Passar de dezoito a cinco é centralismo puro e duro


Há muita confusão sobre os conceitos de descentralizar e desconcentrar. Muitos não conhecem a diferença e têm dificuldade em acompanhar o debate e contribuir para a decisão. Por isso, comecemos pelo fundamental.

A desconcentração administrativa verifica-se dentro da mesma entidade, por exemplo, dentro do Estado, num determinado Ministério ou num instituto público. É uma forma de tornar a administração pública mais próxima dos administrados, sem, todavia, ceder o último poder de decisão superior. As unidades desconcentradas são chefiadas por delegados com algum poder de decisão, mas hierarquicamente subordinados ao poder central.

A descentralização administrativa ocorre quando há transferência do poder de decisão de uma entidade central para outra mais próxima dos administrados e, normalmente, dependente destes, que elegem os respectivos órgãos. A descentralização não se limita a pôr a administração mais próxima, mas coloca-a também nas mãos dos administrados. As unidades descentralizadas não são chefiadas por delegados, mas por órgãos próprios – são autarquias, governam-se a si mesmas.




Dito assim, pode parecer que descentralizar é sempre melhor do que desconcentrar. Não necessariamente. Por um lado, há domínios que não devem sair da esfera administração central ou para que não existe consenso – nestes casos, o único modo de estruturar a administração próximo dos administrados é por desconcentração. Por outro lado, pode haver patamares de descentralização concebidos para suceder a outros de desconcentração mais próximos dos administrados, o que pode resultar num prejuízo para os cidadãos e seus territórios.

O maior bem nestes movimentos de organização administrativa não é a autonomia de decisão que a descentralização autárquica assegura. É sobretudo a proximidade que a instância administrativa adquire relativamente aos administrados e às comunidades que serve. Em princípio, quem está mais perto pode decidir e servir melhor, independentemente de ser autarquia ou serviço desconcentrado.

Por isso é que a malha territorial de referência é essencial quando se trata seja de descentralizar, seja de desconcentrar. Descentralizar para patamares estabelecidos a grande distância dos administrados pode soar mais a centralizar do que a outra coisa.




Há 45 anos, a malha administrativa do Continente estava organizada em 18 unidades: os 18 distritos, que têm permanecido como os círculos eleitorais para a Assembleia da República. Tinham sede em 18 capitais de distrito, onde a administração central dispunha de um corpo técnico “distritalizado” afecto aos serviços desconcentrados. Já o lado autárquico dos distritos nunca foi desenvolvido – o regime era autoritário – e avultava a figura do governador civil, o delegado do governo.

Assim devia ter permanecido, pois é isso que determina o artigo 291º da Constituição: os distritos seriam substituídos pelas regiões administrativas, mas, enquanto estas não estivessem instituídas, manter-se-ia a divisão distrital; e o governador civil veria até reforçadas as responsabilidades de coordenação horizontal dos serviços distritais do Estado. Se a Constituição tivesse sido respeitada, não teria havido o abandono de que tantos se queixam.

Visto à distância, choca o que se passou desde o fim dos anos 1980: não há regiões administrativas; mas a administração distrital foi também desmantelada de modo sistemático. O território ficou mais frágil. Muitas capitais viram a capacidade administrativa destruída. Esses territórios viram-se abandonados, o despovoamento galgou. As unidades distritais desconcentradas foram concentradas em cinco novos polos, as capitais das CCDR. E, agora, a Comissão Independente para a Descentralização anuncia uma regionalização feita para cinco regiões apenas: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.

Será isto descentralização? Não, isto seria centralização.

Quando se propõe substituir um quadro de 18 unidades por outro de apenas cinco, é evidente que a concentração seria brutal. Nunca, em qualquer momento da História de Portugal, a malha administrativa intermédia da administração pública consistiu apenas em cinco unidades.

Os territórios que têm sido abandonados veriam consolidado o abandono, em vez de este ser atalhado e corrigido. Os administrados que perderam proximidade veriam cavada a distância. Em suma: o contrário do que Portugal precisa.




José Ribeiro e Castro
Advogado

MAIS ALENTEJO, 1.Outubro.2019
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"


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