Zona libertada
Na última reunião de colaboradores da MAIS ALENTEJO, tive uma agradável surpresa: a revista tem como política editorial publicar-se exclusivamente em português de lei, isto é, rejeitando o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90).
Como escrevo sempre no português que aprendi, jamais em “pAOrtuguês”, não dera conta de ser assim em toda a revista, não só nas minhas crónicas. Não sabia ser esta a orientação editorial imperativa da direcção. É bom saber que, quanto à nossa língua, há uma “zona libertada” em Portugal, baluarte da resistência. É cada vez mais importante que estes espaços se multipliquem, para o tema não ser esquecido e não se perderem boas referências. Apetece sonhar que daqui nascerá a Reconquista.
Nunca fui radical. Feita a asneira de 1990, achei que o ataque frontal contra o AO90 conduziria ao entrincheiramento e, pelos melindres diplomáticos e políticos, calcificaria o erro.
Defendo a revisão do AO, em vez do seu derrube. O acordo tem a virtude de reunir falantes de diferentes Estados – importante activo de uma língua internacional, e não um passivo, nem inutilidade supérflua. Acreditei que o bom senso conduziria naturalmente à revisão do AO90, que, entre outras questões, proteja devidamente a variante europeia do português – a nossa –, acautelando a coerência etimológica e do parentesco com outras línguas europeias. Isto seria suficiente para reintroduzir ordem e paz: um acordo representativo de todos, suficientemente compreensivo para incluir todas as variantes relevantes.
A minha moderação foi traída pela obstinação dos que se sentaram no trono do AO90. É preciso derrubar esta majestade e abrir as portas ao bom senso.
Defendo a revisão do AO, em vez do seu derrube. O acordo tem a virtude de reunir falantes de diferentes Estados – importante activo de uma língua internacional, e não um passivo, nem inutilidade supérflua. Acreditei que o bom senso conduziria naturalmente à revisão do AO90, que, entre outras questões, proteja devidamente a variante europeia do português – a nossa –, acautelando a coerência etimológica e do parentesco com outras línguas europeias. Isto seria suficiente para reintroduzir ordem e paz: um acordo representativo de todos, suficientemente compreensivo para incluir todas as variantes relevantes.
A minha moderação foi traída pela obstinação dos que se sentaram no trono do AO90. É preciso derrubar esta majestade e abrir as portas ao bom senso.
Além da paralisia das autoridades diante do imbróglio linguístico e diplomático, tropeçamos amiúde em evidências que assustam. Está criado um muito grave problema que se afunda.
De entre os alertas de especialistas, recordo os artigos “Admirável Língua Nova” de Manuel Matos Monteiro no “Público”, desde Dezembro de 2016. Já vai no décimo, coleccionando uma cascata de absurdos e incongruências do AO90, uma casa dos horrores a merecer um livro.
Há meses, troquei de carro. A voz do GPS, “lendo” conforme ao AO90, irrita-me a cada viagem: diz “dir’ção”, em vez de “diréção”. Ao eliminar a consoante muda em “dire(c)ção”, a voz faz muda a vogal “e”. A anedota acontece: espectadores serão “esp’tadores” de espetar; sector será “s’tor”, como tratávamos os professores no liceu. Querendo forçar-nos a escrever como falamos, põem-nos a falar como escrevemos. Um dia, não nos entendemos.
Uma filha minha, que escreve bem, é da geração que apanhou com o acordo em cima: ora sem ele; ora com ele. Ao rever-lhe uns textos, vi que queria escrever sem o AO90, mas tropeçava na incoerência: a mesma palavra aparecia de uma maneira e doutra, mesmo quando não era uma das famosas facultatividades; outras vezes andava à nora com a escrita, como ao escrever “práctica”, com um “c” que não existia. Mergulhou na barafunda. O AO90 não simplificou, confundiu.
Pior são Câmaras Municipais com Editais de “concursos de conceção”, confundindo concessão com conce(p)ção. Ou orações que pedem a “interceção” de Nossa Senhora, confundindo intercessão com interce(p)ção. Antes que peçam a “interseção” da Virgem Maria, confundindo com interse(c)ção, urge pedir solícita “interceção” da Mãe de Deus para interceptar este pântano.
Sou amigo de um professor português numa Universidade americana. Trabalha todos os dias em língua inglesa e não vive em ambiente de língua portuguesa. Mas é um académico de topo. Dirigiu uma investigação para Portugal e pediu-me para rever um capítulo. É um magnífico trabalho. Mas deparei com dois erros, filhos do AO90. Escreveu “receção”, onde queria dizer recessão. Porquê? Porque recepção passou a “receção”, gerando uma homófona aparente. Noutro lugar, escreveu “interceção”, caindo noutra armadilha da homófona aparente. Nem consegui ter a certeza se seria interce(p)ção ou interse(c)ção – ambas poderiam ser, mas ficando a frase com sentidos diferentes. Pedi que relesse e decidisse. É, na verdade, o caos.
O último caso foi no site do CDS. No directório, está o índice de secções. Ao chegar aos contactos, lá aparece CONTATOS. É o erro inverso da “práctica” da minha filha – a febre de cortar os “p” e “c”, como letras intercalares a abater: contatos, abruto, corrução.
SOCORRO!!! Tirem-nos daqui.
José Ribeiro e Castro
Advogado
MAIS ALENTEJO, 1.Abril.2019
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"
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