Por que não votam os portugueses nas europeias?


Nas últimas eleições europeias, em 2014, votaram 33,8% dos portugueses. Foram as piores de sempre, em taxa de participação. Não mostraram, porém, agravamento repentino: desde 1994 que a taxa de participação em Portugal está na casa dos 30%. A 26 de Maio próximo, serão as oitavas eleições para o Parlamento Europeu em que participamos; das sete anteriores, em cinco a abstenção esteve entre 60% e 70%. Só as duas primeiras foram excepção: em 1987, o facto de serem em simultâneo com eleições legislativas arrastou uma participação record (72,4%); e, em 1989, as primeiras isoladas, a afluência às urnas foi de 51,1%. Nunca mais se repetiram tais números: as eleições europeias movimentam apenas cerca de 1/3 dos eleitores em Portugal, com tendência para descer.

Não somos caso único. As eleições directas para o Parlamento Europeu têm globalmente baixa participação, sempre em quebra desde 1979. As últimas, em 2014, tiveram afluência global de 42,6%, isto é, uma abstenção de 57,4%. Todavia, podemos olhar dois grupos de países: de um lado, os melhores e menos maus, com participação superior a 40%; do outro, os piores, com participação na casa dos 30% ou ainda menos. Portugal está nos melhores dos piores, no grupo dos 13 países com pior desempenho, de que a quase totalidade vem dos últimos alargamentos ao antigo Leste europeu. Mas, se olharmos aos 15 Estados-membros do nosso tempo, Portugal é o pior de todos, incluindo dos que nos acompanham no patamar mais baixo de participação eleitoral: Finlândia, Holanda e Reino Unido.

Há um problema português. E, mesmo que outros sofram de igual ou parecido, é esse problema português que nos deve interpelar e preocupar. O que é que se passa para que, 33 anos depois da entrada de Portugal nas Comunidades Europeias, ainda olhemos a Europa como se fosse estrangeiro? O que é que se passa para que os eleitores de 33 anos de idade ou menos, nascidos já no quadro da União Europeia, se mobilizem quase nada e tenham participação tão baixa nas eleições europeias? O que é que se passa para que os jovens com menos de 25 anos, privilegiados desde o berço com a cidadania europeia, além da portuguesa, dela não façam exercício vibrante e votem tão pouco?

Creio, há muito, que somos marcados por duas limitações estupidificantes. A primeira é a periferia mental, por que arejamos uma curiosa mistura entre, de um lado, complexo de inferioridade (“somos pequenos”, “não temos peso”, “estamos longe”, “ninguém nos liga” …) e, do outro, uma certa fanfarronada auto-suficiente e auto convencida (“eles bem podem decidir o que quiserem, que nós, cá, é que decidimos como queremos”). Ambas as ideias são falsas e erradas; mas é toda uma atitude mental nacional, de que tarda libertarmo-nos. A segunda é a visão mamífera da Europa, olhando a União Europeia somente pelos fundos que nos manda: se manda, gostamos da Europa como vaca leiteira; se não manda e há regras, já não nos interessa e desdenhamos. Esta é a visão alimentada por partidos dominantes e comunicação social desde as ajudas de pré-adesão, enchendo manchetes com os milhares de milhões dos pacotes plurianuais e sua repetida conversão nos milhões que iriam jorrar por cada dia. Ainda hoje este permanece o ponto mais insistente da política comunitária nos nossos debates políticos. Há leite ou não há leite? É poucochinho. Muito poucochinho.

A periferia mental tem ainda outra manifestação, que é fatal quando chegam as eleições europeias: é que, no intervalo entre eleições, isto é, nos mandatos, os cidadãos nunca viram os partidos com representação parlamentar em Bruxelas/Estrasburgo discutirem e decidirem matérias fundamentais que se vão debater ou votar no Parlamento Europeu. Tudo isto se passa no “estrangeiro”. E os eleitores também não viram trazer a debate nos órgãos desses partidos matérias que estão em apreciação nas instituições europeias e sobre que é preciso levantar a voz no Parlamento, seja para apoiar, seja para contestar. Uma vez mais, tudo isso acontece “lá fora”, no “estrangeiro”. Ou seja, ao fim de 33 anos, os partidos nacionais ainda não fizeram a apropriação política da agenda europeia e ainda não tornaram uma realidade esta ideia que tenho, de há muito, como evidente: Lisboa é uma capital da política europeia; e Bruxelas é também uma capital da política portuguesa.

Desde que entrámos na CEE, qual foi, nestes 33 anos, a reunião do Conselho Nacional, da Comissão Nacional ou do Comité Central de um partido, para apreciar e decidir o sentido de intervenção dos seus deputados no Parlamento Europeu sobre um grande tema de fundo da política europeia? Qual foi, nestes 33 anos, a reunião da Comissão Política de um partido para apreciar e decidir o sentido de voto dos seus deputados no Parlamento Europeu sobre uma relevante peça legislativa europeia ou um grande tema premente em Bruxelas/Estrasburgo? Isto, com eco público, deveria ser o normal, acontecer várias vezes por legislatura, pelo menos uma vez por ano, em todos os partidos. Não tenho ideia de ter acontecido uma só vez.

Por isso, quando chegamos às eleições e a maioria dos eleitores dizem não perceber a utilidade destas, não pode estranhar-se o sentimento. Os próprios partidos dos eurodeputados não valorizam o debate político europeu – parecem esconder a sua participação e representação no quadro da UE como partidos europeus, partidos nacionais com assento nas instituições europeias. Hoje, para estas eleições já é tarde. Já é tarde para falar do mandato 2014/19, que termina: não podemos despejar em quinze dias tudo o que calámos em cinco anos.

Mas podemos, ao menos, não fazer pior. Podemos evitar concentrar-nos na zaragata. Podemos esquivar-nos de dizer ou dar a entender que estas eleições não são mais do que um jogo de pré-época olhando às legislativas em Outubro. Podemos encontrar temas interessantes da actualidade europeia ou da relação de Portugal e dos portugueses com a UE e pô-los na agenda de debate. Podemos evitar falar de tudo menos de Europa. É que, se não falamos de política portuguesa na Europa, nem do nosso olhar sobre a política europeia, e se nos concentramos na zaragata e no “political entertainment”, o que é que os eleitores lá vão fazer no dia desse jogo de pré-época? Muitos não percebem para que servem essas eleições, outros não lhes querem dar crédito e outros, pura e simplesmente, não estão para isso. Se partidos e candidatos não se dão ao cuidado de lhes explicar seriamente, por que hão de os eleitores incomodar-se?

Há um último aspecto – os últimos são os primeiros – que deveria ser obrigatório nestas campanhas. Num tempo de tantos perigos e desafios, é primordial. Chamo-o de “o sonho europeu”. Ao modo do “american dream”, nuclear desde sempre na política americana, creio que, no modelo da Europa das Nações (o único que faz sentido e pode bater certo), temos que arvorar esse sonho europeu como o eixo grandioso que temos posto de pé e que é imperativo proteger, consolidar, cultivar: Paz para sempre; Liberdade e Democracia para sempre; Estado de direito para sempre; prosperidade para todos; circulação aberta para sempre. Caramba! Na Europa, cuja História tão bem conhecemos, este “european dream”, de pé há quase 70 anos, não é coisa pouca. Não é mesmo nada coisa pouca. Enorme tem de ser o seu poder mobilizador.

Bastava terem lido o tema da mensagem dos Presidentes da República dos Estados-membros, no passado 9 de Maio: “A Europa é a melhor ideia que alguma vez tivemos.” Grande frase! Agarrar essa ideia, repeti-la, interiorizá-la e decliná-la de mil modos. Em resumo, firmá-la.


José Ribeiro e Castro
Advogado, antigo líder do CDS

OBSERVADOR, 18.Maio.2019

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