Foi você que pediu a reforma eleitoral?


Se pediu, fez bem. Está cheio, ou cheia, de razão. Na verdade, para quem alimenta dúvidas sobre a urgência de devolver a democracia à cidadania e fortalecer laços de confiança e proximidade entre eleitores e eleitos, a votação de 6 de Outubro voltou a falar. Falou alto e falou claro. Deve ter sido bem ouvido.

Houve mais 200.000 abstencionistas no território nacional. São já 4.250.674 (mais de oito cidades como Lisboa!) os cidadãos que viram costas às urnas no território nacional. São muitas as razões para a abstenção, mas a mais forte e grave é os eleitores não se sentirem representados nas escolhas dos partidos. Têm toda a razão. Por isso, a percentagem sobe sempre: agora, de 43% para 45,5%. É muita gente a protestar silenciosamente! Só não ouve quem não quer. Só finge não ver quem sobrepõe interesses pessoais ou de grupo ao interesse nacional e da democracia.

Na noite eleitoral, houve vozes, sobretudo do CDS, criticando o facto de o aparecimento de novos partidos não ter contribuído para baixar a abstenção. É verdade. Mas também não conheço quem tivesse sustentado o contrário. Depende, como é óbvio. Porém, o que podemos supor é que os novos partidos terão absorvido votos que, se não existissem, teriam engrossado a abstenção. Isto é, se não houvesse os novos partidos, a abstenção poderia ter engrossado com mais de 200.000 votantes em Iniciativa Liberal, Chega, Livre e Aliança.

Os partidos tradicionais têm de perder de vez a ideia perversa de que são os DDT, os “donos-disto-tudo”. O seu imobilismo reformador está a fazer um mal tremendo à democracia – e à cidadania. É tempo de avançarmos com coragem e visão para a evolução do actual sistema de representação proporcional simples para o sistema misto de representação proporcional personalizada a que a Constituição abriu as portas em 1997.

Nas reacções às eleições, cresceu um movimento crítico à fraca proporcionalidade do sistema. As críticas partem da manipulação exagerada dos números para, primeiro, “mostrar” que os deputados de uns custam muito mais votos do que outros e, segundo, concluir que há centenas de milhares de votos jogados no lixo. Não há sistema eleitoral que o evite, pois são efeitos da matemática – muito embora um círculo nacional de compensação possa minorar o fenómeno, como prevemos na nossa proposta. Mas o preocupante nessa onda crítica é olhar apenas ao interesse dos partidos “desfavorecidos”, desprezando por inteiro o interesse dos cidadãos. A seguirmos aquele coro, iríamos fortalecer a partidocracia, pela concentração dos círculos eleitorais e afastando ainda mais os eleitores dos eleitos.

Um sistema eleitoral não se faz para assegurar a representação dos partidos; faz-se para assegurar a representação dos cidadãos, a partir dos territórios onde vivem. Os partidos não são mais do que instrumentos da representação, não são de todo os seus titulares.

Não podemos deixar-nos arrastar pela linguagem e pela aparência. A reforma eleitoral que importa é a da cidadania. Se, constitucionalmente, já podemos escolher o partido e o deputado, estamos à espera de quê?


José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS
Presidente da APDQ - Associação Por uma Democracia de Qualidade


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18 de Outubro de 2019

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