-se que o PSD prepara uma proposta sobre o sistema eleitoral, contendo «no essencial (…), círculos uninominais (em que é eleito só um deputado), a par de círculos plurinominais e um círculo nacional de compensação.» De novo, o que propomos. E também o Aliança se apresentou a defender «a reforma, tão falada e tão adiada, da introdução de círculos uninominais, com círculo nacional, facilitando uma maior aproximação dos eleitores aos eleitos.» De novo, o que defendemos.
Falta examinar os pormenores, onde há matéria relevante que faz muita diferença. Mas a evolução para o modelo-quadro de representação proporcional personalizada com um misto de círculos plurinominais e uninominais complementares é muito marcante. O passo do Aliança é relevante, pois, sendo novo e “médio ou pequeno”, mostra que os pequenos e médios partidos nada têm a temer com o novo sistema – eu diria até: pelo contrário. Esse é o trabalho que resta: explicar ao público em geral e persuadir BE, CDS e PCP de que este sistema é justíssimo, igualmente ou mais proporcional, que assegura o melhor aos que forem melhores. Não há que ter medo da democracia e da cidadania.
O caminho está a fazer-se. Se a cidadania não baixar os braços, só há um chumbo garantido: o da resistência reacionária que quer manter a todo o transe um sistema desgastado, quando temos escolha melhor na linha da Constituição.
José Ribeiro e Castro
Advogado e ex-líder do CDS
EXPRESSO, 16.Fevereiro.2019
Advogado e ex-líder do CDS
EXPRESSO, 16.Fevereiro.2019
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